Não olhem, mas há um historiador e romancista chamado João Pedro Marques que acabou de se espalhar ao comprido e com estrondo num artigo de opinião no DN.
O resumo do seu pensamento é algo como: "Em Portugal não há racismo porque a nossa sociedade aberta, democrata e igualitária não o permite. Além disso, eu nunca o vi: nunca ninguém evitou passar por um sítio onde eu estava a divertir-me com os meus amigos, brancos como eu, nunca ninguém apertou mais a carteira ou guardou o telemóvel ao passar por mim num local deserto, a cor da minha pele nunca foi um problema para conseguir casa, ter boas notas na escola ou arranjar um bom emprego. Portanto, está provado: não existe racismo em Portugal. No entanto, estranhamente, há pessoas que usam a cor da sua pele para se armarem em esquisitas e constituírem um grupo à parte, o que é uma flagrante falta de respeito pelas regras das nossas sociedades modernas, abertas, democráticas, tendencialmente igualitárias e multiculturais. No nosso país não há racismo, a não ser contra os brancos, uma vítimas!, que ainda vão acabar todos como o personagem principal de A Nódoa Humana, coitadinho, que perdeu o emprego e a mulher por causa da perseguição implacável movida pelos hipersensíveis da brigada do politicamente correcto. Bem queria dar um exemplo real passado em Portugal mas, como não tenho nenhum, dei este da literatura dos EUA, que é tal e qual o que se passa todos os dias em Portugal mas infelizmente não conheço nenhum exemplo para dar aqui."
Todo o texto é uma delícia de wishful thinking, ignorância sobre o assunto e auto vitimização para iludir a questão do racismo. Destaco em particular uma frase que, dado o contexto, não me parece que seja anedota. E é pena, porque isto é humor do mais fino e inteligente que se possa imaginar:
"Há negros que acham que apenas pelo facto de o serem constituem um grupo à parte."
3 comentários:
Será humor? Há muitos anos deixei de ler o Miguel Esteves Cardoso porque o que eu julgava ser humor afinal era o que ele pensava.
Acho que este texto do articulista do "DN" deverá, em princípio, ter sido escrito ainda antes de terem sido tornadas públicas aquelas doces imagens do "segurança" do Porto que esmurrou violentamente na cara uma rapariga que ia apanhar um autocarro, indefesa e deitada no chão, urrando " - Sua PRETA DE MERDA, vai pra tua casa, não venhas prá qui estragar o meu País[, carago?]!".
Ou então já foi escrito mesmo depois de ter visto estas lindas imagens e o senhor historiador terá concluído que esta bárbara agressão apenas comprova a sua tese de que "existem algumas pessoas racistas em Portugal" (e, se calhar, uma ou outra no Norte), ou mais ainda, que este pobre "segurança", que até pode apenas ter tido um dia um pouco mais complicado, ou assim, pode agora ficar com a sua vida injustamente estragada pelo preconceito de que ele agrediu a fulana APENAS por ela ser escurinha e até vai ficar "de olho" nos desenvolvimentos deste caso, para ver se a perseguição ao rapaz, por parte da odiosa "brigada do politicamente correcto", não irá até provocar, quiçá, a morte da sua Esposa, o que comprovaria ainda mais eloquentemente as teses básicas deste seu brilhante Artigo...
jj. amarante, não é humor.
Conde de Oeiras, penso que foi escrito antes de esse caso se ter tornado conhecido. Mas convenhamos que antes disto houve outros casos - há polícias que estão em tribunal acusados de racismo, houve o assassínio de um negro por racismo, houve tudo o que deves saber bem melhor que eu, e que não são as excepções que confirmam a regra. É mesmo a regra.
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