Perante a crise de valores na Europa evidenciada de forma muito clara na maneira como está a tratar os refugiados, temos todos
perguntado o que podemos fazer. Conheço pessoas que organizaram manifs de boas-vindas aos refugiados, sei dos gestos de generosidade na caravana que os portugueses enviaram, sei dos pais de família que se meteram num carro para ir buscar algumas dessas pessoas ao outro lado da Europa. Um amigo meu propõe que nos manifestemos também ao nível das ideias. Aqui fica a sua proposta:
Enviar três cartas:
- uma
dirigida à embaixadora da Hungria em Lisboa, protestando
contra a política do seu governo perante os refugiados;
- uma
carta ao primeiro-ministro de Portugal, pedindo para exigir a
suspensão da Hungria como membro da UE; e pedindo que, enquanto líder do PSD,
membro do PPE (partido onde se inclui o partido no poder na Hungria), peça a
expulsão deste partido como membro do PPE;
- uma
carta ao cardeal Erdo, arcebispo de Budapeste, pedindo que os
bispos católicos sejam mais intervenientes na luta contra este governo.
Cada pessoa pode alterar o texto como entender - trata-se apenas de uma sugestão. Quem não for homem, ou português, ou católico (no caso da carta ao cardeal, que está em francês, seguida da tradução para português), convém mudar essas partes do texto. Os respectivos endereços de e-mail vêm imediatamente antes do texto.
Se isto ajuda alguma coisa? Talvez ajude. Pelo menos na medida em que dá visibilidade a quem critica o que se está a passar e exige que a Europa saiba traduzir os valores em que diz basear-se para os gestos de acolhimento aos refugiados. O espaço público não pode ser dado de bandeja aos que negam a ajuda por medo da ameaça islâmica - e muito menos aos que vêem no aproveitamento desses medos uma oportunidade de ganhar espaço político.
Eis as
cartas:
A –
Embaixada da Hungria
Ex.ma Senhora
Klara Breuer
Embaixadora da Hungria em Lisboa
Ex.ma Senhora Embaixadora
Como cidadão português e europeu, venho exprimir-lhe o meu
vivo repúdio pela política do Governo que a Senhora representa e que contraria
os tratados da União Europeia, bem como a Declaração Universal dos Direitos
Humanos e os principais documentos europeus nessa matéria.
Na minha opinião, a Hungria já devia ter sido suspensa da
União Europeia, pela violação sistemática das normas e dos valores básicos e
consagrados nos Tratados da UE. Um Governo que manda disparar (mesmo que sejam
balas de borracha) sobre pessoas indefesas não merece integrar uma comunidade
que nasceu para defender a liberdade, os direitos humanos e o primado do
direito.
É lamentável que o seu Governo esqueça que, em 1956, cerca
de 200 mil húngaros fugiram do país e foram acolhidos na Áustria e na
ex-Jugoslávia, porque queriam uma vida melhor – exactamente o mesmo que
procuram agora os refugiados que chegam do Médio Oriente.
Não esqueço que, ao contrário do que faz o seu Governo – que
nos lembra o pior do século XX europeu –, a Hungria acolheu, há vinte anos,
milhares de pessoas em fuga da então Alemanha de Leste, permitindo a sua
passagem para procurar refúgio em outros países.
Espero que o melhor da história da Hungria e dos seus
valores venha em breve a vencer as pessoas sem humanidade que tomaram conta do
seu país.
Com os meus cumprimentos,
B – Primeiro-ministro
Ex.mo Senhor
Dr. Pedro Passos Coelho
Primeiro-Ministro
Lisboa
Ex.mo Senhor Primeiro-Ministro
Com os meus cumprimentos, venho, enquanto cidadão português
e europeu, lamentar o facto de o Senhor e o Governo português ainda não terem
exigido a imediata suspensão da Hungria enquanto membro da União Europeia.
