26 agosto 2014

Daniel Barenboim e a West-Eastern Divan Orchestra no anfiteatro Waldbühne



Apesar da chuva que se anunciava, fomos para a Waldbühne. Que nós "não somos feitos de açúcar", e essas coisas que se dizem nesta cidade que insiste em ser feliz apesar do clima. Além disso, o concerto era muito especial: o Daniel Barenboim e a sua (e do Edward Said) West-Eastern Divan Orchestra, com músicos israelitas e árabes.
A orquestra foi criada para promover o entendimento e o diálogo entre esses povos. E algum resultado conseguiu nestes 15 anos de funcionamento porque, a despeito da recente guerra criminosa (perdoe-se a tautologia) em Gaza, os músicos foram capazes de tocar em harmonia. Ouvindo-os, e lembrando as cenas atrozes que têm enchido os noticiários das últimas semanas, senti alguma estranheza: como é isto possível?
Como teriam sido os ensaios, e os debates? Como conseguir a necessária sintonia para fazer música entre pessoas que pertencem a grupos tão antagonizados? Não terá sido fácil. Alguns músicos andaram a insultar-se no facebook, e Barenboim enviou uma mensagem a todos, apelando a que se exercitassem mais naquilo que é fundamental para um bom músico: a arte de ouvir - para que a orquestra continue a ser um "farol de esperança". Pelos vistos as coisas melhoraram quando todos se encontraram frente a frente, e terá acontecido uma espécie de milagre que tornou possível a tournée deste ano.

O programa informava ainda que em fins de 2016 será inaugurada a sala da academia Barenboim-Said em Berlim, uma sala com 650 lugares para ensaios e concertos de música de câmara, com projecto de Frank Gehry. Servirá alunos de música israelitas e árabes, no mesmo espírito de diálogo e construção de pontes que é o desta orquestra.



O concerto começou com Mozart, e Barenboim ao piano. Um pianista extraordinário, capaz de trazer leveza e intimidade ao espaço desmesurado da Waldbühne. Capaz também de revestir Mozart de uma impressionante modernidade.




Depois do intervalo, Ravel: música espanhola feita por um francês, tocada por uma orquestra de pessoas do Médio Oriente que ensaia em Sevilha. A orquestra conseguiu alguns momentos de perfeito fogo.
Terminou com o Bolero, e Barenboim recostado, as mãos bem presas à barra do estrado. Como se nos quisesse provar - a nós, ou a eles? - que os seus músicos sabem ouvir-se e tocar em conjunto, sem intervenção do maestro. Sim, sabem ouvir-se. Não saberão resolver todos os problemas que torturam os seus povos, mas são um sinal inequívoco de esperança.





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