28 outubro 2015

todos diferentes, todos iguais

Ontem, em Berlim, vi um grupo de refugiados. Era uma família grande, estavam sentados num banco da estação de Friedrichsstrasse. Os miúdos apontaram para o Fox, muito contentes. Não parei porque ia carregadíssima e cheia de pressa, mas gostei daquele ar de normalidade: uma família sentada num banco à espera de um comboio, e as crianças entusiasmadas com um cão que passa. Gosto de sermos tão iguais.

Uma amiga contou-me como se apercebe da presença de refugiados: quando vê vários rapazes ou homens em grupo pela rua, andando devagar como se não tivessem um objectivo, ou quando demoram imenso tempo nos corredores do supermercado, tentando perceber os artigos expostos. Iguais a mim: é a figura que faço nos supermercados dos outros países.

Na semana passada estive em Erding, na Baviera. Contaram-me que prepararam parte de um aeroporto militar para acolher os refugiados que diariamente chegam em grande número a essa região. Os meus amigos foram ver as instalações, e ficaram com a sensação que tudo estava a ser organizado por pessoas com muita experiência e competência. Em meia dúzia de dias improvisaram quartos com capacidade para seis pessoas, mais as casas de banho e cozinhas. Até fizeram um caminho de peões ao longo da estrada, para as pessoas poderem ir ao centro da cidade sem correrem o risco de serem atropeladas. Tentam criar grupos por nacionalidade, etnia e religião, tentam alojar as famílias em divisões próximas. Cada pessoa que chega recebe um lugar, um conjunto de objectos de higiene individual, roupa de cama e toalhas. A comida é toda vegetariana, para evitar conflitos com hábitos alimentares. As questões logísticas parecem estar entregues a pessoas competentes, e saber isso permite acalmar um pouco os ânimos.

No entanto, os alemães com quem falei sentem-se inseguros. As mulheres, em especial, têm agora mais medo de sair à rua, fazer jogging na floresta, ir a certas ruas da cidade. As ruas estão diferentes, com aqueles bandos de homens ou rapazes parados, a olhar. Pobres refugiados: muito antes de sequer começarem a pensar em fazer alguma maldade, já despertam desconfiança. E não é por questões de preconceito, é simplesmente porque nas ruas alemãs não é costume haver grupos de homens parados, a ver quem passa. As ruas estão diferentes, e as pessoas não se sabem orientar no mundo que já não é bem o seu. Para baixar o nível de desconfiança, bastava informar os refugiados sobre o mal-estar que certos comportamento provocam - de facto, melhor seria dar-lhes a possibilidade de se ocuparem em algo útil e que lhes desse satisfação, misturá-los com a população alemã.

Para os refugiados que estão no aeroporto militar de Erding, é difícil avançar com projectos de ocupação do imenso tempo livre, porque se trata apenas de um alojamento temporário. Mal se arranje uma cidade que possa acolher aquelas pessoas, os autocarros levarão este grupo para a sua nova morada, os quartos serão limpos, o armazém encher-se-á com novas resmas de roupa de cama e produtos de higiene pessoal, e tudo ficará a postos para acolher os próximos refugiados que chegam do sul.

Mesmo assim, alguns conseguem ficar. Falaram-me de uma pensão, um sítio tão desagradável que nunca tinha clientes, cujo dono está a receber uma fortuna para alojar menores de idade. Os rapazes são visitados diariamente por assistentes sociais que tentam resolver os seus problemas e ajudar a fazer as compras no supermercado. A princípio, os assistentes sociais cozinhavam, mas os miúdos não comiam. Era impossível cozinhar ao agrado de todos. Parece que de momento a base da alimentação deles é tostas. Uma dessas assistentes contou que a maior parte dos miúdos são boa gente, mas há alguns mais rufias, que conseguem dar cabo do ambiente. Fico a imaginar aquela pensão de quartos velhos e sem conforto, os jovens sem o enquadramento de uma família que os escore e proteja, os assistentes sociais sem sequer falar as línguas deles.

Parece uma tarefa impossível, e o desalento faz o seu caminho: em que é que nos fomos meter?
Mas há pessoas como a Adriana Costa Santos, que foi para Bruxelas ajudar os refugiados, fala com eles, e conta as suas história no blogue "Chegada à paz". Leiam, leiam. Ela vai ao encontro das pessoas por trás dos seus problemas, desmonta o desconhecido e as desconfianças, e mostra que a proximidade é possível. O post de hoje comoveu-me. Refugiados, europeus? Seres humanos que se encontram na palavra e na escuta.

Contado pela Adriana, parece simples.


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