06 abril 2017

multas ao facebook & Cª

A Alemanha apresentou ontem um projecto de lei que visa multar as empresas das redes sociais que não reagem com rapidez a denúncias de discurso de ódio nas suas plataformas. Não está em causa proibir o discurso de ódio - que já é considerado crime. Apenas obrigar as empresas a reagir com rapidez às denúncias, retirando do espaço público determinados conteúdos.

Um caso muito falado foi, há cerca de quatro meses, um post no facebook onde se citava falsamente a política Renate Künast, dos Verdes. A propósito de uma jovem violada e assassinada por um refugiado, o autor do post publicou uma fotografia daquela política juntamente com uma frase alegadamente dela, "é certo que o jovem refugiado traumatizado matou, mas mesmo assim é preciso prestar-lhe ajuda", que ele teria encontrado no jornal Süddeutsche Zeitung. A imagem vinha com um comentário pessoal do seu autor: "é preciso ser doente!"
O editor do Süddeutsche Zeitung reagiu imediatamente, informando que se tratava de fake news e naquele jornal não havia nenhuma notícia desse teor. Depois, escreveu no facebook: "Já passaram algumas horas desde que avisámos o facebook sobre estas fake news. Infelizmente, à parte uma promessa de que vão ver o que podem fazer, não aconteceu nada. Pode ser que ainda "se possa fazer alguma coisa". Mas - hey! - ficar algumas horas na dúvida sobre o que fazer a uma porcaria com este potencial de desintegração da Democracia, isso é algo que uma empresa no valor de milhares de milhões se pode permitir, certo?"
Renate Künast também reagiu logo: "Esta citação é inventada. Nunca disse tal coisa. Quem cria e espalha uma mentira destas não tem vergonha. Vemos que é assim que se criam fake news, que depois são partilhadas por muitas pessoas que não verificaram a sua veracidade.
Aqui está um exemplo de como a extrema direita usa as redes sociais para espalhar discurso de ódio. Quem age com tal perfídia revela quem é."
O facebook precisou de dois dias para apagar aquele post. O que foi, obviamente, muito criticado. 

A Deutsche Welle explica aqui melhor (em português).

Não se espera que as empresas cuidem de fiscalizar o que é publicado. Mas se forem alertadas para alguma publicação com discurso de ódio têm de reagir imediatamente, em vez de deixarem arrastar a situação - como tem acontecido até agora.
A lei está a ser criticada por se temer um efeito de censura automática - para não serem multadas, em caso de dúvida as empresas optam por apagar imediatamente os conteúdos.

Pessoalmente, prefiro correr o risco de censura a mais que de discurso de ódio a mais. A liberdade de expressão garante-me o direito de dizer o que quero sem ser perseguida, mas não me garante o direito de dizer o que quero onde me apetecer.

Andei a debater o tema no facebook, e deixo aqui a opinião de alguém com muita experiência nesta questão:

Os fornecedores de serviços não são donos dos conteúdos. Os donos dos conteúdos são os seus autores.
Os fornecedores de serviços são alertados centenas de vezes por dia (em serviços de escala menor, comparados com serviços de escala mundial) para conteúdos que alguém acha que são ofensivos, xenófobos, racistas, difamatórios, insultuosos da moral e dos bons costumes, ou que, por alguma razão devem ser removidos. Centenas.

Tenho 20 anos de trabalho nesta área. Até hoje, recebi milhares de denúncias. A quantidade de conteúdos que acabei por remover mesmo, por serem gritantemente ilegais, contam-se pelos dedos das mãos. 20 anos. 10 remoções. Milhares de denúncias.

Não acho que deva cair sobre os fornecedores de serviços a responsabilidade de decidir o que é que é crime ou não. Acho até perigoso irmos por esse caminho.

Quem decide o que é crime e não é crime são as leis e os tribunais. Tudo o que saia fora desta equação, deve ser evitado.

Se os estados estão tão interessados em resolver o problema, que debatam o tema, de forma aberta, com quem tem experiência, com os vários stakeholders (como é moda dizer-se agora), e que se chegue a uma conclusão em que TODOS têm responsabilidade e deveres (e direitos).