O Governo húngaro tem violado sistematicamente regras
básicas dos Tratados da UE e dos valores que inspiraram a União. Não se percebe
por isso que – ao contrário do que tem sucedido nos últimos tempos, quando
estão em causa questões relativas às finanças, em que os governos da UE se
apressam a ameaçar com medidas, cortes e expulsões – os comportamentos do
Governo húngaro não mereçam mais do que declarações de circunstância e vagas
condenações.
Devo acrescentar um outro profundo lamento: o de que o
Senhor, enquanto presidente do PSD, que integra o Partido Popular Europeu ao lado
da União Cívica Húngara (Fidesz, no Governo na Hungria), não tenha ainda
exigido no interior do PPE, a imediata suspensão ou expulsão do partido húngaro
do PPE.
Espero, por isso, que a sua atitude mude rapidamente e que
Portugal passe a exigir a suspensão da Hungria como Estado-membro da UE. E
espero vê-lo, enquanto presidente do PSD, a pedir a suspensão da Fidesz como
partido-membro do PPE.
Com os meus cumprimentos,
C – Cardeal Erdo, arcebispo de Budapeste
Mr. Card. Péter Erdő
Archevêque de Budapest
Éminence
Je suis
portugais, citoyen européen et catholique. Et dans cette triple condition, j’ai
vraiment honte de ce qui se passe en Europe en ce moment. Je suis
particulièrement préoccupé par les actions de ces dernières
semaines du gouvernement hongrois concernant la situation des
réfugiés – personnes démunies qui ont échappée à la guerre, à la violence
et à la haine.
A nos frontières
et d’une façon plus accentuée à la frontière de la Hongrie, ces personnes
sont de nouveau confrontées à la violence et la haine. J’aimerais penser
qu’un pays qui, en 1956, a vu 200 mil personnes passer en Autriche et dans
d’autres pays voisins pour fuir la violence politique communiste, n’oublierait
pas cette expérience si récente d’être accueilli. J’aimerais aussi penser qu’un
pays qui, en 1989, a reçu des milliers d’allemands en fuite de l’Allemagne
de l’Est, n’oublierait pas son passé de terre d'accueil.
Mais je me suis
trompé. La patrie de Sainte Élisabeth de Hongrie, qui avait une attention
privilégiée envers les plus pauvres (comme sont aujourd’hui les réfugiés)
semble avoir oublié son héritage et effacé ce que la meilleure tradition
chrétienne du pays l’appellerait à faire.
C’est pour ça que
je vous écris, Éminence. J’ai lu le communiqué de la Conférence Episcopale de
la Hongrie qui manifestait la volonté de suivre les propositions du Pape pour
accueillir des réfugiés; mais j’ai lu aussi les propos de l’évêque Laszlo
Kiss-Rigo (que je regrette beaucoup, en tant que chrétien), qui disait que les
réfugiés viennent "envahir" l’Europe. Et j’ai lu aussi un
article de Reuters (http://www.reuters.com/article/2015/09/05/us-europe-migrants-hungary-divide-idUSKCN0R50F120150905), avec vos déclarations, selon lesquelles
l’Église ne peut pas accueillir les réfugiés, car il s’agit de trafic humain.
Si ces déclarations sont bien reproduites, Éminence, je me demande comment vous
pouvez faire de telles déclarations et en même temps, remercier le Pape. Car le
Pape dit exactement le contraire...
Je rappelle aussi
votre présence à Lisbonne pour le Congrès de la Nouvelle Évangélisation. Je me
demande si la nouvelle évangélisation (comme la "vieille") ne nous
demande pas d’accueillir chaque personne, comme nous dit le texte de St.
Mathieu 25.
L'essentiel, pour
moi, en tant que chrétien, serait de voir les évêques de mon Église (même si
d’un autre pays) a lutter par des moyens non-violents, mais aussi forts et
publiquement, contre la dérive inhumaine du gouvernement hongrois, qui nous
rappelle les heures les plus noires que l’Europe a vécu au XX.ème siècle.
