26 fevereiro 2017

dia 7 da Berlinale 2017



1.




Invoco a quinta emenda da constituição americana para não me pronunciar sobre o Colo, de Teresa Villaverde. O problema não é o filme, sou eu, e não me quero enterrar mais do que já estou. Digo apenas que é um filme muito bem feito sobre o poder desestruturante da crise, capaz de sufocar em claustrofobia os espaços mais abertos.


2.



Sage femme, de Martin Provost - a história de duas mulheres muito diferentes que têm contas abertas do passado e tentam uma reaproximação - é um filme que avança sem sobressaltos e termina da mesma forma. Excelente o trabalho de Catherine Deneuve e Catherine Frot.


3.



O documentário I'm not your negro, de Raoul Peck, a partir de textos de James Baldwin, era um dos filmes a não perder nesta Berlinale. Muito bem feito, usa um texto com quase meio século e imagens de várias épocas para pôr o dedo na ferida: o racismo contra pretos continua a ser um problema grave, e não é um problema das vítimas, é um problema que os brancos têm de identificar neles próprios, e têm de saber resolver. Como dizia Raoul Peck no debate após o filme: "don't put the burden on us!"
No regresso, o amigo com quem o fui ver comentava que a situação dos pretos nas sociedades de supremacia branca sempre foi como uma corrida de 100 metros na qual os brancos já partem com um avanço de 70 m. Tem havido resultados positivos ao fim de tantas décadas de lutas pelos direitos civis, e a distância entre os dois grupos já só é de 30 m à partida - mas nos EUA assiste-se a uma reacção brutal dos brancos assustados com esta perda de vantagem.
Gostei da imagem - e não se aplica apenas às questões de racismo, e aos EUA.
Depois, o meu amigo falou do Malcolm X, e de não adiantar nada "oferecer a outra face" - se é para morrer de qualquer modo, mais vale morrer a lutar. E acrescentou: depois de tantos séculos em que os brancos violaram as nossas mulheres, era justo nós agora violarmos as deles.
Eh, lá! As mulheres dos brancos sou eu! Bem sei que entre os meus muitos egrégios avós é bem possível que algum tenha andado a ganhar a vidinha nos barcos negreiros, mas não me dá jeito nenhum virem agora com fantasias de violência sexual mascaradas por uma espécie de justiça histórica...
E lembrei-me de uma conversa com o Reuven Moskowitz, há mais de dez anos, em Weimar. Este sobrevivente do Holocausto, que dedicou a sua vida à paz entre judeus e palestinianos, respondeu-me, quando lhe disse que às vezes ao olhar para velhinhos de Weimar me perguntava de que lado estavam eles 60 anos antes, que esse tipo de atitude só aumenta o fosso e o ódio entre as pessoas, e não ajuda nada a promover a Paz.



4.





1945, de Ferenc Török. Um filme húngaro sobre um aspecto ainda muito silenciado do Holocausto - a conivência dos povos, e a cobiça alheia. O realizador apresentou-nos o filme dizendo que ali estavam 12 anos da sua curta vida. 12 anos! Todos somados, quantos anos de vidas virão apresentar-se nos 400 filmes da Berlinale? Quantos sonhos, quantos esforços, quantas desilusões?

O filme é a preto e branco, e decorre em 1945 quando, pouco depois do fim da guerra, numa aldeia húngara corre a notícia da chegada iminente de dois judeus que ninguém conhece. A simples presença dos dois homens na aldeia basta para sacudir as consciências e as relações entre os seus habitantes. O enredo está bem construído, as personagens desenvolvem-se com equilíbrio, a crítica social e histórica está bem colocada, e o conjunto resulta numa homenagem digna às vítimas do Holocausto. De tudo isso, que já está muito certo, sobressaem imagens de extraordinária força: as de dois judeus que atravessam uma aldeia em silêncio. Das imagens mais inesquecíveis que vi nesta Berlinale.


5. 




Ao ler no programa que se tratava de um filme sobre pessoas presas num bar devido a um ataque terrorista, imaginei que El Bar, de Álex de la Iglesia, seria um filme divertido no qual um grupo de espanhóis discutiria medos e esperanças entre tapas e copos de vinho. Bem me enganei! Dei comigo às dez da noite num filme de terror, género que evito cuidadosamente deste que vi o Shining aos 17 anos. E descobri que já sou crescidinha, já consigo ver estes filmes sem me impressionar. E que  filme! Muito bom ritmo, boa história, boas máscaras. Óptimo desenho do modo como as pessoas se revelam em situações extremas, numa sucessão permanente de surpresas.
Saí do cinema a pensar que talvez não me tenha assustado porque já estou habituada: infelizmente, nos últimos tempos tenho tido oportunidade de ver pessoas normais a ficar completamente transtornadas devido ao medo.


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