08 novembro 2017

onde é que você estava quando soube que o Trump venceu as eleições?

Dirk Kurbjuweit sobre a efeméride do dia (em tradução rapidíssima):

Um cruel despertar

Lembra-se desta quarta-feira, há um ano? Quando acordou e olhou para o telemóvel, tal como fez agora? Lembra-se do que sentiu quando leu que Donald Trump tinha vencido as eleições nos EUA? A sua incredulidade. O seu choque. O seu desejo de ainda estar a dormir e a ter um pesadelo. O seu temor de que isto pudesse ser o fim do mundo tal como o conhece. Eu lembro-me bem: passei os dias seguintes sentindo-me a viver dentro de uma nuvem densa.

Entretanto passou um ano, e espero que para si tenha sido um bom ano, um ano normal na sua vida. Afinal de contas, tivemos essa possibilidade. Não começou nenhuma guerra, não houve nenhuma crise financeira. Trump não alterou o nosso quotidiano.
Não havia motivos para inquietação?

É este o paradoxo da situação em Novembro de 2017. Tudo continua como era, e tudo está diferente. Se o estado da democracia liberal nos for indiferente, terá sido um ano muito bom. Caso contrário, foi um horror.



Uma expressão desapareceu em 2017. Inteligência do enxame. É a base da democracia liberal. A expressão "inteligência do enxame" exprime a convicção de que a maioria é razoável e que é capaz de, por exemplo, fornecer resultados eleitorais mais ou menos viáveis. De um modo geral, depois de 1945 no mundo ocidental podia-se confiar na inteligência do enxame. Com as eleições de Trump, essa confiança foi destruída.

Donald Trump não desencadeou nenhuma guerra, não provocou nenhuma crise financeira, não aboliu a democracia dos EUA, não mostrou ser um fascista, mas revelou ser mentiroso, vingativo, mesquinho, egocêntrico, infantil, desorientado e sem plano. Ainda não é claro se ele quer obter algo para os EUA, ou apenas para si, para a Ivanka e para o resto do clã. E o que era mesmo aquilo com os russos?

Trump quis quase sempre o que era errado, e só não o conseguiu por ser um incapaz. E por encontrar a resistência de um sistema de justiça, de um sistema político e de uma sociedade civil que em parte o desafiaram destemidamente. O que é um pequeno consolo.

A economia americana vai bem, mas isso não tem muito a ver com Trump. E numa democracia, ao contrário de uma ditadura, interessam não apenas os resultados, mas também os processos. Como é que as pessoas se relacionam? Qual é o nível das discussões? As palavras são as fundações de uma democracia, e nunca no mundo ocidental um presidente enviou para o mundo palavras tão estúpidas e indizíveis como Trump.

O enxame tomou uma decisão catastrófica, mas por enquanto a catástrofe manifesta-se mais ao nível do ânimo dos democratas liberais que ao dos factos concretos. Mas isso já é suficientemente mau. E outros desastres podem ocorrer. Precisamos de manter a esperança. Pelo menos por mais três anos. 






1 comentário:

Miguel Madeira disse...

"De um modo geral, depois de 1945 no mundo ocidental podia-se confiar na inteligência do enxame. Com as eleições de Trump, essa confiança foi destruída."

Porquê? A maioria dos norte-americanos não votou Trump; mesmo a maioria dos que foram votar não votou Trump; nem sequer a "maioria simples" (isto é, a "plurality") votou Trump (Hillary teve mais votos). A única razão porque Trump foi eleito foi exatamente porque os Founding Fathers (bem, parte deles), muito influenciados pela filosofia política clássica e pelo seu anti-Atenasismo, não acreditavam na inteligência do enxame e decidiram criar um sistema (o colégio eleitoral) que garantisse (achavam eles) que o presidente fosse escolhido de forma refletida e ponderada, diminuindo o perigo de um demagogo chegar ao poder apoiado nas paixões da populaça.