Precisamos de regras!
Há quem diga que é desumano impor condições aos refugiados. Outros dizem que essa é a única solução razoável. Mas, digam lá: que regras podem ser essas?
Um trabalho de Michael Thumann, Martin Klingst, Gero von Randow e Ulrich Ladurner
(em tradução apressadíssima)
Regras que substituem a brutalidade pela previsibilidade
Michael Thumann e Martin Klingst
Estabelecer regras para pessoas que correm risco de vida parece insensível, burocrático, alemão na sua forma mais desagradável. Mas não se iludam: já há regras. De momento são estabelecidas por autocratas brutais, por criminosos e pelo mercado. De momento, conseguem chegar à Europa os que têm dinheiro suficiente para a passagem. Os que pura e simplesmente têm mais força. Ou os que estão dispostos a vender o corpo, como trabalhadores escravos ou como prostitutas. É uma autêntica selecção darwiniana: survival of the fittest.
Se propomos regras, isso não significa que queremos deixar tudo como está. Tem de haver uma missão de salvamento no Mediterrâneo organizada pela UE. Tem de haver uma distribuição diferente dos refugiados no interior da UE. Tem de ser possível que as pessoas peçam asilo numa Embaixada europeia, e não só depois de porem o pé em solo europeu. Tem de haver outras formas, formas legais, para as pessoas entrarem na Europa, sem ser o recurso ao sistema de asilo que está a rebentar pelas costuras. A Europa podia, por exemplo, ter um contingente de vistos de trabalho, eventualmente para um período limitado. Para que não seja a necessidade a ditar as regras. Quem tiver a possibilidade de se inscrever para vir para a Europa, não se verá obrigado a pôr-se nas mãos de um gang de traficantes.
Devido à sua História, a Alemanha tem alguma dificuldade em recusar a entrada a pessoas que precisam de ajuda. Isso faz com que aceitemos muitos mais refugiados que outros países, sem ousarmos exprimir abertamente os nossos interesses. Que estão ligados à regulação, e não às pessoas que pedem asilo.
Países como a Austrália e o Canadá não têm tantos problemas com isso. O Canadá aceita no máximo 30.000 pessoas por ano, no âmbito do auxílio humanitário, e a Austrália já se fechou radicalmente há um ano à entrada de qualquer refugiado. Mas ambos os países procuram com muito mais empenho que a Alemanha atrair tanto mão-de-obra qualificada como investidores estrangeiros. Nos dois países, a entrada de emigrantes é regulada por um sistema de pontos que reflecte as necessidades do mercado de trabalho, e é definido com o contributo das empresas, regiões e províncias. De momento, dois terços das pessoas que entram no Canadá fazem-no para trabalhar, um quarto corresponde a familiares de pessoas que já residem no país, e os restantes devem-se a motivos humanitários. Entre nós, acontece o oposto.
Isso não faz do Canadá e da Austrália um modelo para a Alemanha. Ninguém diz que nesse país tudo se processa com perfeição, e há diferenças históricas, sociais e geográficas que não se podem iludir. Mas torna claro que é razoável e possível abrir novas vias para entrada de imigrantes, para além do conceito delimitado de asilo político.
Como se fosse possível controlar as vagas migratórias!
Gero von Randow
É surpreendente que alguém use o Canadá como exemplo. Nesse país, os emigrantes que têm entrada prioritária são os que podem exibir uma oferta de trabalho. Uma regra que traz consigo vários problemas: produz um mercado de falsas ofertas de trabalho; discrimina pessoas com nomes que pareçam árabes ou africanos (essas pessoas têm muitas dificuldades em arranjar quem lhes ofereça um trabalho); e as pessoas que concorrem estão na total dependência do seu empregador. Quem não pode recorrer a esta express entry é examinado com base em critérios económicos. O que leva a que, por exemplo, uma família com um filho autista não seja aceite, porque ia custar demasiado ao sistema de saúde. É isso que vocês querem?
