14 setembro 2015

"engana-me, que eu gosto", ou: "jornalistas" que aprenderam bem com Goebbels, e em 2015 o pessoal continua a cair que nem patinhos, mas depois dizem que os alemães é que são incapazes de aprender com a História...


Se tivesse tempo para isso, passava o resto do dia a dizer palavrões por causa desta notíciadesta. Belos pedaços de bosta. Inventam praticamente toda uma notícia a partir de alguns factos verdadeiros, muito bem misturados com a sua descontextualização e uma imaginação fértil ao serviço da causa de denegrir a imagem de um país. A estas horas, o Goebbels deve estar a babar no túmulo: "Bons alunos, sim senhor, brilhantes! Caramba, eu não teria conseguido fazer melhor!"

O título do Daily News:


Housed in a notorious concentration camp: Refugees who fled to Europe for a better life are living in former Nazi barracks at Buchenwald where thousands of slave-labourers died after being subjected to medical experiments 

  • 21 male asylum-seekers living on site of Buchenwald concentration camp
  • Men are waiting for the asylum-seeker applications to be returned to them 
  • 56,000 prisoners died at the camp between July 1937 and April 1945 
  • Angela Merkel welcomed thousands of migrants to Germany in last week  


Read more: http://www.dailymail.co.uk/news/article-3230670/Housed-notorious-concentration-camp-Refugees-fled-Europe-better-life-living-former-Nazi-barracks-Buchenwald-thousands-slave-labourers-died-subjected-medical-experiments.html#ixzz3li7Z1v8u
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Um disparate e uma manipulação, que já se espalhou pelas redes sociais como fogo em palha seca, acompanhado por comentários chocadíssimos. Ora bem: quem acha que os alemães eram capazes de instalar refugiados no campo de concentração de Buchenwald sem qualquer problema de consciência, devia fazer um exame muito atento aos seus próprios preconceitos.

Não há refugiados no campo de Buchenwald, nem pode haver, por muitos motivos. Desde já porque no campo de Buchenwald não haveria onde alojar refugiados - a não ser que desfizessem os museus para os converter em dormitórios. Só gente ignorante e mal intencionada seria capaz de imaginar que os alemães alguma vez fossem capazes de fechar os museus de Buchenwald para usar os edifícios para outros fins. Além disso, a própria direcção do memorial de Buchenwald criticou dura e publicamente a decisão do município de Schwerte (que fica a centenas de quilómetros de distância) de utilizar temporariamente um edifício histórico desse tipo para alojar refugiados.

O artigo do Daily News, pondo lado a lado dois refugiados no seu quarto e uma fotografia icónica do horror de Buchenwald, é simplesmente de vómito. E o Sputnik News cobre-se de ridículo ao sublinhar a notícia de refugiados-em-Buchenwald!-ai,-que-horror! com uma sugestão de um político berlinense (portanto: sem nada a ver com Buchenwald ou Dortmund) sobre alojar temporariamente os refugiados no antigo aeroporto de Tempelhof, para que não fiquem na rua enquanto se procura para eles um alojamento condigno.

Os factos:

Pouco antes do fim da guerra, foi criado perto de Dortmund um centro de alojamento para presos russos e polacos, capturados no seu país para fazerem trabalhos forçados na Alemanha. O seu trabalho era reparar locomotivas; ao longo dos dez meses em que funcionou, o número de prisioneiros alojados nessas barracas variou entre 100 e 700 prisioneiros. Não é Buchenwald, é uma das centenas de centros de trabalhos forçados geridos por Buchenwald. Não tem nada a ver com extermínio, nem com a ideia de matar as pessoas com trabalho - é obrigar pessoas dos países conquistados a fazer trabalho escravo. O que é um crime, obviamente, mas ainda está bastante longe do "campo que exterminou milhares de pessoas" e das "vítimas de experiências de medicina", como referem os artigos. No fim da guerra as barracas dos prisioneiros foram destruídas, e só restou o edifício dos guardas, que foi usado sucessivamente como jardim infantil, atelier de artistas e alojamento para os refugiados da guerra da Jugoslávia. Depois disso ficou vazio, e foi classificado como memorial, para que não se esqueça o horror nazi.