Enxotar toda a responsabilidade para cima duma das partes é preguiçoso e é para inglês ver, porque não vai resolver absolutamente nada e, em cima disso, vai criar problemas de liberdade de expressão e de manipulação das regras a favor de interesses obscuros e com poder de manipulação do sistema.
Este é um tema com que me debato há MUITOS anos, quando ainda não era um problema para a maioria das pessoas, tenho muitas horas de reflexão e de debate sobre isto, e não tenho muitas certezas, mas colocar a responsabilidade do controlo de opinião em cima de entidades fora do sistema judicial é algo que repudio veementemente :) É uma das minhas poucas certezas.


Depois de ler esta opinião, concordo com a criação de equipas especiais nos sistemas jurídicos nacionais, com formação e capacidade para decidir com toda a rapidez sobre as denúncias. E proponho que sejam pagas com um imposto especial cobrado às plataformas. Já que essas empresas ganham tanto dinheiro com o negócio, que paguem o trabalho de manter o seu espaço respirável.


7 comentários:

Miguel Madeira disse...

Por regra, acho que todas as leis que tendam a tornar as empresas distribuidores de conteúdo gerado pelos utilizadores responsáveis por esse conteúdo extremamente perigosas, já que é, exatamente, um incentivo ao excesso de zelo - se uma empresa é multada por não apagar um conteúdo com "discurso de ódio", e não é multada por apagar indevidamente um conteúdo não-"discurso de ódio", o incentivo é para jogar pelo seguro e na dúvida apagar (invertendo na prática a regra do "inocente até prova em contrário").

É verdade que esta proposta não é tão grave como as que de vez em quando são apresentadas no sentido de pura e simplesmente responsabilizar as plataformas - o que implicaria na prática o fim, p.ex., dos blogues como os conhecemos, já que a única maneira das plataformas cumprirem essa regra seria pela censura prévia, implicando que a Helena Araújo tivesse que esperar por autorização do Blogger.com antes de cada um dos seus posts ser publicado).

Mas criar as tais equipas parece-me também perigoso, porque ao centralizar a tomada de decisão sobre "que posts mandar apagar" num departamento mais ou menos estatal, isso torna isso ainda mais parecido com a censura tradicional. Acho que o melhor é simplesmente fazer como sempre se fez antes de haver internet - se alguém publica alguma coisa que viola a lei, vai a tribunal, e se for condenado cumpre a pena; não é preciso estar a inventar nada.

De qualquer maneira, todos os estudos e até resultados eleitorais indicam que as ideias racistas e xenófobas tem o seu maior apoio nos idosos e nas zonas rurais e são mais rejeitadas pelos jovens e nos meios urbanos; atendendo que o segundo grupo provavelmente passa muito mais tempo na internet que o primeiro, só se pode concluir que toda esta problemática das "fake news" e do "discurso de ódio" nas redes sociais não passa de um não-assunto.

"Pessoalmente, prefiro correr o risco de censura a mais que de discurso de ódio a mais."

Foi mais ou menos isso que o establishment político e social alemão pensou em 1932-33, quando achou que era preciso um governo forte (mesmo que isso pudesse levar a alguns abusos ocasionais) para combater o que achavam ser o perigo comunista.

Helena Araújo disse...

1. Jogar pelo seguro, e apagar tudo: podia limitar-se os estragos se for claro que quem fez a denúncia é o responsável pelas suas consequências. A minha sugestão: uma pessoa faz a denúncia, a empresa manda um e-mail automático a dizer que antes de apagar vai informar o autor do post sobre a denúncia e a identidade do seu autor, o que permitirá a este levar o autor da denúncia a tribunal se assim o entender, e a perguntar se quer mesmo fazer a denúncia e responsabilizar-se pessoalmente pelas consequências.

2. O fenómeno das redes sociais tem características novas para as quais as receitas antigas não funcionam, devido à dimensão, ao ritmo de alastramento e ao poder destrutivo. Antes de um tribunal poder reagir já o mal está feito e é irreversível.

