27 janeiro 2017

o trabalho da memória


AFTER from Lukasz Konopa on Vimeo.

Alguns dos turistas deste filme lembram-me uma cena muito estranha a que assisti em Buchenwald: uma visitante aninhou-se entre dois fornos crematórios, e sorriu para o fotógrafo. Ela a sorrir, com a cabeça à altura das portas abertas para os fornos onde queimaram milhares de corpos de perseguidos, torturados e assassinados. Há gente que não percebe.

6 comentários:

Anabela Jardim disse...

Não percebe talvez por falta de conhecimento, ou a pensar pelo lado do turismo, nesses dias que tudo e todos valem uma foto, não me assusta a idéia de tirarem fotos nesses recantos negros da história. Seria como fazer turismo em cemitérios e tirar fotos junto aos túmulos.

Helena Araújo disse...

Essa comparação não funciona. O cemitério é um lugar pacífico de memória dos que viveram, algo que faz parte do ciclo da vida, enquanto os memoriais dos crimes nazis são lugares de informação, sobressalto e alerta. Que sejam visitados por quem não se informou, não se quer informar e não quer compreender, é uma coisa. Que eu tenha de aceitar essa ignorância como algo natural do nosso tempo, é outra. Especialmente no caso que contei, de alguém se fotografar a sorrir junto à entrada dos fornos crematórios onde foram queimados os corpos de milhares de vítimas dos nazis, que morreram em circunstâncias de horroroso sofrimento. Ninguém vai a Buchenwald sem querer. Ao contrário do memorial do Holocausto em Berlim, não é algo que nos aparece de repente no meio do caminho.

CCF disse...

É a banalidade do mal na actualidade do mundo das selfies!
~CC~

Filipa disse...

É por este motivo que a extrema-direita está agora a atirar foguetes. Porque a imbecilidade foi sendo tolerada.

Um cemitério é um local de respeito pelos mortos. Um campo de concentração é um símbolo do horror.

Que a lembrança desse horror tenha diminuído é assustador. Ou esses dois tontos eram neo-nazis ou nem sei o que serão.

Helena Araújo disse...

Não eram neo-nazis, eram mesmo apenas tontos.

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...


Em Auschwitz (hoje Oswiecim) vi eu, há alguns anos, muitos alemães, mudos, estupefactos e quase em estado de choque - e eram talvez a maioria dos visitantes, pelo menos nesse dia.

Mas mesmo junto dos fornos crematórios, no meio daquele silêncio esmagador e improvável, no meio de tantos desconhecidos nervosos, lá estava uma família anafada e feliz a falar bem alto, naquele famoso Inglês de sotaque claramente ultramarino (para não dizer faroéstico), muito intrigados por os fornos crematórios, afinal, serem tão pequeninos e quase ridículos! E tinham mesmo de partilhar essa sua admiração ali connosco, enfim... Muitos dos presentes, via-se bem, fizeram um enorme esforço para não vomitarem.

E eu lembro-me igualmente de que passei o resto desse dia, a caminho de Cracóvia, agoniado e sem me apetecer sequer falar com os meus dois companheiros de viagem...