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Parece que a Merkel disse não sei quê não sei onde (teve tanto impacto na Alemanha, que não se encontra o original em sítio nenhum - isto até parece o TTIP...) e em Portugal, como de costume, uns ficam todos afrontados e outros dizem que a senhora até tem razão.
Ora bem:
- Pode um político estrangeiro (para mais, um político que tem, de facto, imenso poder sobre os outros países) mandar postas de pescada sobre países alheios? Não sei se pode, sei que se faz muito. Por exemplo: há tempos ouvi o Bruno Maçães, aqui em Berlim, dizer nas barbas de membros do governo alemão que "os amigos existem para fazer críticas construtivas" e que "seria muito positivo que a Alemanha começasse a melhorar os seus serviços, que têm uma qualidade deplorável e dificultam muito a vida aos outros países". Foi mais ou menos isto, e não me pareceu que alguém naquela sala ficasse incomodado.
- Independentemente de gostarmos ou não da Merkel, ela não tem dado grandes provas de estar sinceramente preocupada com o futuro de Portugal, ou sequer bem informada sobre a situação dos portugueses. Não é ela que nos vai resolver os problemas. Os nossos problemas têm de ser resolvidos por nós, e pelos políticos que soubermos eleger. Há aqui muito trabalho a fazer, trabalho muito árduo, e mais valia começar já a fazê-lo, em vez de perdermos tempo a discutir o que é que a Merkel talvez tenha dito algures.
- Não sei se temos licenciados a mais ou a menos. Isso não se debate em termos comparativos ("mais ou menos que a Alemanha" é um disparate e uma subserviência). Fundamental era pensarmos numa perspectiva de desenvolvimento económico para o nosso país no contexto da economia europeia, da globalização e da resposta aos problemas do nosso tempo, e apostar em formar pessoas para isso. Mas sem esquecer que um país saudável precisa de diversificação, e de - vou simplificar - "licenciados improdutivos" que pensem o país e a sociedade, e o ajudem a refocar-se.
Concretamente (e - aviso já - sem pensar mais do que meio minuto): um país com mar, vento e sol está a gritar para ser um centro de investigação europeu de energias alternativas e de biologia marinha (nomeadamente na área da indústria alimentar não poluente e não depredatória). Um país com o nosso clima e a nossa localização geográfica bem podia investir mais na agricultura e na pecuária biológica para fornecer os países europeus setentrionais. Nestas áreas temos licenciados a menos, e os que existem às tantas estão a trabalhar em call centers ou a fazer artesanato urbano.
A questão não é, portanto, o número ou a percentagem de licenciados que temos, mas o modelo de desenvolvimento que ainda não soubemos encontrar. Não nos deve interessar o que a Angela Merkel diz, mas o que temos para lhe dizer: é preciso congregar os esforços de todos os países europeus para desenvolver as periferias de modo estável. Mas para isso era preciso confiarmos mais uns nos outros, e que os países mais ricos da Europa estivessem dispostos a cooperar e a abrir mão de algumas das suas mais-valias. E tínhamos de ter políticos com mais sentido de Estado e uma visão para o país (e, já agora, sem o rabo preso nos escândalos bancários, nos lobbies económicos, nos arranjinhos vários). Ora, isso é que é difícil. Muito mais fácil é baixar os salários mínimos para as empresas portuguesas poderem concorrer com as chinesas, deixar os licenciados emigrar, e insultar a Merkel no facebook e no café.
ADENDA: a Helena Ferro de Gouveia encontrou o original, e traduziu-o:
“Eu peço a todos vocês para tornarem claro nos vossos discursos em escolas e perante jovens : a formação profissional é um excelente pré-requisito para levar uma vida em prosperidade. Não tem necessariamente que se ter tirado um curso superior. Isto é muito, muito importante. Faremos tudo o que estiver em nosso poder, também a OCDE, que nos fornece muitos números úteis, para lembrar que não é uma “descida” social se o filho ou a filha de um trabalhador qualificado completa ele próprio uma formação como trabalhador qualificado e, em seguida, se torna num bom técnico. Internacionalmente reconhece-se que não é uma “descida” e que isto não significa que o sistema de educação tenha fracassado. A nível internacional isto não é visto como uma "subida", o que significa que o sistema de educação falhou.Temos de abandonar a ideia de que o ensino superior é o Nonplusultra para uma carreira bem sucedida. De outra forma não poderemos provar a
países como Espanha e Portugal, que têm demasiados licenciados e procuram hoje vias de formação profissional, que isso é bom”.
países como Espanha e Portugal, que têm demasiados licenciados e procuram hoje vias de formação profissional, que isso é bom”.
