1. A recém... política
(...) Pediu-me para ver sozinha as fotografias. “Tens a certeza?”. “Tenho”. Corpos escavados pela fome, pela fadiga, pelo pesadelo nazi. Empilhados como molhos de lenha. Uma tácita convenção impõe que eu não quebre o silêncio antes dela. “Anne Frank morreu assim?”. “Sim querida”. “Isto não mais vai voltar a acontecer, pois não Mami?”. “Não. Nie wieder”. “Temos de estar atentos”, diz-me baixinho. Disfarço mal a comoção.
Continuamos o percurso pela Haus der Geschichte, o museu de História de Bona e um dos mais importantes legados do chanceler Helmut Kohl. Paramos no Bundestag. O mobiliário original do primeiro parlamento alemão do pós-guerra está aqui. Sobe ao púlpito e pede-me para tirar uma fotografia. Ao almoço, depois de visitarmos a queda do Muro e a reunificação, comeu sem pressas, mastigando com lentidão. Cogita. “Tu sabes que eu não vou ter filhos, não sabes?”. “Sim, Matilde?”. “ E também já não vou estudar baleias para o Alasca com a tia”. “E?”. “ Decidi uma coisa hoje”. AIAMINHAVIDA.”Sim?”. “Como não quero ter filhos tenho todas as condições para ser política, como a Merkel”. “Aaah?”. “ Ela não é a mulher mais poderosa do mundo? E não pode decidir sobre guerra e paz? Pois eu quero ser política para que nunca mais haja guerra. E vou ser dos Verdes”. Mãe em hiperventilação.
Pensar que eu aos nove anos sonhava ser a Wonder Woman.
2. As crianças são o melhor do mundo e tal
Há quem diga que a ironia é o melhor dos condimentos e é óptimo ter sentido de humor. Aprecio uma e não me escasseia outro. Porém digam, digam-me o que eu fiz de errado quando a mini-política cá de casa afirma “ser favorável à introdução de um salário mínimo” e põe no topo da sua lista de presentes de Natal ( sim lista de presentes de Natal em Setembro ou não fosse a pestinha alemã) um encontro com …o Peer Steinbrück.
Façam coro comigo: ohmmmmmmmm.
PS- Você sabe que está na Alemanha quando uma criança de dez anos escreve um email ao candidato a chanceler do SPD e no dia seguinte tem em casa a resposta e um cartão autografado.
(...) Já tinha escrito no blog sobre o fascínio da minha filha pela política e em particular pelo candidato social-democrata e ex-ministro das Finanças alemão Peer Steinbrück.
Pois bem, hoje pelo correio chegou o convite para a Matilde lanchar com ele, na sua casa privada.
Que entre as negociações para a formação do governo alemão o Peer Steinbrück encontre tempo para pensar numa menina portuguesa de dez anos parece-me quase de ficção.
Schland Ich habe dich lieb.
Sabem porque é que certas sociedade funcionam (e outras não) ? Dou-vos dois exemplos: na Suécia quando os fiscais de estacionamento fazem greve os suecos estacionam de forma ordenada e colocam as respectivas moedas no parquímetro, na Alemanha a palavra dada é respeitada. Kant lässt grüßen.
Merece-me reconhecimento, independentemente da minha posição política, o facto do candidato a chanceler do SPD e ex-ministro das finanças alemão, Peer Steinbrück, ter interrompido os seus afazeres políticos, durante as negociações do contrato de coligação, para lanchar durante duas horas, na sua casa privada, com a minha filha. A conversa foi agradabilíssima, com o social-democrata a engasgar-se quando a Matilde lhe perguntou se achava que o seu telemóvel estaria a ser escutado pela NSA. Ohmmmm.
O político cumpriu a sua palavra e o Natal chegou semanas mais cedo para a Matilde. Eu ganhei um respeito enorme por Steinbrück.
A pergunta que faço é muito simples: qual de nós não gostaria de viver num país onde nos pudesse acontecer uma coisa destas ?
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