29 novembro 2015

Pipi e Sócrates - um passeio filosófico pelo mundo de Astrid Lindgren



A propósito do 70º aniversário da Pipi, traduzo alguns trechos do livro "Pipi e Sócrates - um passeio filosófico pelo mundo de Astrid Lindgren", de Jørgen Gaare e Øystein Sjaastad (a partir do alemão, e em registo Speedy Gonzalez).

Do capítulo: Pirata e Senhora-Muito-Fina

* O Primeiro Elemento da Educação: Formação
(...)
Tanto dentro como fora da sala de aulas, a Pipi critica a pedagogia de aprender de cor. O confronto surge no momento em que os pais e as mães decidem que a Pipi tem de ir à escola como todas as outras crianças, para aprender a tabuada.
A polícia entra em campo para impor a ordem à Pipi e para lhe explicar a utilidade do saber. Testam os seus conhecimentos, perguntando-lhe qual é a capital de Portugal. A Pipi questiona a utilidade de acumular conhecimento factual aleatório, enquanto dá a resposta pedida fazendo o pino. Ao fim e ao cabo, já tinha estado em Lisboa. Um polícia tenta convencê-la, falando-lhe do prazer de saber muitas coisas. "Não se pode só pensar em ter prazer", responde a Pipi, e põe os pés no chão. Mas as coisas tornam-se mais sérias quando outro polícia lhe diz que não pense que só pode fazer o que lhe apetecer. A conversa sobre a utilidade e o prazer do saber não passa de uma má desculpa. O que a escola pretende é disciplinar e reprimir o prazer - é tudo.
(...)

* O Terceiro elemento da Educação: Formação do Coração
(...)
A Pipi é muito sensível às frases feitas - erradas ou vazias - do nosso quotidiano. Quando a professora a louva por não ter permitido que um homem maltratasse um cavalo:
"É para isso que estamos cá", continuou a professora. "Para sermos bons e simpáticos para as outras pessoas." (...)
"Hehe", disse a Pipi, "e as outras pessoas, para que é que estão cá?"
É preciso saber distinguir entre verdadeira compaixão e conversa barata sobre sacrifício. A Pipi mostra a sua profunda compaixão por crianças vítimas de abuso, um pássaro morto ou um cavalo maltratado, mas põe em causa a obrigação moral de sacrificar os seus interesses aos interesses alheios. Se ninguém formula os seus próprios interesses fundamentais, não podemos saber quais são os interesses dos que nos estão próximos. A exigência de sacrifício anula-se a si própria.


Do capítulo: Crítica do Bom Senso

(...) O saber estabelecido tem de ser sempre testado, caso contrário corre o risco de se tornar uma mentira. É também essa a opinião da Pipi, quando explica aos seus amigos que os hotentotes se deviam comportar como vem nos livros de geografia.
(...)
Na França e na Alemanha do Iluminismo, a razão era considerada uma força libertadora. (...) Durante a revolução francesa consagraram-se igrejas à verdadeira divindade, a razão, ao mesmo tempo que a guilhotina trabalhava. E assim se consegue uma definição sumária da razão: é a capacidade, aguçada como uma lâmina, de separar a cabeça do corpo!
(...)
(...)
(...)
Pipi fez parte dos movimentos hippie e Maio de 68 muito antes de estes se terem estabelecido.
(...)


Do capítulo: Pipi e Sócrates

(...) Pipi liberta, tal como Sócrates - liberta as pessoas dos seus preconceitos e imagens enraizadas, do falso saber e das convenções. Sócrates procura as pessoas que deviam ter determinados conhecimentos, por virtude da sua profissão e do seu lugar na sociedade, e põe esse saber à prova. (...) Pipi procura figuras da autoridade - pais, professores, polícias, serviços de protecção da infância, as pessoas finas e as pessoas finíssimas - e mostra-lhes que o seu saber não tem fundamento, e pior ainda: que o seu poder não se baseia em ideais nobres, mas que se trata do poder pelo poder. O objectivo do poder é disciplinar, e o objectivo da disciplina é o poder.
(...)
Annika, a amiga da Pipi, não gosta muito de sopa de fruta. Vai debicando, enquanto a mãe insiste para que coma. A Pipi põe-se, aparentemente, do lado da mãe, revelando o absurdo da situação - e, simbolicamente, de toda a educação.

"É óbvio que tens de comer a tua rica sopa de fruta. Porque se não comeres a tua rica sopa de fruta não vais crescer nem ficar grande e forte. E se não ficares grande e forte, não podes forçar as crianças a comer a sua rica sopa de fruta. Não, Annika, assim não pode ser. Se todos pensassem como tu, neste país ia reinar a maior confusão nos hábitos de comer a sopa de fruta."
(...)
Sócrates e Pipi são acusados de provocar um caos terrível nos hábitos de comer a sopa de fruta no seu país. Da acusação de Sócrates constava que ele desrespeitava as leis, não acreditava nos Deuses do Estado e queria introduzir forças demoníacas. Além de corromper a juventude. E por isso se pedia para ele a pena de morte. Quando o livro da Pipi foi lançado no mercado sueco, em 1945, começou por ser bem recebido. Depois rebentou a tempestade. Cartas iradas de leitores diziam que a autora destruía a moral, a religião e a ordem social, e corrompia as crianças.


3 comentários:

Unha Negr@ disse...

obrigado pela tradução. Fiquei a gostar mais da PiPi uma situassionista portanto,toda maio 68.

CCF disse...


Só tinha mesmo uma ideia vaga, foi uma surpresa...quem diria, uma revolucionária!
~CC~

Alexandra Baltazar disse...

O maravilhoso mundo da Pipi! Acompanhou a minha infância e faz parte da das minhas filhas, sem ela, a infância não seria a mesma e..nunca saberíamos o que é estar doente com "spunk"