[ Post para ser lido enquanto corre esta música: ]
Em menos de duas semanas já festejei duas passagens de ano. Dois anos em quinze dias, a bem dizer: é assim que uma pessoa se põe velha...
A primeira foi no dia 31 de Dezembro, às dez da noite - meia-noite em Moscovo.
A segunda foi ontem, também às dez da noite - à hora a que em Moscovo se entrava no novo ano, pelo calendário juliano. Estas passagens de ano às dez da noite são muito convenientes para quem, como eu, gosta de se deitar cedo. O problema é que os convivas, mal se distraem, desatam a falar russo, e eu fico com cara de mal integrada. É isso, e é quando se põem a cantar as suas canções arrebatadoras - ah, a alma rrrussa! - e dá uma vontade irreprimível de acompanhar, mas só se consegue fazer la-la-la.
A festa de ontem foi no atelier de um pintor russo que vive em Berlim há décadas. Tinham-nos dito que é especial, mas confesso que não estava preparada para tanto. O monta-cargas que levava os convidados para o atelier no quarto andar tinha as paredes cobertas com papel dourado, e uma mesinha onde havia uma travessa com pão escuro e um creme de rábano delicioso, e... vodca. Sim: o primeiro copinho de vodca já cá cantava ainda antes de entrar na festa. E numa das mesas de comida havia um fontanário de vodca.
Na sala ao lado havia uma banheira antiga, daquelas com pés, a fazer de aquário de peixinhos vermelhos. E na terceira sala, sobre a mesa de bilhar, havia uma arena para uma corrida muito sui generis, como contarei a seguir (mas sugiro às pessoas mais sensíveis que fujam deste post no fim do próximo parágrafo).
O papel dourado, os candelabros kitsch, o enorme cão embalsamado que parecia guardar a mesa do caviar, a escassa iluminação sobre as paredes pintadas em vermelho escuro, a cantora de música russa cigana com uma energia contagiante, que pôs toda a gente a dançar logo à primeira canção, a força da banda de instrumentos de sopro, a extraordinária diversidade do público, a beleza e o estilo de muitos dos presentes, o à-vontade de todos: ontem fiz uma incursão na boémia berlinense, e gostei.
* os mais sensíveis não devem ler mais *
A água esgotou por volta das dez (meia-noite em Moscovo), e o vodca esgotou pouco depois. O que deve ter contribuído bastante para o sucesso da espectacular corrida de... baratas. Um clássico das festas deste pintor: as baratas correm nos corredores de uma "arena" de plástico, à qual nem sequer faltam os cartazes de publicidade dos estádios. Cada barata tem um nome, há bandeiras para os respectivos fãs brandirem durante a corrida, fazem-se apostas. Numa das paredes havia cartazes com fotografias das baratas e o título "o combate dos gigantes", ao lado de um cartaz que também anunciava outro combate de gigantes (e a corrida ao domínio do mundo inteiro), com outras baratas:
Um folheto apresentava os bichos em competição:
1. Nina
rápida, vigorosa, experiente
Este nome é todo um programa. Uma das corredoras mais velhas, mas também mais experientes que, à semelhança do seu pai, já nos proporcionou momentos espectaculares de sprint - uma corredora excitante!
Corridas: Bruxelas - Paris - Montreal
2. Pionier
excelente técnica, cheia de truques, com tendência a começar antes do tempo
Pionier está na vanguarda da técnica e da aplicação de truques para vencer. A sua técnica aprimorada surpreende a cada nova corrida, e mantém o público permanentemente em suspense.
Corridas: Detroit - Memphis - S. Petersburgo
(...)
5. Olga III
ambiciosa, em excelente condição, bom estilo
Quem não conhece a mais famosa atleta desta arena, vencedora de 26 corridas? As suas corridas são lendárias, o seu estilo inconfundível. Uma concorrente a considerar seriamente, que luta até ao último fôlego.
Corridas: Helsínquia - Detroit - Moscovo
Apostamos na Ural ("uma lutadora de sangue-frio, que sabe como lutar até ao último centímetro. Muito aclamada na inóspita região de que é originária, hoje vem preparada para dizer quem manda na pista da corrida.") e a palerma foi a última a largar. Se disse quem mandava na pista, terá sido por trás, tipo "esperem por mim!" - mas provavelmente falava um dialecto qualquer lá da sua inóspita terra, que as outras não perceberam. Nenhuma esperou.
Nunca na vida imaginei que havia de assistir a uma corrida de baratas, e havia de rir tanto.
(Já contei que o vodca acabou por volta das dez da noite? E era delicioso: suave e macio.)
3 comentários:
1. Podemos passar a exportar baratas portuguesas para essas corridas?
2. O que comem elas entre corridas?
3. Alguém lhes limpa os alojamentos?
4. As vencedoras recebem prémios?
:)
1. Não sei se fazem falta...
2. Não sei.
3. A pista de corrida e os copinhos estavam muito limpos. De resto, não sei mesmo onde as arranjam nem que lhes fazem a seguir. E não me lembrei de perguntei. Só me lembrei de não me despedir dos anfitriões com um aperto de mão. ;)
4. Acho que não. Já quem apostou e ganhou... :)
(Estás a morrer de nojo, não é, Gi?)
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