06 fevereiro 2017

não perca a cabeça por causa do Trump

Mais um artigo de opinião do Spiegel, mais uma tradução rapidíssima (e com algumas abreviações). Desta vez é de Sasha Lobo.


Não perca a cabeça por causa de Trump

Como é que se aguenta uma política insana a par da proximidade radical dos social media? Algumas instruções para não enlouquecer.


01.02.2017. 16:55. Sasha Lobo 

Excepcionalmente, hoje escrevo um texto que não se destina a todos. Não se destina aos que são cool, aos esclarecidos, aos mais endurecidos. Este texto é para si, que de manhã pega no smartphone com uma sensação de angústia para ver que inacreditáveis coisas a pessoa mais poderosa do mundo esteve a preparar enquanto você dormia. Porque o atinge a si, ou podia atingir. Ou porque sente empatia, porque não se sente disposto a ignorar o que acontece.     

Este texto é um manual para não se deixar enlouquecer, num tempo em que acontecimentos mundiais absurdos, chocantes e ameaçadores surgem com uma proximidade radical devido aos social media. É uma proposta subjectiva sobre como gerir o social media em tempos de crise mundial. No caso, olhando para o colapso da Democracia americana.


Dar-se conta do choque
Nos social media observa-se um furor difuso, a ira expele-se facilmente. Notei em mim próprio que a indignação instantânea muitas vezes é uma reacção de defesa para esconder o meu choque. Porque não é fácil aceitar que um narcisista perverso viciado em twitter, juntamente com os seus amigos fascistas, pode ter um poder desagradavelmente grande sobre o meu próprio futuro. A raiva é sentida como algo activo e agradável, enquanto o choque é um sentimento passivo e indefeso.
O que me ajudou foi analisar-me e classificar: sim, estou em choque, e sim, temo as consequências.

Observar a minha própria posição
Depois de aceitar o choque, o segundo passo é observar a minha posição de partida. Também na Alemanha há pessoas directamente afectadas, nomeadamente as que deixaram de poder ir aos EUA por terem dupla nacionalidade. E, naturalmente, o cargo de presidente dos EUA é um daqueles que podem ter consequências directas na vida de pessoas do mundo inteiro. 
No entanto, é importante fazer a análise: eu ou a minha família fomos directamente atingidos? Amigos? Colegas? Nos social media facilmente se confunde "ser afectado" e "estar consternado". A partir de certo ponto, a empatia dá lugar a uma secreta autocompaixão - e esse ponto atinge-se rapidamente na efusão dos social media. O que me ajudou foi dar-me conta de que Trump não representa uma ameaça directa para mim, mas um símbolo de incerteza generalizada e apreensão pelo futuro.

Permanecer alerta
Os social media dão mais eco aos símbolos crus e panfletários que à discreta monstruosidade. É preciso desenvolver sensores para detectar o ruído que esconde o que é importante. O que não é fácil, e precisa de constantes ajustamentos.
Deixei-me impressionar tanto com aquele "sujeito que constitui ameaça para o Estado" de cinco anos e algemado, que quase me ia escapando que o ultraconservador Stephen Bannon, como membro permanente do Conselho Nacional de Segurança, é uma das pessoas que decidem sobre os nomes da "Kill List" - quem pode ser assassinado sem processo jurídico nem escrutínio público, mesmo em solo americano.


Indignação com objectivos
Se o ponto de partida é claro, é mais fácil escolher a indignação que vale a pena: a indignação com um objectivo. Espernear devido ao escândalo errado não ajuda ninguém excepto o Trump. Mas a indignação geral devido a algo que a merece é o sistema imunitário da Democracia. No entanto, é preciso saber doseá-la porque a indignação geral - ao contrário da zanga instantânea - pode tornar-se um bem escasso.
No caso de Trump, a estratégia parece ser esta: o ritmo e o número das provocações são de tal ordem que as medidas isoladas acabam abafadas sob o ruído, as medidas de inacreditável radicalidade escondem-se à boleia dos absurdos, e a opinião pública agita-se até ao esgotamento. 


