Não sei se repararam: mal eu cantei uma ópera na Filarmonia, os filarmónicos reuniram-se em segredo e foram a correr buscar um maestro de ópera, famoso na colina de Bayreuth e de momento à frente da Bayerischen Staatsoper München. E nem esperaram pela minha repetição no domingo.
Não é por nada, mas...
Na segunda-feira de manhã a Filarmonia de Berlim anunciou uma conferência de imprensa em directo no Digital Concert Hall. Vinham confirmar o que entretanto já se sabia: tinha havido nova reunião, sem alarde nenhum, e o maestro escolhido para substituir o Simon Rattle era o Kirill Petrenko. Poupo-vos o bluff: só o conhecia vagamente, de ver o seu nome em cartazes pela cidade.
Durante a conferência de imprensa, o director da Filarmonia e alguns representantes dos músicos, todos sem gravata (será o efeito dominó do novo governo grego, a chegar já à capital da Alemanha?), anunciaram a decisão com alegria e segurança: que os concertos com ele foram sempre um prazer tão grande que a pergunta, no fim do concerto, não era se o voltavam a convidar, mas quando voltavam a trabalhar com ele. Também leram a mensagem que ele enviou após ter aceitado o convite para esse posto:
Não há palavras para descrever o que sinto neste momento: tudo, desde euforia e uma alegria enorme, a temor e dúvida. Vou usar todas as minhas forças para ser um dirigente digno desta extraordinária orquestra, e tenho consciência da responsabilidade e das enormes expectativas que recaem sobre mim.
Os jornalistas estavam irrequietos, queriam sangue. Perguntaram insistentemente sobre a reunião de Maio, lançavam iscos para armadilhas. As respostas foram firmes: "não queremos falar sobre isso".
(Vale muito a pena observar o que se está a passar na Filarmonia, a firmeza com que recusam alimentar esta sede de escândalo. Pode-se aprender muito com este caso. Tivesse o Clinton, a seu tempo, sabido responder assim, e o mundo tinha poupado um belo regurgitar da sarjeta mascarado de exigência moral.)
Sendo russo, imaginei que tinha passado pelo Bolshoi. E parece que sim, parece que vai ser uma delícia assistir aos seus concertos nos lugares por trás da orquestra:
E há ainda um pormenor interessante: setenta anos depois do período nazi, durante o qual esta orquestra aceitou pagar um preço demasiado alto para poder sobreviver, o seu novo director artístico é filho de judeus. Que, por sua vez, é famoso pelas suas interpretações de Wagner. A História não se apaga nem se esquece, mas o futuro parece estar a ser desenhado com traços de uma saudável normalidade.
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