Além disso, nem sequer se pode falar de entradas controladas no Canadá. Segundo variadas estimativas, vivem no Canadá entre 100.000 e 500.000 pessoas sem autorização de residência. Sendo de salientar o aumento das entradas pela fronteira com os EUA - pessoas que fogem deste país com regras ainda mais rigorosas. A fronteira é um viveiro de bandos de traficantes. Para conseguir entrar no Canadá, há quem atravesse o Niágara a nado, ou se deite em cima das carruagens de comboio. Muitas pessoas morrem nessa passagem. E há até quem consiga entrar no país atravessando o Atlântico e o Pacífico.
Se nem o Canadá consegue controlar as suas fronteiras desenhadas de forma tão simples, como hão-de os europeus controlar as deles, de geografia tão mais complexa? Na Austrália, que está protegida pelo Oceano Índico, o preço do controlo do fluxo de imigrantes não desejados é a manutenção de cerca de 2.500 pessoas presas em campos na costa ou em ilhas longínquas.
As fronteiras não são sebes de jardins. Haverá controlo mais rígido que o de Calais e Dover, no Canal da Mancha? Antes de entrar no túnel, os camiões são minuciosamente examinados, com detectores de todo o tipo; os comboios e os barcos são inspeccionados. Mesmo assim, os emigrantes chegam aos milhares a Calais, na esperança de conseguir atravessar para a Grã-Bretanha. Também eles pagam muito dinheiro aos bandos que ali se instalaram. Algumas centenas conseguem. Os outros morrem.
A verdade é que a Europa está a utilizar as mortes como elemento dissuasor
Ulrich Ladurner
Ninguém sabe mais sobre as mortes dos refugiados que Giusi Nicoli, a autarca de Lampedusa. Entretanto, qualquer europeu conhece o nome da ilha minúscula, com 22 km2: Lampedusa, o buraco da agulha para entrar na Europa.
Giusi Nicolini tem uma outra ideia da ilha onde nasceu: "somos uma espécie de bóia no mar. Quem aqui chega pode repousar um pouco antes de seguir viagem. Mas não somos um posto fronteiriço. Não temos meios para isso." E continua: "Sabe, os media falam sobre a migração como se fosse uma catástrofe. No entanto, é um processo normal. As pessoas saem do seu país quando as condições são demasiado difíceis. Por isso, os media não deviam falar da emigração como se fosse algo algo sensacional, mas como algo normal."
Os naufrágios ao largo de Lampedusa têm posto esta mulher nas páginas da imprensa mundial. Ela defendeu com entusiasmo aquilo em que acredita, falou com grande empatia sobre os barcos de refugiados, visitou um campo de acolhimento, consolou e deu alento, tentou dar uma outra imagem de Lampedusa.
Em Novembro de 2012, recentemente eleita para o cargo, publicou uma carta aberta que descreve as consequências daquilo a que - do seu ponto de vista, eufemisticamente - se chama "a política de imigração europeia":
"Sou a nova presidente das ilhas Lampedusa e Linosa. Fui eleita em Maio. Até ao dia 3 de Novembro já me foram apresentados 21 cadáveres. Estas pessoas morreram afogadas quando tentavam chegar a Lampedusa. Isto é insuportável para mim, e significa dificuldades e dores imensas para Lampedusa. Tivemos de pedir a outras regiões ajuda para conseguir enterrar dignamente onze mortos. Já não tínhamos espaço no nosso cemitério para estes desgraçados. Vamos aumentar o cemitério, mas pergunto: que tamanho deve ter o cemitério da nossa ilha?
Não consigo compreender como tamanha tragédia é aceite como normal. Como podemos esquecer no nosso dia-a-dia que, por exemplo, no sábado passado morreram onze pessoas, entre as quais crianças, na viagem que devia significar para eles o princípio de uma vida nova? Foi possível salvar 76, mas naquele barco havia 115 pessoas. O número de mortos é sempre superior ao número de corpos que o mar nos devolve.
Continuo convencida de que a política de imigração europeia aceita estes mortos como preço necessário para secar o fluxo de imigrantes, e talvez veja os mortos como meio dissuasor. Mas, se para estas pessoas, a viagem de barco era a única possibilidade de esperança, então a Europa tem de sentir a sua vergonha e indignidade (...) É preciso que todos saibam que Lampedusa, os seus habitantes e todos os que ajudam nas operações de salvamento respeitam a dignidade dos refugiados. São eles que conferem dignidade ao nosso país e à Europa."
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