Quem inventou o nome ARtMENIANS foi a Ana Vieira, numa estrada em Nagorno-Karabakh. Andávamos há dias aflitos a tentar encontrar um nome realmente bom, a Gulbenkian pressionava para poder publicar os seus programas, eu hesitava. Quando ouvi ARtMENIANS pela primeira vez, também hesitei (ninguém sabe, mas o meu verdadeiro nome não é Helena, é Hesita Araújo). À segunda vez senti-me conquistada: é isso mesmo! Arte para designar cultura, e cultura como estratégia de sobrevivência.
Um dos elementos que mais me toca neste filme são os exemplos de intelectuais e artistas que se dão conta do seu poder para ajudar aquela gente profundamente traumatizada a reerguer-se de uma tragédia desta dimensão. Pessoas que decidem entregar o bem-estar, a carreira e - alguns - a própria vida ao serviço do seu povo. Durante a montagem do filme, chamámos-lhes "os resilientes". Entre outros, há o caso do pintor que, em vez de ir para França tornar-se um dos artistas mais famosos da sua época, fica na Arménia a pintar quadros de cores radiosas e cenas de resistência serena à ideologia soviética (se o filme pudesse ter cinco horas, incluía ainda o momento em que esse pintor, famosíssimo no espaço soviético, em vez de meter uma cunha para safar o filho na II GM decidiu mandá-lo para Estalinegrado, "porque era lá que se jogava o futuro do seu povo"). Há o caso do escritor que tinha uma mensagem para os arménios, e a disse, sabendo que lhe custaria a cabeça - como custou, literalmente (se o filme tivesse cinco horas também contaria das filhinhas dele, de 2 e 3 anos, perdidas na rua até que uns vizinhos repararam nelas, porque o pai foi levado para a cadeia e a tortura, e a mãe - pelo simples crime de ser casada com esse homem - foi levada para um campo de reeducação, onde ficou esquecida durante décadas. O charme discreto do estalinismo...). Mais recentemente, há o caso dos historiadores que, um século depois de a presença arménia ter sido apagada da Turquia, iniciam na internet um projecto de reinscrever os arménios na História e na Geografia da região que foi a sua durante milhares de anos.
Enquanto trabalhava no filme, sentia-me impressionada com o tanto que estes temas têm a ver connosco. Como, por exemplo, na entrevista ao director de um centro de arte moderna em Yerevan, lhe fiz uma pergunta provocatória: porquê gastar o dinheiro em arte, em vez de o gastar na economia de um país? A resposta dele deixou-me a sorrir, e com vontade de contar a toda a gente em Portugal e na nossa Europa de cega austeridade.
E também há aquela miúda de cinco ou seis anos, aquela miúda amorosa e séria, que numa rua de Berlim recita para nós um poema enorme de Charents:
Vá onde for, não esquecerei nossos cantos de lamento
nem os livros de antigas letras, em oração convertidos;
quanto mais fundo o sofrimento me ferir o coração
mais te amarei, Arménia órfã, queimada de sangue, Arménia minha.
Essa criança passa os seus domingos na escola arménia de Berlim, a aprender o alfabeto, a História e as canções do seu povo. Ela, como tantas outras pessoas que transportam para o futuro uma herança cultural pela qual se sentem responsáveis.
E nós, portugueses e europeus? Que valores da nossa cultura queremos levar conscientemente para o futuro?
2 comentários:
Bom, cá estou eu. ( a senhora que detectou a altura). Não foram 5 horas, mas poderá sempre haver um Artmenians2. Quem sabe? É que me soube a pouco.
É, a mim também soube a pouco. As pessoas deram-nos tanto material valioso que cada tema bem podia ser desdobrado num filme.
Proponho aqui um debate, para quem quiser conversar sobre o filme, ou esclarecer alguma dúvida:
http://conversa2.blogspot.de/2015/04/artmenians-debate-sobre-o-filme.html
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