12 dezembro 2017

bela por fora e por dentro


 
Três concertos em dois dias: Maria João Pires, Late Night com Simon Rattle ao piano, e voltar no dia seguinte aonde fui feliz, para ouvir o mesmo concerto da pianista.

Simon Rattle toca piano com a mesma energia que põe na direcção da orquestra. O seu pequeno concerto teve graça, mas convenhamos que é preciso coragem (ou inconsciência) para se sentar ao piano pouco depois de a Maria João Pires ter estado naquela sala.
Tocou a sonata em sol menor de Debussy com Daishin Kashimoto, e o Quatuor pour la fin du temps, uma peça que Olivier Messiaen escreveu num campo de prisioneiros de guerra dos alemães. A sorte de Messiaen (e nossa) foi ter-se deparado com um tal de Franzpeter Goebels como comandante do campo. Este Goebels, um músico chamado a cumprir serviço militar na guerra de Hitler, deu a Messiaen os meios necessários para compor a sua peça, e permitiu que a estreia mundial se realizasse no campo, perante 400 prisioneiros. E depois ainda há quem diga que a Arte não serve para nada...
Não sei como seria a qualidade dos instrumentistas que também eram prisioneiros no campo, nesse desgraçado ano de 1941. Em 2017, ter um Wenzel Fuchs a tocar o solo de clarinete em "Abismo dos pássaros" foi assombroso.
Aliás: de todos os músicos daquele quarteto, o pianista era o menos brilhante...   



 

Este foi o momento, no fim do concerto de domingo, em que Maria João Pires ofereceu ao maestro uma rosa do seu ramo. A sala inteira desatou a rir porque ela não conseguia soltar o pé da flor, e acabou a oferecer apenas uma rosa a modos que decepada.
Os dois concertos foram excelentes - como seria de esperar de Maria João Pires e de Herbert Blomstedt. Assisti ao de domingo com sentimentos contraditórios: a felicidade de estar ali naquele momento, e a tristeza de saber que provavelmente não volto a ver nenhum deles em palco. 

Mas guardo comigo a graça dela a propor os temas à orquestra, a elegância das frases, o equilíbrio entre expressão e contenção. E do maestro Blomstedt, esse extraordinário homem que aos noventa anos ainda consegue transmitir a energia da música com todas as fibras do seu corpo, guardo a dinâmica "molto dansabile" que deu à versão original da terceira sinfonia de Bruckner.

 


3 comentários:

Paulo disse...

Vê-se um bocadinho mal, mas lá estão o Ottensammer e o Dohr, este a chegar a carinha sorridente mais à frente para a ver melhor.

Percebo essa tua sensação de desconforto; um dia eles terão mesmo de parar. Um pouco antes destes concertos esteve aí o Haitink a dirigir a 9ª de Mahler. Também ele com quase 90 primaveras, porém ainda para as curvas. Pude comprová-lo no DCH graças ao tal voucher...

Helena Araújo disse...

Não te escapa nada! :)
Assisti ao ensaio geral do Haitink. Só me lembrei de ir ver a idade dele quando reparei no seu corpo cansado. Com roupa de cor, em vez daquele fato preto, dá para ver melhor que também eles estão sujeitos às leis da natureza dos humanos.
Gostei muito da sua nona.

Mas há outras opiniões. No concerto de sábado da Maria João Pires fiquei sentada ao lado de um jovem coreano que veio passar 50 dias na Europa, para assistir a 54 concertos. Tinha assistido ao do Haitink, e não gostou muito. No dia seguinte partia para Varsóvia, para ir ver o Sokolov num concerto à noite. Dizia que adorava o Sokolov.
Fiquei a pensar que tipo de jovem da Coreia do Sul tem tempo e dinheiro para vir passar dois meses à Europa para assistir a concertos de música clássica. Quer dizer: nem da Coreia do Sul nem de mais nenhum país. Isto já não se usa... :)

Paulo disse...

Essa é a profissão que eu gostava de ter.

(Nota-se o peso dos anos mas continua a ser um enorme mahleriano. Também gostei muito da sua nona.)