Christian Stöcker
Diz-se que os russos têm um talento especial para fazer poker face. Na segunda-feira passada tive a oportunidade de observar de perto a lendária impassibilidade russa. Estava em São Petersburgo com um grupo de estudantes alemães. Íamos num autocarro que nos levava do aeroporto para o metro. Durante a viagem, a estudante russa que nos devia acompanhar até ao hotel fez alguns telefonemas com um ar impassível, e depois escreveu alguns sms. Com um ar muito calmo informou-nos que o metro estava fechado, dizendo que era uma situação pouco comum mas não era um problema. Depois chamou táxis para nos levar ao hotel.
O terror lucra com os media digitais?
De facto, a estudante de 21 anos sabia perfeitamente o que se estava a passar. Cerca de 30 minutos antes da hora prevista para a nossa chegada ao metro tinha explodido uma bomba num comboio da linha que devíamos apanhar, matando 14 pessoas e ferindo 50. Havia crianças entre as vítimas.
A estudante contou-nos uns dias mais tarde que tinha telefonado a uma professora pedindo conselhos, e decidiram manter-nos longe do local do atentado sem nos sobressaltar.
Pouco depois, quando já íamos em dois grandes táxis a caminho do hotel, ficámos todos a saber o que se passava - por notícias recebidas da Alemanha. O modo como chegou até nós a informação sobre o que se passara a poucos quilómetros revela muito sobre a relação entre terror, globalização e meios de comunicação digitais. Todas as pessoas do grupo receberam telefonemas, notícias por WahtsApp ou mensagens urgentes, e algumas ficaram até bastante transtornadas. Em poucos minutos a notícia foi da Rússia até à Alemanha e regressou.
Dizer não ao medo
O terrorismo internacional lucra imenso desde logo com o facto de um atentado numa capital moderna ser publicitado instantaneamente no mundo inteiro. Seja em Paris, Orlando, Bruxelas, Nice, Berlim, Londres, Estocolmo ou São Petersburgo - a maior parte das pessoas que vivem nos países industrializados é praticamente obrigada a tomar conhecimento destes assassinatos. A
atenção do público, que é um dos objectivos dos terroristas, é conseguida de forma muito mais fácil que há dez ou vinte anos. [O link é para um texto do mesmo autor, escrito em Junho de 2016, após o atentado de Orlando, alertando para o facto de a reacção mediática estar fazer o jogo dos terroristas.]
No entanto, no que diz respeito a outro dos seus objectivos - e provavelmente o mais importante -, que é o de espalhar a confusão e o medo, parece-me que não estão a ter tanto sucesso. O que vivi em São Petersburgo confirma essa impressão.
Mesmo no dia do atentado, a população de São Petersburgo parecia-nos tão calma como a estudante que nos acompanhara. Nos dias que se seguiram vimos as pessoas a apreciar obras de arte, a rir, a fazer festas, a discutir, a trabalhar e a passear. Falámos com os nossos anfitriões sobre política mundial, jornalismo, media, educação e temas do dia-a-dia. O atentado não estava esquecido, mas não dominava nem o quotidiano nem os pensamentos das pessoas.
Ataque a um estilo de vida global
"Os russos estão habituados a ter problemas", disseram-nos. É claro que a cidade ficou de luto pelas vítimas. E o encerramento do metro perturbou a vida de muitos. Mas as pessoas têm demasiados problemas práticos para se deixarem dominar pelo pânico. A minha impressão é que esta atitude não se deve apenas à indiferença lendária dos russos. Aconteceu o mesmo em Londres, Berlim e em todos os locais onde houve atentados: a população da cidade faz o luto dos mortos e sente-se próxima das vítimas noutras cidades - afinal de contas, os atentados tentam atingir o mesmo, ou seja, o seu estilo de vida comum, um estilo de vida global. Mas as populações dessas cidades não se deixam desorientar nem intimidar. Penso que esta recusa se torna a cada atentado ainda mais forte. E não se trata de uma decisão estratégica, mas instintiva. Mas é simultaneamente o melhor método na luta contra o terror: não se deixar aterrorizar. Porque assim os terroristas ficam a perder.
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