„Ich bitte Sie alle, auch in Ihren Ansprachen in Schulen und mit Jugendlichen immer wieder deutlich zu machen: Die berufliche Ausbildung ist eine herausragende Voraussetzung, um ein weiteres Leben im Wohlstand führen zu können. Man muss nicht unbedingt studiert haben. Das ist ganz, ganz wichtig. Wir werden alles, was in unserer Macht steht, tun, auch die OECD, die uns ja viele sinnvolle Zahlen zur Verfügung stellt, immer wieder einmal zu ermahnen, dass es kein Abstieg ist, wenn der Sohn oder die Tochter eines Facharbeiters wieder eine Facharbeiterausbildung absolviert und anschließend Meister oder ein guter Facharbeiter wird. Das gilt heute schon international nicht als Aufstieg, und es heißt dann, dass das Bildungssystem versagt. Diese Bezogenheit auf das Hochschulstudium als das Nonplusultra jeder gelungenen beruflichen Karriere ist etwas, was wir natürlich wegbekommen müssen. Ansonsten werden wir Ländern wie Spanien und Portugal, die viel zu viele Hochschulabsolventen haben und heute nach der beruflichen Ausbildung schauen, nicht beweisen können, dass das gut ist“.
5 comentários:
Certeira, como sempre.
Apenas o primeiro parágrafo a crítica do Bruno Maçães diz respeito ao funcionamento burocrático dos serviços (penso eu) e não põe em causa direitos fundamentais.
Enquanto que a crítica da Merkle põe em causa o direito à Educação (superior neste caso). Provavelmente, ela queria dizer o mesmo que tu, que é preciso reestruturar cursos superiores e apostar no ensino profissional.
Eu não tenho dúvidas da importância de um bom ensino profissional, que ainda não temos, mas fazer-nos acreditar que somos um país que não precisa de tantos licenciados, porque, enfim, somos pobres, é muito mau.
Além disso, se não fossem os nosso s licenciados, a Merkle não tinha tanta mão de obra especializada e barata na Alemanha.
Calita,
penso que o Bruno Maçães estava deliberadamente a provocar a Alemanha, numa de "escusam de falar com arrogância dos outros, porque vocês também não são perfeitos".
Eu não estava a falar de reestruturar o ensino. Estava apenas a dizer que antes de sabermos se temos licenciados a mais ou a menos, temos de saber para quê. Se é para concorrer com os têxteis chineses, temos a mais. Se é para nos tornarmos um país europeu com uma economia moderna, temos a menos.
Tens toda a razão no último ponto. É uma tristeza. Mas olha que também há muitos alemães que vão para outros países. Desde que vi como é que os EUA se aproveitam das melhores cabeças do mundo inteiro, que me questiono sobre esta liberdade de receber o ensino gratuitamente, e ir vender os seus resultados noutro país, ao melhor preço.
Já pus o link no Facebook, onde já me fartei de comentar sobre o assunto. Obrigada por este post, que me facilita a vida :)
Mas então os portugueses, licenciados ou não, a trabalhar na Alemanha não são pagos como os outros trabalhadores, sejam eles alemães, gregos, iranianos ou turcos? A mão de obra barata costuma ser explorada no país de origem, ou seja, quando uma firma alemã resolve abrir uma filial em Portugal, aproveitando-se dos salários mais baratos. Mas isso é visto pelos locais como vantagem, pois cria emprego.
Estou maravilhada com o teu blog. Este é o segundo post ( apesar de gostar de todos os que li até agora, e tem sido de rajada! ), que me suscita um "pois, eu também acho !!!". É que o discurso tem sido " ai, coitadinhos dos jovens licenciados e coiso... ", quando deve ser " ai coitadas das pessoas em geral com esta falta de emprego ". Penso exatamente como tu, quando vejo certos lamentos e penso que é o Estado quem está a perder e a gerir mal o dinheiro. Os jovens nada perdem, recebem educação superior quase gratuita, e depois emigram para receber três vezes mais do que o salário que receberiam aqui. O problema não é como reter os jovens , sim, como pô-los a render aqui, e a enriquecer, pq não?
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