Pesquisar
A minha indignação é um bom motivo para, além de partilhar informações nos social media, fazer as minhas próprias investigações. No caso Trump é possível fazer isso com relativa frequência. Infelizmente, nem sempre as suposições se desfazem - mas a pesquisa ajuda muitas vezes a entender os detalhes e a fazer uma nova análise.
Isso ajudou-me a entender melhor a inúmeras excitações que os social media trazem de enxurrada, e a decidir onde há motivos para a minha indignação - e onde não os há.
Esperar não é solução contra um estado de espírito emergente e apocalíptico. O que ajuda é comparar várias perspectivas sobre o mesmo tema: pluralismo é o antídoto para uma sociedade aberta, e ajuda-me a confrontar-me com o processo de me fechar sobre mim próprio.

Reconhecer e evitar o cansaço
E então, no centro da espiral mundial, caímos num buraco. A política mundial atravessa hoje o twitter e o facebook, onde até há muito pouco tempo se partilhavam fotos de bebés. O privado está contaminado pelo político. Mas ninguém aguenta os assuntos da actualidade em fogo cerrado, sobretudo nestes tempos tão turbulentos e imprevisíveis.
O preço pago por quem está alerta é uma tensão desgastante. Não admira que os millennials, muito sensíveis ao mundo digital, se estejam a refugiar em redes privadas como o whatsapp, snapchat e instagram. O facebook e o twitter podem ser demasiado esgotantes, e as pessoas vêem-se obrigadas a aprender a gerir a permanente disponibilidade de informações e de multiplicadores de emoções. Em particular quando não se pode ignorar a relevância dos acontecimentos.
O que funcionou bem no meu caso: abstinência dos social media depois das seis da tarde, complementada pelo corte total em caso de crises como ataques terroristas. O necessário protesto contra o Trump não vai sofrer danos irreparáveis se nos dermos ao luxo de um fim-de-semana sem pensar nele. Afinal de contas, não nos estamos a preparar para meia dúzia de semanas Trump, mas provavelmente para vários anos.

Transportar os debates
Vai ser preciso ter endurance. Porque se o seu choque e a sua indignação não têm consequências, acabam por se esbater. É preciso transportar esses debates para a Alemanha. Resmungue quando Kai Diekmann mostra uma certa cumplicidade em entrevistas a Trump. Contradiga quando alguém próximo de si mostra entusiasmo por Trump. Proteste contra políticos como Seehofer, quando ele elogia Trump.
Podem ser apenas bicadas, mas o espaço público digital é feito de milhões de bicadas como essas - e o protesto pode ter resultados. Em todo o caso, a falta de protesto tem resultados. Por exemplo, se deixarmos passar as Trump-tiradas do Seehofer com um encolher de ombros, isso pode ter consequências para o nosso país - porque, obviamente, a política está atenta à opinião pública. E a Alemanha, por sua vez, tem uma voz relevante no espaço internacional, com relativa influência no decorrer da história e dos danos da presidência Trump. É certo que não é muito, mas é mais que nada.

Agir
Finalmente: o mero debate não costuma ser capaz de produzir efeitos tangíveis. Também é preciso agir. E isso é possível, mesmo a partir da Alemanha. Faça uma assinatura de um jornal americano, para apoiar a função de controle do quarto poder. O New York Times ou o Washington Post, por exemplo. Faça donativos a organizações de direitos civis como a ACLU, que está a tentar moderar Trump pela via jurídica. Ou dê apoio a uma das muitas organizações que compõem a sociedade civil nos EUA. E aqui fecha-se o círculo porque - e eu fiz essa experiência - agir alivia o Weltschmerz social. Mesmo quando se está apenas a apoiar a acção de terceiros. 


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