08 fevereiro 2015

"Precedente Histórico: a Grécia quer libertar-se das dívidas à maneira alemã" (um artigo no Spiegel.de)

Continuando o trabalho de fazer chegar a Portugal ecos do debate na Alemanha, traduzo, muito à pressa, um artigo que encontrei no Spiegel e achei interessante:


Precedente Histórico: a Grécia quer libertar-se das dívidas à maneira alemã 

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A Grécia quer anular grande parte das suas dívidas - tal como a Alemanha conseguiu, na Conferência de Londres. Mas será que esse sucesso histórico se pode repetir?

Verhandlungsführer Abs (r.) in London: Alles getan, um zuverlässig zu erscheinen
(Getty Images)
Abs (à direita): o chefe das negociações tudo fez para ter uma imagem de fiabilidade


Berlim - Os políticos gregos não costumam ter problemas com incursões no passado histórico. Até agora era costume irem até à Antiguidade, mas com a mudança de governo em Atenas começaram a preferir falar do passado recente - e da Alemanha.

O primeiro-ministro, Alexis Tsipras, e a sua aliança de esquerda, Syriza, pedem uma conferência da dívida e usam como exemplo as negociações de Londres, nas quais foi perdoada uma boa parte da dívida à Alemanha. "Isto também pode funcionar para o Sul da Europa e na Grécia."

Quais foram os resultados daquela conferência?

Sob a orientação de Hermann Josef Abs, que durante muitos anos foi chefe do Deutsche Bank, a jovem república negociou com 22 países uma dívida de 30 mil milhões de marcos. Esta dívida somava valores que vinham de antes da guerra aos do pós-guerra, resultando estes últimos de planos de auxílio tais como  o Plano Marshall. A Grécia também estava sentada à mesa das negociações.
Ao fim de negociações por vezes muito difíceis, conseguiu-se um acordo: as dívidas de antes da guerra foram reavaliadas por um valor mais baixo, a taxa de juro baixou e eliminaram-se os juros de juros. No que dizia respeito às dívidas criadas no pós-guerra, os EUA renunciaram a grande parte do reembolso desses créditos. No fim, a dívida alemã reduziu-se a 13,7 mil milhões de marcos. A Alemanha conseguiu assim reduzir a dívida para metade - tal como o Syriza pede agora para a Grécia.

Esta conferência ajudou a Alemanha?

Sem dúvida. No anos 50 o país assistiu a um desenvolvimento sem par. "O milagre económico seria impensável sem o alívio do orçamento de Estado conseguido na conferência da dívida", diz Albrecht Ritschl, professor de História Económica na London School of Economics.
Depois da primeira guerra mundial tinham sido impostos à Alemanha pagamentos de tal dimensão que agravaram muito a crise da República de Weimar e propiciaram a subida ao poder de Adolf Hitler. A indulgência mostrada pelos Aliados em Londres foi em parte uma reacção baseada nesta experiência.
A jovem República Federal tinha a seu favor - ao contrário da actual Grécia - uma forte base industrial. Paralelamente, programas como o Plano Marshall ajudaram a economia. E a Alemanha só estava obrigada a pagar a dívida nos períodos em que tinha excedentes comerciais. Tsipras pede agora algo semelhante: o pagamento da dívida deve estar dependente do crescimento económico.

Que paralelismos há com a Grécia?

O que estava em causa em Londres não era apenas o dinheiro. A Guerra Fria fazia com que as grandes potências tivessem grande interesse numa Alemanha economicamente forte como parceiro. Também em Bona se reconheceu a dimensão política destas negociações: o chanceler Konrad Adenauer deu instruções para que as negociações fossem feitas não pelo ministro das Finanças ou da Economia, mas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Do mesmo modo, o governo grego tenta relacionar a questão da dívida com a geopolítica. Tsipras mostrou, com a ameaça de veto às sanções contra a Rússia, que em termos de política externa estaria capaz de trilhar outros caminhos. Um conselheiro seu, Theodoros Paraskevopoulos, lembrou no Rundfunk Berlin-Brandenburg que o seu país se situa entre duas regiões em crise: a Ucrânia e a Líbia. "Nem quero pensar no que poderá acontecer se surgir um vácuo geoestratégico nesta região. Creio que os nossos parceiros também não querem fazer essa experiência."
Entretanto, Tsipras já moderou o seu tom, e já explicou, por exemplo, que a Grécia não quer pedir créditos à Rússia. Mas com a expulsão de facto da Troika, o governo Syriza deixou bem claro que não quer continuar a negociar com tecnocratas financeiros.

O que é hoje diferente?

Antes de mais, a base de negociação. "Muito do que foi negociado naquela conferência já foi feito no caso da Grécia", diz a historiadora Ursula Rombeck-Jaschinski, que se doutorou com um trabalho sobre a Conferência de Londres. O alívio nos juros, negociado em 1953 em Londres, há muito que foi concedido à Grécia, tal como a anulação dos créditos concedidos por privados - que foi em 2012.
Por outro lado, Giannis Varoufakis e Tsipras provocaram muita insegurança ao considerar que as eleições anulavam os acordos realizados sobre as medidas de poupança do Estado. A Alemanha, antes de poder sequer começar a pensar em negociações em 1951, confirmou pela voz do chanceler Adenauer que também era responsável pelas dívidas criadas pelo III Reich. "A Alemanha fez tudo para mostrar que era um parceiro fiável", diz Rombeck-Jaschinski. "O tom impertinente da Grécia é completamente diferente."
O governo grego também anunciou que vai recuar em grande parte das reformas. O governo Adenauer apostou num rumo de mercado. "Houve uma violenta resistência por parte dos movimentos de trabalhadores", diz Ritschl. "Tenho estado a ver as actas e surpreendo-me com a dimensão desse conflito."
Além disso, em Londres estava-se perante uma Alemanha que ainda não estava integrada numa zona monetária. Hoje sentar-se-iam à mesa países como Portugal e a Irlanda, que em troca de créditos de auxílio se tiveram de submeter a um programa de austeridade. Os seus governantes teriam dificuldade em explicar em casa porque é que a Grécia é o único país do Euro que tem um tratamento especial.

A conferência da dívida pode ser um exemplo?

Uma conferência dessas não se pode repetir exactamente da mesma forma. Mas há pelo menos uma lição que se pode tirar da História: um único país podia contribuir para um acordo.
Também em 1953 houve muita resistência a um perdão da dívida, particularmente por parte da Holanda. No fim, os americanos conseguiram impor a sua visão, já que, segundo Rombeck-Jaschinski, "tinham na mão a chave para resolver o problema". Ao renunciar ao pagamento dos créditos que tinham concedido no pós-guerra, convenceram os outros credores a ser igualmente generosos. O papel dos EUA tinha de ser hoje assumido pela Alemanha - insiste também o ministro das Finanças Varoufakis. Numa entrevista ao jornal Die Zeit pediu um "Plano Merkel segundo o exemplo do Plano Marshall" e disse que a Alemanha, como o país mais poderoso da Europa, tem de "assumir a responsabilidade pelos outros".
O historiador económico Ritschl entende que vale a pena pensar num novo Plano Marshall para a Grécia, bem como num perdão parcial da dívida. Mas é decisivo saber que reformas estariam ligadas a um Plano Merkel. Se houver muito "Ludwig Erhard" nesse plano, então sim. Se não houver, então não vai ajudar nada.


1 comentário:

Júlio de Matos disse...



Irónico, sem dúvida...


A História não se repete - vinga-se?