Je sais que
beaucoup de chrétiens et de catholiques défient les lois autoritaires de ce
gouvernement et sont dans la rue, pour aider de nombreux réfugiés. Mais
je souhaiterais aussi voir les évêques hongrois plus déterminés dans leur
critique à ce gouvernement qui invoque le nom de Dieu pour mieux l’effacer de
la place publique et de notre continent.
C’est à vous, Éminence,
de choisir, en tant qu’archevêque de Esztergom-Budapest, d’être prophète
ou de rester caché par la peur. Je crois qu'affronter ce pouvoir et ce
gouvernement anti-chrétien c’est un devoir d’un pasteur.
Avec mes
salutations,
(Z- carta ao cardeal em português)
Sou português, cidadão europeu e católico. E nesta tripla
condição, tenho uma grande vergonha por aquilo que se passa neste momento na
Europa. E estou particularmente preocupado pelas acções das últimas semanas do
governo húngaro no que respeita à situação dos refugiados – pessoas sem nada
que escaparam à guerra, à violência e ao ódio.
Nas nossas fronteiras, e de modo especial na fronteira da
Hungria, estas pessoas são de novo confrontadas com a violência e o ódio. Gostaria
de pensar que um país que, em 1956, viu 200 mil pessoas saírem para a Áustria e
outros países vizinhos, fugindo da violência política comunista, não esqueceria
esta experiência recente de ser acolhido. Gostaria de pensar também que um país
que, em 1989, recebeu milhares de alemães em fuga da Alemanha de Leste, não
esqueceria o seu passado de terra de acolhimento.
Afinal, enganei-me. A pátria de Santa Isabel da Hungria, que
tinha uma atenção privilegiada para com os mais pobres (como são hoje os refugiados)
parece ter esquecido a sua herança e apagado o que a melhor tradição cristã do
país chamaria a fazer.
É por isso que lhe escrevo, Eminência. Li o comunicado da
Conferência Episcopal Húngara que manifesta a vontade de seguir as propostas do
Papa para acolher refugiados; mas li também as declarações do bispo Laszlo
Kiss-Rigo (que lamento profundamente, enquanto cristão), que dizia que os
refugiados vêm “invadir” a Europa. E li também uma notícia da Reuters (http://www.reuters.com/article/2015/09/05/us-europe-migrants-hungary-divide-idUSKCN0R50F120150905),
com declarações suas, segundo as quais a Igreja não poderia acolher os
refugiados, pois isso seria tráfico humano. Se as declarações estão bem
reproduzidas, Eminência, pergunto-me como pode dizer isso e, ao mesmo tempo,
agradecer o Papa. Porque o Papa diz exactamente o contrário….
Recordo também a sua participação, em Lisboa, no Congresso
da Nova Evangelização. E pergunto-me se a nova evangelização (como a “velha”)
não nos pede que acolhamos cada pessoa, como nos diz o texto de São Mateus,
capítulo 25.
O essencial, para mim, enquanto cristão, seria ver os bispos
da minha Igreja (mesmo que de um outro país) a lutar por meios não-violentos,
mas também forte e publicamente, contra a deriva desumana do governo húngaro,
que nos recorda as horas mais negras que a Europa viveu no século XX.
Sei que muitos cristãos e católicos desafiam as leis
autoritárias desse governo e estão na rua, para ajudar numerosos refugiados.
Mas gostaria de ver também os bispos húngaros mais determinados na sua crítica
a este governo que invoca o nome de deus para melhor o apagar da praça pública
e do nosso continente.
É a si, Eminência, que cabe escolher, enquanto arcebispo de
Esztergom-Budapest, entre ser profeta ou ficar escondido pelo medo. Creio que
afrontar o poder e este governo anti-cristão é o dever de m pastor.
Com os meus cumprimentos
1 comentário:
o governo português e a embaixada da Hungria acusaram ter recebido... very polite!
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