No metro, um dos passageiros que tinha acabado de entrar meteu a mão na sua bolsa como se estivesse à procura de alguma coisa e disse:
- Senhores passageiros, sou fiscal da empresa, façam o favor de mostrar os vossos bilhetes!
Quando parecia que ia tirar da bolsa o cartão de fiscal tirou o jornal dos sem-abrigo, riu-se, e acrescentou:
- Isso é que era bom! Sou um sem-abrigo, nem dinheiro tenho para comprar o meu bilhete.
O pessoal desatou a rir. Ele continuou:
- Estou a vender o nosso jornal, que nesta edição tem artigos muito interessantes. Mas se não o quiser ler, pode comprar na mesma - serve para acender o grelhador, ou para o limpar, ou para pôr em cima da cara para se proteger do sol. Como vêem, é muito prático. E muito barato.
Por essa altura já os passageiros se riam sem parar.
O sem-abrigo disse mais uma ou duas piadas, e começou a passar pelas pessoas. Só no meu canto fez uns bons cinco euros. Depois desejou alegremente bom dia a todos, e avançou para a carruagem seguinte.
Lembrei-me daquela frase do Evangelho que sempre me intrigou: "Pois a quem tem, mais se lhe dará, e terá em abundância."
Os sem-abrigo mais desgraçados - os doentes, com mau aspecto, deprimidos, fanhosos e chorosos - deparam com uma muralha de indiferença e arrastam-se pelo meio de passageiros que estão todos a fazer de conta que não estão ali. Sempre cenas de dolorosa desumanidade. Já um sem-abrigo com ar asseado e muito brincalhão faz o seu número de menos de um minuto e ganha dezenas de euros.
2 comentários:
Bom dia, Helena
Entrei aqui por acaso... mas gostei muito do que li.
E não li só este último post...
Mas, concretamente em relação a este último, está muito bem observado.
O ser humano é complicado, e tem reacções muitas vezes contraditórias... e este texto "põe o dedo na ferida".
Votos de uma boa semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
É muito difícil lidar com a sujidade, a doença (física e psicológica) de alguns sem-abrigo. Talvez esse consiga mudar a vida com essas vendas! Uma pergunta ao lado: quanto custa aí a revista dos sem-abrigo? Tenho de admitir que o preço da CAIS, 3 euros, muitas vezes me demove!
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