À hora marcada estávamos lá três. Eu disfarçada de "só vim cá tirar umas fotografias", e duas raparigas novas. Uma delas ia falando sobre a sua decepção em relação à Angela Merkel, "mantenho o respeito, porque é a Chanceler, mas a alegria já se foi há muito - o que ela faz enche-me de vergonha!"
As pessoas foram chegando, tímidas. Daí a pouco apareceu um organizador do AVAAZ a dizer que tínhamos de ir para mais longe, porque a polícia não nos queria a fazer um flash mob a meia dúzia de metros da grade da Chancelaria. Pareceu-me que até então a polícia não tinha sabido de nada - e só ficou a saber porque um dos participantes perguntou a um dos polícias de choque onde era a cena dos beijinhos. Fomos recuando, enquanto aqui e ali polícias confusos tentavam entender-se com as pessoas. Atravessámos a rua, fizeram o inventário: "Quem são os alemães do grupo?", perguntou um organizador. Quase todos levantaram a mão. "E os gregos?" - havia um rapaz.
Coitado do rapaz, pensei eu, se toda a gente desatar a beijocá-lo, vai ficar mais besuntado que os pés do menino Jesus na missa do galo.
Por sorte apareceram uns casais grego-alemães, que acederam de bom grado a beijar-se em frente às câmaras. Um dos casais, muito fotogénico, deu ali mais beijinhos do que, desconfio, na lua-de-mel inteira. Estavam com um ar muito feliz e romântico. Os fotógrafos insistiam, "e agora com aqueles cartazes por trás, e agora de perfil, e agora com a língua!" E eles, zimbas, não se faziam nada rogados. Tudo em nome do entendimento entre os povos. Amanhã devem estar em todos os jornais alemães.
Em frente às câmaras, apareceu mais um casal beijoqueiro: ele, grego, empurrava gentilmente a alemã sentada na cadeira de rodas.
E um terceiro casal apareceu: duas mulheres. Beijavam-se com entusiasmo, muito empenhadas em mostrar ao mundo que a Grécia e a Alemanha se dão às mil maravilhas.
Depois começaram todos a dançar. Alguém ensinou os passos brevemente, e cá vai disto. Mais alegria que coreografia - e é o que interessa.
Ao lado, um grupo dos Die Linke fazia a sua manif. A conversa do seu megafone ("fico muito feliz por estarmos aqui em tão grande número", dizia alguém para aquela meia-dúzia de manifestantes cheios de bandeiras e cartazes) misturava-se com a música da dança, mas ninguém parecia incomodado com o facto.
Entretanto chegou um grupo de rapazes adolescentes, o mais adolescente que se possa imaginar. Comentavam "parece que estão aqui para dizer que gostam de nós" (e fiquei com a impressão que havia ressentimento na voz deles) e depois "olha, há gajas boas! vamos lá para os beijos!". Um senhor de certa idade disse-lhes - com bons modos - que tivessem juízo. E a festa continuou.
"Este cão é grego", contou a dona. "Estava abandonado, e escolheu-me quando fiz férias na Grécia. Tive de o trazer."
"Ah, também tenho um assim. Espanhol. Já não o pude deixar lá."
"Ah, também tenho um assim. Espanhol. Já não o pude deixar lá."
Um exemplar da Constituição alemã, junto a uma pomba branca em crochet.
"Foi a minha filha que fez."
"Foi a minha filha que fez."
A seguir à dança houve um pequeno concerto - um dueto, muito aplaudido.
Fui-me embora quando alguém no grupo Die Linke se ria dos polícias de choque: "estes polícias estão aqui para proteger o Tsipras. Temem que nós tenhamos um ataque de entusiasmo e desatemos todos a correr para ele."
Tentei passar por trás da linha dos polícias, mas um deles disse-me que andar na rua é perigoso, e que devia ir à volta. Se calhar o que ele não queria era ter manifestantes a passar nas suas costas, mas foi simpático ter dito que era para o meu bem, em vez de me dar ordens desagradáveis. (Caio em todas as armadilhas pedagógicas, ainda é pior que nas da publicidade)
De modo que tive de atravessar o grupo de manifestantes. As pessoas sorriam, tinham um ar feliz.
1 comentário:
Vá lá que estava bom tempo. O sol, mesmo frio, dá logo boa disposição.
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