Em 2015, Schwerte, uma cidade de 45 mil habitantes e altamente endividada (60 milhões de euros), não tem meios para alojar os refugiados dignamente. As condições actuais são inaceitáveis (por exemplo: em Janeiro deste ano, quando esta decisão foi anunciada e logo muito criticada, havia um grupo de 18 pessoas com apenas um quarto de banho, e dezenas de homens alojados num dormitório comum sem qualquer privacidade). O antigo edifício dos guardas do campo de concentração apareceu como uma solução de recurso, tanto mais que já foi usado para outros fins. A reacção da sociedade alemã foi de forte repúdio, e houve - ou não estivéssemos nós na Alemanha! - um debate alargado. Os autarcas de Schwerte compreendem as críticas, mas insistem que não têm meios para fazer melhor. E que o maior problema destes refugiados não é serem alojados em edifícios que lembram um momento tenebroso da História alemã, mas serem confrontados com a xenofobia de alguns grupos. Entretanto, há algumas semanas chegaram mais 150 refugiados a essa cidade, que foram alojados num ginásio, onde um grupo de voluntários trabalhou dia e noite para montar as camas necessárias.

Digam vocês: se fossem refugiados e tivessem de escolher entre ficar num pavilhão desportivo com mais 150 pessoas, ou partilhar um quarto com apenas mais uma pessoa num edifício que durante 10 meses foi usado por guardas de um campo de trabalhos forçados (e depois disso como jardim infantil, atelier de artistas e centro de refugiados jugoslavos), o que é que preferiam?

E se fossem o presidente da Câmara de uma cidade altamente endividada: preferiam gastar o dinheiro que não têm na compra de contentores para alojar os refugiados sem beliscar a sensibilidade histórica de ninguém, ou dar-lhes o alojamento possível, e aulas de alemão e formação profissional, para eles conseguirem arranjar emprego o mais depressa possível?

E porque estou mesmo furiosa com esta manipulação, e com os comentários que hoje li no facebook por gente que gosta de acreditar que os alemães não são flor que se cheire, cá vai um desafio: sabem fazer melhor que os alemães? Então façam. Escrevam ao presidente da Câmara de Schwerte a pedir que envie para a vossa cidade os 21 refugiados instalados no tal campo. Ele terá todo o gosto em recorrer à vossa ajuda para resolver este problema que também o incomoda muito.

4 comentários:

André Pereira Matos disse...

Concordo plenamente. Tem sido difícil responder adequadamente e com impacto ao jogo fácil da manipulação mediática e à curtíssima memória histórica dos cidadãos europeus. Obrigado por este esforço.

Helena Araújo disse...

Por este esforço vão... ;)

André Pereira Matos disse...

Como dizemos cá no Norte: "migalhas é pão". Vamos tentando, aos bocadinhos. :)

Jaime Santos disse...

Quem nos dera que os Portugueses tivessem tanta consciência do seu Passado (ou não fora Portugal responsável pelo maior quinhão do tráfico de escravos) como os Alemães têm do seu. É óbvio que isto tem que ver com a proximidade dos acontecimentos e com a insistência na educação histórica desde a infância, mas considero os Alemães no cômputo geral profundamente Anti-Fascistas (vivi 11 anos ao todo na Alemanha). São avarentos, um bocado conservadores seja em termos políticos seja em termos de costumes, são desbocados (a milhas dos seus compadres ingleses que aí pecam por defeito), vivem obcecados pelo perigo de Inflação Alta (quando o que trouxe Hitler ou poder foram as políticas de austeridade de Brunning) , mas nada disto impede que sejam pessoas decentes e que estejam a fazer o que está certo. Os Tugas deviam era ter vergonha de a Suécia (que tem mais ou menos uma população do tamanho da nossa) se prontificar para receber 80.000 refugiados e nós termos problemas em receber menos de 5.000 (!)...