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Que se pergunte a uma criança de oito ou dez anos o que levaria numa mochila se tivesse de fugir da guerra, compreende-se. É um exercício que permite à criança pôr-se na pele do outro e entender um pouco melhor o que se está a passar no nosso mundo.
Que se pergunte o mesmo a um adulto, é um disparate. Os adultos deviam ter a capacidade de abstracção suficiente para perceberem o que isso significa sem precisarem de fazer bonequinhos.
Que se mostrem os filmes com as respostas mais ridículas, pior ainda. Em vez de falarmos da tragédia dos refugiados, entretemo-nos com o que alguns dos nossos famosos levariam. Fica ao nível banal e fútil da rubrica "o que leva Fulano na sua bagagem de mão?" das revistas dos aviões.
Muitos deles fazem pior figura que as crianças: parece que estão a falar de um fim-de-semana no Alentejo. Nem levam água, nem comida, nem o dinheiro todo que têm, nem medicamentos, nem pensos para as bolhas nos pés, nem sabão para se lavarem. E pensam que vão ter muito tempo para ler e fazer trabalhos manuais. Na travessia do Mediterrâneo, talvez, ou então quando se estiverem a enterrar na lama junto a uma fronteira fechada.
Uma sugestão à TV: mudem a questão, e entrevistem os mesmos. Perguntem-lhes: e se fosse eu a querer ajudar um refugiado concreto, um dos africanos à porta de Melilla, uma das pessoas que está em Idomeni, o que fazia?
5 comentários:
Bem visto.
Olinda
Parece-me uma boa sugestão e realmente não tem sido colocada.
Contudo, confesso que me só me apercebi, ainda mais, da difículdade que deve ser decidir quando ajudei o meu filho (6 anos) a pensar no que levaria. Depois de ele enumerar algumas coisas, perguntei-lhe o que ele teria de deixar para trás e pareceu-me que essa é a questão mais dolorosa. Creio que também "só lhe caiu a ficha" nessa altura.
Eu achei piada à ideia, mas percebo o que dizes. Agora que penso nisso, se as respostas (dos ditos adultos) tivessem sido "correctas", seriam todas mais ou menos iguais. Entre comida, água, medicamentos e roupa, haveria pouco espaço para variações. O problema foi que realmente inventaram demasiado, desde a Bíblia às jóias e agulha, mais parece o "o que levas na mala".
Paulo Topa,
isso lembra-me um livro que os miúdos alemães lêem na escola primária: "Quando Hitler roubou o coelhinho cor-de-rosa". A sensação de perda.
No meu mural do facebook contaram que uma aluna levou na mochila a chave de casa, como sinal de esperança de que voltaria. Lindíssimo.
Fuschia,
claro que seriam iguais. Mais os medicamentos para diabetes de uns, mais a bomba da asma para outros. Todos levariam o dinheiro, as jóias, o smartphone e vários carregadores - o que é vital numa odisseia daquelas.
Quanto mais penso nisto, mais me parece que o erro grave que estas pessoas cometeram foi pensarem mais na "imagem da sua marca" e absolutamente nada na situação dos refugiados.
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