Este ano fui com uma amiga ao mercado de Blankensee. Eles têm sempre uma feira de velharias onde já comprei muitos contributos para enxovais de filhos de amigos, de modo que ia toda contente a pensar no próximo serviço de louça inglesa ao preço da chuva, e num conjuntinho de chávenas para dar à minha filha, ou para acrescentar a estas que dei no ano passado a uma amiga:
Mas, triste vida: este ano não fizeram mercado de velharias. As senhoras que o organizam estão todas doentes, disseram. As senhoras que o organizam, diga-se de passagem, no ano passado juntaram aos meus dois caixotes de louça (e à cartola centenária, e à máquina de escrever antiga) um anjinho e um bilhete escrito à mão, a lápis, a desejar feliz Natal e a dizer que gostariam muito de me ver no ano seguinte. Não era marketing. As pessoas daquele mercado de Natal são assim mesmo: especiais.
Queríamos provar toda a comida que lá havia, mas infelizmente tínhamos o nosso espaço vital sob ocupação do pequeno-almoço. Pelo que na barraquinha das Maultaschen pedimos a porção mais pequena, dividida por dois pratos. Os vendedores cochicharam alguma coisa entre eles, eu pensei que nos estariam a cortar - justificadamente, aliás - na casaca, mas não: estavam a combinar que nos ofereciam os dois pratinhos do caldo delicioso com meia Maultasche para cada uma. Não é marketing, eles são mesmo assim, mas comprei-lhes logo um pacote de uma dúzia, e a minha vontade era comprar todas.
Ao fim de umas voltas fomos aquecer para dentro da igreja, que nesse fim-de-semana se transforma em pavilhão polivalente. Perguntámos a uma senhora velhinha se nos podíamos sentar à mesa dela, para tomar o nosso café, e ficámos por ali a conversar. Ela contou um pouco da história dessa comunidade cristã, dos problemas que a aldeia comunitária teve com os nazis, da expropriação no tempo da ocupação soviética, do comandante russo que, ao devolver as casas que tinham sido quartel russo durante quatro décadas, pediu que rezassem por eles. "E nós rezámos", dizia ela, "porque foram sempre bons vizinhos e iam partir para a insegurança da terra deles."
À despedida, agradeceu-nos aquela conversa.
Voltámos para Berlim, num entardecer lindíssimo. Nem conseguia conversar, só repetia, fascinada: "olha-me esta luz! olha-me para isto!" - e finalmente encostei o carro e saímos as duas para saborear com calma os últimos raios de sol naquele bocadinho de Brandemburgo.
Já em Berlim, resolvemos ir espreitar o Jagdschloss Grunewald. A fila era enorme, e a minha amiga disse que a culpa era minha, por fazer tanta publicidade àquele mercado de Natal. Deve ter razão, e por isso no próximo ano vou-lhes pedir uma comissão nas entradas.
Este ano tinham barraquinhas entre o palacete e o lago, e numa delas mostravam como imprimir motivos em tecidos.
À parte estar ainda mais cheio que de costume, e faltar a neve que o torna mágico, o mercado deste antigo palacete de caça estava muito bom. Parámos um pouco a ver a peça de teatro que repetem todos os anos, e todos os anos nos faz rir.
Saímos do mercado por volta das cinco e meita da tarde, era já noite cerrada.
Pois: ninguém disse que o Outono em Berlim tem de ser perfeito, perfeito, o que se chama perfeito.
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