10 janeiro 2016

"debate sobre as notícias relativas a Colónia - temos de falar sobre isso"

Traduzo (mais uma vez à pressa) mais um artigo do Spiegel online.
Desta vez sobre o modo como a comunicação social tratou os acontecimentos em Colónia, e as consequências do atraso nas notícias.




Debate sobre as notícias relativas a Colónia - temos de falar sobre isso


Andreas Borcholte
Spiegel Online - 9.01.2016

Lentos, falsos, tendenciosos? Além da polícia, também os meios de comunicação social estão a ser alvo de críticas após o que aconteceu em Colónia. As reacções fazem ondas cada vez mais altas - um problema de comunicação que tem consequências muito para além dos acontecimentos nessa passagem de ano. 

No fim desta semana de excitação sobre os acontecimentos em Colónia, o que vai ficar realmente na memória colectiva? Na pior das hipóteses, isto: na noite da passagem de ano, um sex-mob de mil homens do norte da África e árabes atirou-se a mulheres alemãs, molestou-as com ataques sexuais e violou-as. O estado actual da investigação não aponta para um cenário exactamente igual a este, mas é essa a imagem que muitas pessoas têm, nomeadamente o candidato à presidência dos EUA, Donald Trump, que na quarta-feira escreveu no twitter: "Germany is going through massive attacks to its people by the migrants allowed to enter the country. New Years Eve was a disaster. THINK!" Trump é um demagogo, um político populista, que não tem problema em ajustar a verdade aos seus interesses de conservador nacionalista.

Um jornalista não pode fazer muito contra isto, excepto oferecer esclarecimento com base em notícias sérias e fundadas em factos. Também não pode fazer muito contra grupos de interesses como o Pegida e partidos como o AfD ("Alternativa para a Alemanha"), a cujo programa de incitamento ao medo e ao ressentimento daria muito jeito se de facto em Colónia uma horda de refugiados bêbedos e lascivos se tivesse atirado a mulheres indefesas. Segundo as informações mais recentes, terá havido refugiados envolvidos nos ataques, mas mesmo uma semana depois ainda não está claro o que aconteceu realmente. Isso é, antes de mais, um problema da polícia de Colónia, que - aparentemente com dificuldades graves de organização e de pessoal - está há vários dias a tentar recuperar o controlo, após as falhas cometidas a 31 de Dezembro. Os resultados fazem-se esperar, o que não ajuda a aliviar o ânimo da sociedade alemã, neste momento tão emocional e de assustadora complexidade. Mas também a esse nível não podemos fazer muito. Excepto produzir notícias o mais possível baseadas em factos e confiar na maturidade de um público capaz de formar a sua própria opinião a partir da informação disponível proveniente, de tantas e tão variadas fontes.

Uma questão de posição

De momento discute-se acaloradamente em fóruns e nos social media, nos suplementos dos jornais e entre os políticos, se foi isso que aconteceu nos últimos dias. O "FAZ" acusa há muito tempo já os canais de televisão e rádio públicos de, no que diz respeito aos debates sobre a política dos refugiados, serem canais fiéis de propagação da política de boas vindas da Merkel; o meu colega Jan Fleischhauer chamou "jornalismo baby-sitter" a este tipo de noticiário pedagógico e tendencioso. Refere-se ao impulso de, para além de noticiar os factos actuais, querer incluir também uma grelha de leitura que se entende ser a correcta: o que é importante é não fazermos o jogo das pessoas de Direita que incitam ao ódio!
Tanto os media como o público estavam ansiosos por definir uma posição em relação ao que aconteceu em Colónia, e talvez tenham sido demasiado apressados. Os canais televisivos ARD e ZDF, por serem ainda os mais vistos, estão ainda mais sujeitos a estas críticas. Mas também jornais e media online como o Spiegel Online  são acusados de serem "imprensa mentirosa" desde que começou o debate sobre os refugiados: se o tema é sensível, diz-se que a nossa informação é muitas vezes conformista, desinformativa e paternalista. O que não é verdade. Nós pesquisamos, aprofundamos e analisamos as informações, e publicamos aquilo que temos a certeza que está correcto - por exemplo, depois de confirmar os dados com duas fontes independentes e de confiança. No caso de isso não ser possível, deixamos claro na notícia que não há inteira segurança sobre a veracidade do que é relatado.
No entanto, temos de levar essas críticas a sério. Mesmo quando a primeira reacção é a revolta, e a constante sujeição a comentários muitas vezes polémicos acabe por roubar a força ao mais robusto.

