03 fevereiro 2014

será que faz por não ver, que vai com os outros, que é oportunista - ou será talvez o cabecilha?

A entrevista que Manuel Damásio, presidente do Conselho de Administração da Lusófona, dá à SIC levanta-me várias dúvidas:

1. Este discurso é o de alguém que faz questão de não ver, ou de alguém que vai acriticamente com os outros, ou de um oportunista que aproveita as dinâmicas do tempo em proveito do seu estabelecimento, ou de alguém que potencializa as dinâmicas do tempo em proveito do seu estabelecimento?

2. Se eu quiser vender a minha banha da cobra, posso usar o símbolo da Lusófona e pespegá-lo na minha papelada para dar um ar mais oficial, e essa empresa não reage? Desde que eu faça isso com o meu computador e depois imprima, não há problema? É o que ele diz, quando inquirido sobre o uso do carimbo da Lusófona no termo de responsabilidade criado por um organismo de alunos que ele insiste em desvincular dessa escola: "Carimbo não tinha. (...) Quem imprimiu isso - basta pegar no computador para fazer aquilo - pôs lá o símbolo da Universidade."

3. Ele teria falado no mesmo tom se tivesse à sua frente não uma mulher mas um homem alto e espadaúdo e com um timbre de voz mais grave que o dele? (bem sei que não é muito importante, mas desde que tenho um cão reparo mais nestes pormenores)

***

Enquanto o ouço, penso na Ursula Thrush - a directora da primeira escola dos meus filhos, em San Francisco. Viveu os horrores da segunda guerra mundial, e decidiu que um dos objectivos primordiais da sua escola seria a educação para a Paz. Era um gosto ver crianças de três anos a brincar sem violência, e sentadas à "Peace Table" a aprender a resolver verbalmente os seus conflitos.

Penso na Jenaplan de Weimar, a escola primária dos meus filhos, com turmas compostas por alunos de todos os anos, também com o objectivo de trabalhar as competências sociais das crianças - nomeadamente dando aos mais velhos o papel de integrar os mais novos, acompanhá-los e dar-lhes orientação.

Penso no liceu da minha filha, em Berlim, com tolerância zero em relação a qualquer comportamento desviante (e já era considerado comportamento desviante fumar num perímetro de 200 m da escola...). Podemos concordar ou não com estas regras severas, mas uma coisa é certa: a escola tem princípios e regras, e sabe fazê-los respeitar.

Penso no director do liceu do meu filho, que não teve a menor dúvida em castigar duramente todos os finalistas quando um grupinho decidiu que as "Partidas dos Finalistas" (uma tradição importante e muito respeitada) incluiriam deixar fezes à porta da escola. Nesse ano não houve cerimónia oficial de entrega de diplomas para ninguém.

Penso na preocupação comum a pais e professores dessa escola, quando realizaram um debate sobre o que fazer para pôr fim a comportamentos inaceitáveis de degradação do material e do ambiente escolar (riscar mesas, deitar lixo para o chão, entupir propositadamente sanitas).

Penso nesses exemplos, e chego à conclusão que Manuel Damásio, o presidente do Conselho de Administração da Lusófona, não teria lugar em nenhuma destas escolas. Nem sequer como limpador de retretes. Até para limpar retretes escolares é preciso ter um conjunto mínimo de princípios, que ele não exibiu nesta entrevista.

E (eu a chover no molhado) em nenhuma destas escolas se permitiria sequer sonhar praxes como as da Lusófona. Alunos que experimentassem esse tipo de comportamentos acabariam muito provavelmente numa escola para "pessoas com necessidades educativas especiais". Professores e directores escolares que permitissem este tipo de comportamentos (ou alegassem que não era nada com eles, que era lá uma coisa da liberdade dos alunos) seriam confrontados com um processo de despedimento imediato com justa causa.

Olhar para o que se tem permitido à praxe em Portugal a partir da experiência de mais de duas décadas a viver neste país chega a ser doloroso. "Wehret den Anfängen!" é uma frase que a História ensinou aos alemães: cuidado com os começos - há que identificar o perigo e reagir sem hesitação quando o mal começa a germinar. Em Portugal infelizmente, a sociedade deixou germinar e ganhar raízes imensas. A desinfestação vai dar muito mais trabalho.


5 comentários:

Pedro disse...

É assustador o rumo que as coisas estão a tomar; é bom saber que noutras paragens as coisas são diferentes; não consigo perceber as origens das diferenças (não estamos a falar de humanos vs marcianos).

Helena Araújo disse...

A origem da diferença pode estar na timidez da autoridade. Brandos costumes...
E também na pouca consciência da cidadania.
Hoje à noite vai haver um debate sobre a praxe no P&C, em Coimbra.
Já estão a convocar uma manif pró-praxe para a frente do edifício. Num país sem medo da autoridade, a polícia ia lá e dispersava os manifestantes num instantinho.
E num país onde as pessoas têm consciência dos seus deveres de cidadania, organizava-se uma contra manifestação, para impedir esta turba de chegar perto do edifício. Há dias o meu filho participou numa manif dessas para impedir os neonazis de desfilar em Magdeburg. Eram 10.000 contra 1.500 neonazis. E garanto que os neonazis metem muito mais medo (muito mais medo!) que um bando de pinguins.

sem-se-ver disse...

Penso nesses exemplos, e chego à conclusão que Manuel Damásio, o presidente do Conselho de Administração da Lusófona, não teria lugar em nenhuma destas escolas. Nem sequer como limpador de retretes. Até para limpar retretes escolares é preciso ter um conjunto mínimo de princípios, que ele não exibiu nesta entrevista.

lindo :)

(tou a ver o prós e contras)

umademim disse...

faculdade de arquitectura do porto, setembro de 2013,sessão de abertura aos alunos do primeiro ano com a direção da escola: " nesta escola não se admitem praxes"
sou ex aluna desta faculdade, no meu tempo era uma questao que partia dos alunos, felizmente hoje tambem parte do corpo docente. nesta historia que despoletou a discussao sobre as praxes o cerne a meu ver está de facto nas escola são elas que têm de definir regras...se as admitem assumam todas as responsabilidades do que lá se passa.

umademim disse...

nem todas as faculdades em portugal são o espelho da referida.....ufa!