13 outubro 2015

"táxi"

(Palavra de hoje lá na enciclopédia alternativa: "táxi")

Ai, que se começo a contar histórias de táxis toda a gente vai atrás, e como todos temos muitas para contar, depois de amanhã a estas horas ainda cá estamos, e depois passam-me uma multa por incitamento à indisciplina e ao caos, mas o que tem de ser tem muita força e portantos...

1. Uma amiga minha ia cheia de pressa pela avenida de Gaia, em direcção ao Porto, quando viu aproximar-se um mercedes preto. Fez-lhe sinal de paragem, entrou, e perguntou:
- Vai para o Porto?
- Vou.
- Pode-me levar à rua tantos de tal?
- Com todo o gosto.
Quando lá chegaram, ela perguntou quanto era.
- Nada, minha senhora. Isto não é um táxi.

2. Fui ao Zoo de Lisboa com os miúdos, pequeninos, e à saída resolvi apanhar um táxi. Entrei no primeiro da fila, acomodei os miúdos, e ao dizer a morada olhei para o taxista e apanhei um susto: tinha a cara e os braços cheios de cicatrizes, e um ar que não associo imediatamente a um bom pai de família. Pior ainda: no compartimento junto às mudanças tinha um maço enorme de notas - dinheiro vivo! - enroladas. Ora bem: o que é que uma mãe deve fazer numa situação destas? Não tive coragem de lhe dizer "desculpe, afinal vamos a pé", e fiquei à espera do destino fatal.
Por sorte a viagem correu normalmente. Não sei o que teria sido a minha vida se tivesse acontecido alguma desgraça depois de eu ter sido demasiado delicada para ousar um "desculpe, vamos a pé".
A viagem correu bem, e ele contou-me histórias mirabolantes de ter sido criado por ciganos, e das cenas de pancadaria e das cicatrizes, e disse-me que tinha o dinheiro ali à vista para o pessoal perceber logo que ele era mesmo tolo, e que era melhor não se meterem com ele. Também andava armado, disse. Uma faca, uma pistola, e muito know-how de mãos.
Ele ia falando, e eu ia-me sentindo cada vez mais segura. Sou o cão do Pavlov da síndroma de Estocolmo.

3. Entrámos na Bolívia pelo aeroporto de Santa Cruz, ao fim da madrugada. Apanhámos um táxi para ir para o outro aeroporto, onde apanharíamos o avião que nos levaria a Sucre. O táxi: um cabo de vassoura para segurar a porta da bagageira enquanto metíamos as malas, o tablier todo esventrado sem mostradores, as poucas peças que tinha pareciam coladas com cuspe. Mas andava. Trepidando e gemendo, lá nos levou ao outro aeroporto da cidade - já posso dizer que fui testemunha de um milagre que durou meia hora. E a cidade está cheia deles, porque à nossa volta vimos imensos táxis num estado ainda pior.
Daí a pouco, sentados no meio das nossas malas, à espera que alguém nos soubesse dizer se e quando saía um avião para Sucre, abri o guia turístico e li: "Quem chega a Santa Cruz vindo do Planalto Boliviano surpreende-se com a riqueza e o nível de desenvolvimento da cidade, que nos faz lembrar a Europa".

4. Alguns taxistas, aqui em Berlim, ficam furiosos quando me vêem aparecer com o cão. "Não me avisou que tinha um cão!", resmungam. Entretanto, finalmente, percebi: são muçulmanos.
Não tem que saber: sempre que chamo um táxi, aviso que vou levar um cão. A integração vive do conhecimento e do respeito mútuo.


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