Frentes endurecidas

Devido aos acontecimentos da noite da passagem de ano, a frente entre os media e o público endureceu ainda mais. Um dos possíveis motivos é a situação de partida deste caso, especialmente difícil: o facto é que a polícia de Colónia, por motivos que ainda não se puderam apurar, não relatou imediatamente qualquer facto de carácter excepcional, pelo que, durante o fim-de-semana seguinte, a notícia não foi muito além dos media regionais. Só depois da conferência de imprensa da polícia, na segunda-feira, é que os media supra-regionais se começaram a agitar - o que também se explica, muito simplesmente, pelo facto de só nesse dia a maior parte das redacções ter voltado a trabalhar com todo o pessoal, depois dos feriados de Natal e ano novo.
Mas quando chegaram ao gabinete, na segunda-feira, os jornalistas encontraram as caixas de correio dos leitores e as caixas de comentários a abarrotar com perguntas iradas e acusações de que estavam a desvalorizar propositadamente o que aconteceu em Colónia por haver refugiados envolvidos, um grupo que se entende estar a ser protegido de modo especial pelos media.
Nessa altura as informações e as possibilidades de investigar eram ainda muito escassas, o que aumentou ainda mais a pressão e a sugestão de estarmos demasiado atrasados com estas notícias. Essa impotência esteve na origem de incidentes disparatados como a pergunta no facebook da redacção do noticiário da ZDF sobre como é que o utilizador queria receber as notícias.
O fenómeno evoluiu a uma velocidade louca para algo desnorteado, alarmista, tocando os princípios e a ordem estatal. Multiplicaram-se os news-updates, e surgiram cada vez mais informações a partir da investigação e dos comunicados de imprensa.

Não há um pacto de silêncio

Por essa altura, a explosão de noticiários chamou os políticos ao palco da maior parte dos canais informativos importantes. Estes, com os seus discursos em parte cuidadosos, em parte exagerados, contribuíram para aquecer ainda mais o que já estava fervilhante. O ministro da Justiça, Heiko Maas, falou de "uma nova dimensão" do crime organizado, e até a chanceler se sentiu obrigada, na terça-feira, a fazer declarações sobre os acontecimentos de Colónia, apesar de ainda haver inúmeras questões em aberto sobre os factos concretos. Ela exigiu "uma resposta dura do Estado de Direito", talvez também a pensar no encontro tradicional do CSU que teria lugar em breve - para dar de si uma imagem de menos tolerância e de mais conservadorismo como deve ser. Os social-cristãos afinaram a sua voz pela do AfD e Pegida, ou pela dos media de agenda conservadora, como o Compact, postulando a existência de um pacto de silêncio no jornalsimo.
O que é um disparate, tendo em conta a rapidez e abundância das notícias na imprensa regional de Colónia, da agência noticiosa dpa e do serviço online do WDR, e não contribui para o diálogo entre os que advogam a "imprensa mentirosa" e os jornalistas que - no turbilhão cada vez mais agitado e confuso das opiniões, dos posts, dos tweets e das declarações dos vários indivíduos e grupos de interesses - tentam manter a neutralidade e a prudência. Compreende-se que os leitores reajam com repúdio e raiva  perante media que se entendem e comportam como se tivessem a prerrogativa da interpretação. Este comportamento mudaria o papel dos jornalistas, de mediadores e intérpretes para "baby-sitters" e até propagandistas. Os inúmeros relatórios informativos, reportagens, e muitas vezes também comentários inteligentes e controversos (também houve alguns irritantes e desajeitados) dos últimos dias nos diversos media nacionais mostram que, felizmente, não foi esse o caso. Mesmo se se tem a impressão que uma maioria de pessoas, que criticam nos fóruns e em mensagens, de momento têm outra opinião.        
Pode-se fazer alguma coisa contra isso? Temos de aguentar, do mesmo modo que temos de aguentar um contador de rábulas como o Donald Trump? Claro que temos. Temos de noticiar sobre os ataques de Trump, por mais nojentos que sejam, do mesmo modo que temos de noticiar sobre os crimes de Colónia, independentemente de quem os cometeu.


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