02 fevereiro 2016

a cultura como refúgio




Ao ver as imagens aéreas da destruição de Homs, que têm sido divulgadas esta semana, lembrei-me de cenas semelhantes que vi numa reportagem sobre sírios que estão a regressar ao país para reconstruir as suas cidades. Vivem e trabalham em ruas como estas.
Em termos de imagens de ruínas, contudo, nada ultrapassa o efeito chocante das que passaram há meia dúzia de meses, num programa da televisão sobre os refugiados que chegaram à Alemanha: mostravam o antes e o depois. O antes: ruas bonitas e cheias de vida tranquila, com árvores e jardins bem cuidados.

(foto)

Foi nesse programa que conheci o coro Zuflucht, "refúgio", um projecto de integração que junta cantores líricos alemães e refugiados. O coro interpretou o Hino da Alegria, fundindo de forma muito bela a música de Beethoven com a tradição musical síria. Infelizmente apagaram o vídeo do youtube. Mas deixo aqui um outro (que já publiquei neste blogue), onde cantam "paraíso". O paraíso de onde vieram, esse "antes" que já não existe.



"Chamo-me Ahmed Osman, e sou de Homs, na Síria.
Estive meio ano na prisão, três anos em fuga, e estou agora na Alemanha com a minha mulher e os nossos três filhos.
Obrigado, alemães, por nos abraçarem e acolherem.
Temos uma mensagem para todo o mundo:
Basta de sangue! Acabem com as guerras!
[faz uma pausa antes de continuar, visivelmente emocionado]
"Janna" significa paraíso. A nossa canção sobre o paraíso fala das cidades belíssimas da Síria, de onde viemos, e agora estão reduzidas a ruínas.
Peço-vos, alemães: preservem a vossa Paz!"

Pesquisei mais trabalhos deste coro, e encontrei uma adaptação da ópera Zaide, de Mozart, à situação dos refugiados. "Zaide - uma fuga". Com música de Mozart, testemunhos de refugiados, um mapa do corredor para a Europa.


Neste filme, o presidente da Câmara conta como o seu cepticismo inicial deu lugar à confiança no projecto. Os espectadores dizem-se profundamente tocados pelos testemunhos, e louvam o trabalho dos refugiados. Uma jovem diz que já se habituou às imagens de refugiados que todos os dias aparecem na televisão, mas que esta encenação lhe lembra Brecht, porque a obriga a parar para pensar.
Eu comovo-me com tudo, particularmente com a alegria e a comoção deles no final, e ainda mais com este sinal do poder da cultura como refúgio de náufragos, palco de testemunhos e ferramenta de integração.


2 comentários:

Elisabete Sousa disse...

Muito obrigada Helena pelo magnífico texto que me emocionou bastante.
Um grande abraço, é tão bom ler os seus textos
Elisabete Sousa

Helena Araújo disse...

Obrigada, Elisabete.