Ontem um jornalista alemão perguntava-se qual será o motivo do fascínio de Trump por autocratas como Putin e Kim Jong Un. No ponto a que chegámos, é mera questão de retórica. Trump ofereceu de mão beijada a Kim Jong Un e a Putin cenas que lhes permitem reforçar o seu poder interno, sancionou o comportamento inaceitável de Putin no plano internacional e abriu brechas no bom entendimento com os antigos aliados baseado em valores democráticos comuns. Nos dias que antecederam o encontro com Putin andou feito elefante na loja de porcelana que é o projecto da União Europeia, hostilizando e humilhando os dirigentes do mundo democrático ocidental, falando da Alemanha e da Grã-Bretanha como se estes países não passassem de colónias dos EUA. E agora chegou ao ponto de atacar os seus próprios serviços de informação.
Thomas L. Friedman acusa, num artigo irado no NYT:
There is overwhelming evidence that our president, for the first time in our history, is deliberately or through gross negligence or because of his own twisted personality engaged in treasonous behavior — behavior that violates his oath of office to “preserve, protect and defend the Constitution of the United States.”
(...)
It started with the shocking tweet that
Trump issued before he even sat down with Putin this morning: “Our
relationship with Russia has NEVER been worse thanks to many years of
U.S. foolishness and stupidity and now, the Rigged Witch Hunt!”
(...)
(...)
It
only got worse when, in his joint news conference with Putin, Trump was
asked explicitly if he believed the conclusion of his intelligence
agencies that Russia hacked our elections. The president of the United
States basically threw his entire intelligence establishment under a
bus, while throwing out a cloud of dust about Hillary Clinton’s server
to disguise what he was doing.
Trump actually said on the question of who hacked our election, “I don’t
see any reason why it would be” Russia. And in a bit of shocking moral
equivalence, Trump added of the United States and Russia: “We are all to
blame … both made some mistakes.” Trump said that it was actually the
American probe into the Russian hacking that has “kept us apart.”(...)
In the past few years what has Putin
done to deserve an American president sucking up to him for an
“extraordinary” relationship? Putin has seized Crimea, covertly invaded
Ukraine, provided the missiles that shot down a civilian Malaysian
airliner over Ukraine, bombed tens of thousands of refugees out of Syria
into Europe, destabilizing Europe, been involved in the death of a
British woman who accidentally handled a Russian nerve agent deployed to
kill ex-Russian agents in England and deployed misinformation to help
tip the vote in Britain toward exiting and fracturing the European
Union.
Most of all, Putin unleashed a
cyberattack on America’s electoral process, aimed at both electing
Trump — with or without Trump’s collusion — and sowing division among
American citizens.
Our intelligence
agencies have no doubt about this: Last week, America’s director of
national intelligence, Dan Coats, described Putin’s cybercampaign as one
designed “to exploit America’s openness in order to undermine our
long-term competitive advantage.” Coats added that America’s digital
infrastructure “is literally under attack,” adding that there was “no
question” that Russia was the “most aggressive foreign actor.”
No Spiegel, Dirk Kurkweit explica o motivo pueril para a alta traição de Trump:
Trump tem um trauma, sobre isso não há dúvidas. Esse trauma mostrou-se mais uma vez ontem, na conferência de imprensa com Putin. Uma das consequências é ele mostrar publicamente que considera o presidente russo pelo menos tão digno de confiança como os seus serviços de informação. Estes dizem que os colegas russos intervieram na campanha eleitoral dos EUA em 2016. Putin nega essa acusação, e Trump está muito inclinado a acreditar nele.
Sendo Trump quem é, não é capaz de admitir que as eleições foram em parte manipuladas. Isso acrescentaria uma sombra à sua vitória eleitoral (teve menos votos que Hillary Clinton, e pessoas dos seus círculos próximos tiveram contactos com personagens russas obscuras). Por esse motivo, Trump sente-se permanentemente pressionado para se justificar - tal como aconteceu ontem: elogia a sua "fantástica" campanha eleitoral e faz questão de acreditar em Putin quando este diz que não houve intromissão russa.
Ao contrário do que Trump afirmou recentemente, não é a Alemanha que se deixou aprisionar por Putin. É o próprio Trump quem está preso: não tem liberdade para formar uma opinião sobre Putin, porque se sente obrigado a convencer todos de que o presidente russo é uma pessoa de confiança. Só assim mantém a imagem de grande vencedor das eleições na qual Trump quer acreditar. Para isso, Trump põe-se entre Putin e o seu próprio Estado. Bizarro.
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É um mero detalhe, mas diz muito sobre Trump: no final de um campeonato mundial que arrebatou a Rússia, Putin oferece a Trump uma bola de futebol e diz que agora está do lado dele. Trump não capta o símbolo e o momento, e responde que vai dar a bola ao seu filho de 12 anos. "Melania, toma!"
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