30 junho 2016

separação amigável



As notícias dos últimos dias sobre a reacção da União Europeia ao Brexit e os comentários nas redes sociais enchem-me de vergonha e desânimo. Bem sei que é fundamental impedir que os nacionalismos e populismos ganhem ainda mais força, e a situação se torne de todo incontrolável, mas questiono o método usado pelos responsáveis políticos e sinto embaraço e susto pelo nível de indigência política e ética no modo como se fala do tema.

Primeiro: a Alemanha convida os seis fundadores da comunidade europeia para uma reunião de urgência no dia seguinte a saber-se o resultado. Não sei se a reunião estava assim combinada há muito ou se foi uma reacção do momento, mas reuniões a seis, num contexto de crise dos 28, têm um peso simbólico extremamente negativo. Entendo a ideia de, para os fundadores da comunidade, fazer todo o sentido conversarem uns com os outros sobre o modo como a ideia inicial descarrilou. Mas, a partir do momento em que integram novos países no grupo, perdem a possibilidade de continuar a falar entre si, fazendo dos que chegaram mais tarde membros de segunda classe. É certo que, de momento, as erupções nacionalistas mais prementes são na França e nos Países Baixos, que estiveram nessa reunião a seis, mas o descontentamento global gerado pelas circunstâncias deste encontro pode ser muito bem capitalizado por todos os interesses nacionalistas, em todos os países - inclusivamente nesses dois.
Se a ideia era não dar mais força aos extremismos de fundo nacionalista e anti-europeu, correu-lhes mal.

Segundo: o ressabiamento e a maldade que andam por aí à solta, e que são alimentados pelas declarações dos políticos habilmente propagadas pelos meios de comunicação social. O Donald Tusk anuncia as próximas cimeiras europeias já sem o RU; a imprensa alemã empola, do discurso da Angela Merkel no seu parlamento, a frase que mais alimenta o ressentimento e satisfaz a sede de vingança - "a UE não vai deixar o RU fazer cherry-picking nas negociações da saída". Angela Merkel tem razão quando insiste que o acesso ao mercado comum implica respeito por determinadas regras comuns, nomeadamente a liberdade de circulação de pessoas - que foi um dos elementos centrais que levou à vitória do Brexit -, mas o modo como o seu discurso é tratado nos meios de comunicação reforça reacções de "eles vão finalmente deixar de se rir de nós" ou "agora é sem dó nem piedade!"
A verdade é que até as piadinhas me causam uma sensação de incómodo. Todos - do mais alto nível da política europeia ao cidadão comum - fazem piadinhas com fundo de Schadenfreude sobre os ingleses. E a eliminação da equipa de futebol inglesa permitiu deitar ainda mais achas na fogueira. Bem sei do humor como uma válvula de escape que alivia a pressão, bem sei da liberdade de expressão, bem sei da importância do riso para esconjurar os medos ou perplexidades, mas não entendo: as notícias que me chegam são as de um país desconcertado, profundamente dividido e em risco de se desagregar, uma sociedade em estado de choque, as pessoas atordoadas e assustadas perante o que lhes está a acontecer - e nós aqui a fazer piadinhas atrás de piadinhas sobre eles. Como estamos em termos de solidariedade dos povos? Ao mesmo tempo que protestamos por a Europa não ser solidária e atenta aos povos, mostramos abertamente a nossa falta de empatia e até o desprezo pelas pessoas de um país?
Talvez esteja a exagerar, talvez esteja condicionada pelo meu profundo sentimento de perda e pela raiva que sinto perante o sucesso das mentiras e da xenofobia que instrumentalizaram este referendo, talvez seja um problema meu de falta de sentido de humor (apesar de ter sorrido com algumas das piadas). Mas arrisco na mesma a pergunta: devemos acrescentar ao rol de defeitos da UE (a macrocefalia antidemocrática de Bruxelas, a combinação dos egoísmos nacionais, a supremacia alemã, os países divididos em actores principais e figurantes, etc.) a falta de solidariedade e empatia entre os povos? Que podem os políticos fazer para uma Europa mais coesa se as populações continuam a alimentar desconfianças e ressentimentos umas contra as outras? Quer dizer: será que a culpa do fracasso deste projecto não é só dos políticos, mas também de cada um de nós?

Voltando ao momento concreto: se o que está em causa é evitar o alastramento das tensões populistas para abandonar a UE, o que eu faria (agarrem-me, que...) se fosse porta-voz da União Europeia seria afirmar a tristeza por este projecto deixar de contar com um povo tão importante na História e na actualidade da Europa, agradecer sinceramente o seu contributo para o que somos hoje, e manifestar a intenção de preparar esta saída de forma o mais suave possível para evitar ao máximo convulsões sociais e económicas.

Para além do respeito e do cuidado pelo povo do Reino Unido, o que me move é a necessidade de, neste momento crítico, mostrarmos grandeza em vez de mesquinhez, e de fazer com que a motivação de cada país para permanecer na UE seja a vontade de fazer parte de um projecto considerado muito positivo e com possibilidade de ser corrigido e melhorado, em vez do medo de um terrível castigo quando se decide abandonar.


1 comentário:

Célia disse...

Assino por baixo!