17 maio 2017

viagem a um país que já não existe (2)


À queda - totalmente inesperada - do muro seguiu-se uma reunificação precipitada, para aproveitar a janela de oportunidade enquanto na Rússia não derrubavam Gorbachev. Temia-se que a qualquer momento se desse um retrocesso na Perestroika.

A introdução do marco da RFA, ainda antes da assinatura do tratado da reunificação, destruiu a economia da RDA. Muitos dos seus produtos industriais tinham excelente qualidade e preço muito competitivo. Mas, segundo me contaram, a passagem para a moeda nova aumentou o seu custo automaticamente em 30%, e o volume das exportações implodiu. O sector dos produtos alimentares também não resistiu à concorrência da RFA e dos outros países ocidentais. No mesmo fim-de-semana em que os bancos abriram para as pessoas trocarem a moeda, as lojas encheram-se de produtos da RFA. Na segunda-feira seguinte as pessoas acordaram noutro país: não reconheciam nenhum dos produtos expostos nas suas lojas de sempre. No filme Goodbye Lenine há uma cena alusiva a essa mudança, quando o filho procura nos contentores de lixo um frasco de pepinos em conserva da marca tradicional da RDA, que já não se encontrava nas lojas.

Na visita que fizemos à produtora do famoso espumante Rotkäpchen contaram-nos como a reunificação quase matou essa empresa. Fundada em 1857 e com uma ininterrupta história de sucesso e crescimento, foi expropriada e colectivizada após a segunda guerra mundial, e tornou-se a grande fornecedora de espumante alemão no bloco de Leste. Quando o muro caiu, as pessoas esqueceram a "marca da casa" e quiseram experimentar todos os espumantes alemães e estrangeiros aos quais tinham finalmente acesso. Em 1990, a empresa deparou-se com um problema dramático: os armazéns estavam cheios, mas não havia clientes. Numa tentativa desesperada de recuperar mercado, os empregados encheram os seus carros particulares de caixas de espumante, e saíram pelo país a vender o vinho de porta em porta. Mas nem isso ajudou. Dois anos depois da queda do muro já só restavam 66 dos 364 funcionários que havia em 1989. No entanto, esta história acaba bem: quando começaram a privatizar as empresas da RDA, um grupo de funcionários da Rotkäpchen conseguiram comprar a empresa com a ajuda de um investidor externo e assumiram a direcção. Contrataram empresas de publicidade ocidentais, fizeram uma ofensiva nos jornais mais importantes, melhoraram as etiquetas, e as vendas dispararam. Em 1995 era de novo o espumante mais vendido na região da extinta RDA, e estava entre os dez maiores no conjunto da Alemanha.

A Ostalgia tem permitido que alguns dos produtos da RDA regressem. Se fosse hoje, no filme Goodbye Lenine já não seria preciso procurar frascos antigos de conservas nos contentores de lixo, uma vez que a marca Spreewälder voltou a ocupar extensivamente as prateleiras dos supermercados. As - poucas - empresas que conseguiram sobreviver adaptaram-se aos novos mercados e modernizaram-se. Mas para além desse mundo de produtos industrializados, modernizados e banalizados, há um nicho crescente no mercado dos saberes e sabores antigos, mais antigos ainda que a RDA, e muito mais ligados à identidade local que à Ostalgia: o bife tártaro de Eichsfeld, as conservas de pepino caseiras de Spreewald, as receitas de salsichas típicas de cada comunidade, etc.


 


 


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