3. Não sei que estatísticas são essas. Aqui na Alemanha, há ligação directa entre discurso de ódio na net e ataques a refugiados. O número de casos graves de ataques a refugiados está a crescer. Só nos primeiros 3 meses de 2017 já houve 8 casos de fogo posto em centros de refugiados, alguns com cocktails molotov atirados para dentro das casas, e 15 casos de violência física.
Também acho curioso dizer que as "fake news" e o "discurso de ódio" nas redes sociais são um não-assunto, quando parece que não há dúvidas de que esses factos tiveram um papel fundamental na eleição de Trump.

4. censura x discurso de ódio / nazis x comunistas
Isto é piada, não é?

Filipa disse...

As notícias falsas são um não-assunto? O espalhar do fascismo, de mentiras e de calúnias é um não-assunto?

Estudos demonstram que a remoção de conteúdos racistas, sexistas, etc, é muito mais lenta do que a de um mamilo.

E falo também por experiência própria: já denunciei uma página que permitia aos fascistas juniores defenderem a violação de mulheres, a morte de Dilma, a morte de negros e por aí fora. Nada aconteceu. Uma blogger postou a foto de um pênis e a página foi imediatamente bloqueada.

Miguel Madeira disse...

"Antes de um tribunal poder reagir já o mal está feito e é irreversível."

Irreversível por quê?

"Não sei que estatísticas são essas. Aqui na Alemanha, há ligação directa entre discurso de ódio na net e ataques a refugiados. O número de casos graves de ataques a refugiados está a crescer."

Completamente irrelevante, por si, para afirmar a existência de uma ligação causal entre uma coisa e outra - é preciso demonstrar que o "discurso de ódio" na net causa os ataques a refugiados (p.ex., demonstrando que nos dias a seguir a um aumento de posts racistas há um aumento de ataques a refugiados).

"quando parece que não há dúvidas de que esses factos tiveram um papel fundamental na eleição de Trump."

Quem é que não tem dúvidas? Eu tenho - até porque, antes da eleição, nem se falou muito em "notícias falsas" na net (o que, antes das eleições, se falava que poderia prejudicar a Clinton era os e-mails do John Podesta e os do CND; podem ter sido obtidos ilegalmente, mas "falsos" não são), e duvido que a classe média-baixa e envelhecida das pequenas cidades do interior dos EUA (o grupo decisivo para a vitória de Trump) seja dos grupos que passe mais tempo no Facebook.

Miguel Madeira disse...

"Antes de um tribunal poder reagir já o mal está feito e é irreversível."


Irreversível por quê?


"Não sei que estatísticas são essas. Aqui na Alemanha, há ligação directa entre discurso de ódio na net e ataques a refugiados. O número de casos graves de ataques a refugiados está a crescer."


Completamente irrelevante, por si, para afirmar a existência de uma ligação causal entre uma coisa e outra - é preciso demonstrar que o "discurso de ódio" na net causa os ataques a refugiados (p.ex., demonstrando que nos dias a seguir a um aumento de posts racistas há um aumento de ataques a refugiados).


"quando parece que não há dúvidas de que esses factos tiveram um papel fundamental na eleição de Trump."

Quem é que não tem dúvidas? Eu tenho - até porque, antes da eleição, nem se falou muito em "notícias falsas" na net (o que, antes das eleições, se falava que poderia prejudicar a Clinton era os e-mails do John Podesta e os do CND; podem ter sido obtidos ilegalmente, mas "falsos" não são), e duvido que a classe média-baixa e envelhecida das pequenas cidades do interior dos EUA (o grupo decisivo para a vitória de Trump) seja dos grupos que passe mais tempo no Facebook.

Helena Araújo disse...

Miguel,
1. Irreversível: qual é a sua dúvida sobre os casos de difamação ou de violência com consequências graves?
2. Qual é também a sua dúvida sobre o discurso de ódio na net provocar ataques a refugiados? Já agora, também vai tentar afirmar que não há ligação nenhuma entre o incitamento à violência por parte do daesh e os ataques terroristas?
3. Se tem dúvidas sobre o papel das fake news e das redes sociais na eleição do Trump, não sei que lhe faça. As próprias plataformas das redes sociais estão preocupadíssimas com isso, mas o Miguel acha que não é problema. Então está bem...

João Vasco disse...

Aparentemente a discussão continua aqui: https://viasfacto.blogspot.pt/2017/04/fake-news-um-nao-assunto.html