02 junho 2015

parecia um filme, e o título podia ser - como é que dizia a Sarah Palin? - "há russos no meu quintal"

Esta manhã, quando regressava do passeio com o Fox, encontrei um dos vizinhos no passeio, a fazer-me sinais. Disse-me que havia um ladrão no meu jardim, e que parecia russo. De facto, havia um homem, de fato de treino, ofegante, a olhar para mim. Ficámos a olhar uns para os outros como a cobra e o coelho - a cobra era eu, claro, que tinha as portas de casa bem fechadas e estava protegida pelo Foxzinho.
(esta é a parte em que quem conhece o Fox se pode rir)

Antes de vir para o meu jardim, o homem já tinha tentado entrar à força num dos carros da equipa de filmagens que andam a fazer um policial aqui ao lado. Depois atirou-se contra a porta de uma vizinha, que (deixa-me não dizer nada, se calhar eu fazia o mesmo...) abriu a porta para lhe perguntar o que é que ele queria. Ele deu-lhe um empurrão, entrou pela casa dentro, e foi-se sentar num cadeirão na sala. A vizinha ligou à polícia, o homem saiu para o terraço, e daí voou para o meu jardim.

Do meu jardim fugiu para o do vizinho, que saiu de casa (depois confessou-nos que foi uma reacção um bocado pateta - mas estava todo contente porque tinha feito uma bela fotografia do homem) e assustou o intruso, que seguiu para o jardim seguinte, daí para a rua, e da rua para um jardim do outro lado. Por azar o dono da casa estava a sair nesse mesmo momento e disse-lhe que aquilo era propriedade privada. Entretanto a cena tinha três mirones muito atentos: o Fox, o meu vizinho do lado, e eu. E já havia dois tradutores de russo.

Depois aconteceu tudo ao mesmo tempo: chegou um carro da polícia, foram falar com o russo (com delicadeza, que eu bem vi - mesmo ao revistá-lo foram delicados, e evitaram ao máximo fazer uso da força), e de uma casa saiu um homem a querer saber o que se passava e, já agora, a dizer-me que tinha vendido o seu carro da marca do nosso, e se nós quiséssemos nos podia dar quatro pneus com jantes de alumínio, mais um tejadilho para cargas, mais uma protecção do porta-bagagens. Perguntei-lhe quanto queria por isso, e ele encolheu os ombros, "oh, um barbecue..." - não sei se é um aparelho grelhador ou se é um jantar cá em casa, o Joachim depois esclarece isso. Já disse hoje que adoro esta minha rua de aldeia?

Os dois polícias meteram o homem, algemado, no carro, e vieram até à casa da vizinha buscar o saco que ele lá deixara. O detido teve um ataque de claustrofobia, o polícia que estava com ele deixou-o sair do carro e tirou-lhe as algemas, um vizinho traduzia, disse que estava a pedir água, um dos polícias disse que era truque, mas depois veio pedir-me uma garrafa de água, e nesse momento o homem aproveitou para fugir para o jardim mais próximo. Lá foram os dois polícias atrás dele.

Foi nesse momento que chegou a dona da casa, viu o carro da polícia à frente da porta e pensou que era mais uma cena das filmagens.

Finalmente veio a ambulância que levou o homem - bem podia ter levado também um dos polícias, que estava todo empenado.

Ficámos por ali a digerir a comoção. Eu disse ao das filmagens que deviam ter filmado antes esta cena, tinham um belo policial e para mais com figurantes todos gratuitos. Comentámos o à-vontade com que deixamos a porta de casa aberta quando vamos para o jardim, ou "um minutinho" a casa dos vizinhos. Decidi que é hora de comprar o portão que temos andado a adiar até dias de melhores extractos bancários. Um vizinho dizia "mas não vamos ficar obcecados como os americanos, pois não?" e a outra vizinha, que é americana, em vez de dizer "veja lá como fala!" limitou-se a comentar que nunca deixa a porta aberta, nem para ir ao jardim, e muito menos se não está no aposento dessa porta, sobretudo desde que a mãe dela estava em casa com a porta do terraço aberta, e enquanto foi à cozinha entraram ladrões e levaram tudo.

Moral da história, 1 - A minha vida dava um filme (gostei especialmente do detalhe da vizinha que tinha no jardim um homem, provavelmente com problemas psiquiátricos, que ia a fugir da polícia, e achava que eram cenas das filmagens)

Moral da história, 2 - Pois lá vamos ter de juntar as últimas migalhinhas de euros que nos restam, e encomendar o portão. Depois desta cena, sinto a nossa casa demasiado vulnerável.

Moral da história, 3 - Como dizia a um amigo meu a criada da família, uma velhinha cheia de sabedoria: "Olhe, menino: problemas de quem tem!"

6 comentários:

Rita Maria disse...

Delicioso, tudo!

PS: Problemas de quem tem e aldeias de quem tem. Eu também moro numa aldeia e jantes grátis é o queriazelius, a não ser que sejam as tuas, cuja gratuitidade pode ser definida por terceiros ;)

Helena Araújo disse...

hehehe, roubaram-tas?
(desculpa, não me ri, aquilo foi um esgar automático)

Rita Maria disse...

Não, a mim só a maçaneta. Estava só a comentar por vias travessas que a tua aldeia tem uma composição muito específica e que por isso se presta a formas de convivialidade e de generosidade muito próprias ;)

(o que não lhes tira valor, muito pelo contrário)
(dito isto, eu não trocava os meus vizinhos pelos teus:))

Lucy disse...

que cena!

HY disse...

Adorei. Fez-me lembrar aquela vez em Bissau em que esperava os dois meus parceiros habituais de pequeno almoço (no único sítio onde se podia pequeno almoçar, o 24 Setembro) e eles chegaram acompanhados de um africano a quem haviam dado boleia (depois de ele ter confundido o Nhaye deles com um taxi) e o sujeito se recusava a sair do carro. Andaram a manhã inteira com o sujeito no carro, até que tiveram de chamar a polícia após o pobre diabo se ter trancado por dentro e arriscado a morrer de desidratação...

Ainda hoje me rio quando me lembro da cara deles com a cena...

Anónimo disse...

Honestamente, não considerava que na teutónica alemanha se pudessem passar cenas assim! Preconceitos! Folgo em ver que por aí se vive pacata e divertidamente!