22 dezembro 2013

russian space dogs - Laika no espaço ou: há russos em Marte?

Mais um presentinho do Speedy Gonzalez.
(A ver se entre eu e ele conseguimos traduzir uma versão revista e aumentada das Bodas de Canaã, que vem no livro mais recente do Kaminer. Mas talvez só lá para a Páscoa.)




Russian space dogs - Laika no espaço ou: há russos em Marte?

Wladimir Kaminer

A emocionante competição na conquista de Marte, em que americanos e europeus há algum tempo se envolveram, foi observada pelos russos com um distanciamento calmo. Enquanto a imprensa americana e alemã publicava parangonas que criavam uma espécie de dinâmica de countdown - "A ESA apresenta sensacionais fotos de Marte!", "Spirit com problemas técnicos na superfície do planeta" - a imprensa russa titulava esta matéria com um fleumático "Engarrafamento em Marte". Onde estavam os europeus e os americanos na época em que nós enviámos o primeiro Sputnik, o primeiro cão, o primeiro homem e o primeiro foguetão para o espaço? Ainda os outros gatinhavam, já os russos andavam no espaço. A conquista do espaço era, na altura, o grande trunfo da União Soviética para a competição com o Ocidente. Sempre que na Terra socialista alguma coisa não funcionava assim tão bem, o governo soviético podia apontar para cima e mostrar: ali estava um de nós, dentro da cápsula.
Em 1957 os russos enviaram o primeiro Sputnik para o espaço - a esfera não era maior que uma melancia, pesava 84 quilos e deu a volta à Terra em 98 minutos. Os americanos ficaram petrificados.
"Estamos à mercê dos russos", anunciou o escritor americano Paul Dickson no seu livro "Russian Sputnik: The Shock of the Century". "Durante muito tempo subvalorizámos os russos e rimo-nos das suas aptidões, dizendo que não vai haver nunca uma bomba atómica numa mala de viagem, porque os russos conseguem fazer bombas atómicas mas são incapazes de produzir uma mala de viagem. Agora podem usar os Sputniks para lançar as suas bombas sobre nós, como rapazinhos que, de cima de um viaduto, atiram pedras aos carros.", lamentava-se Dickson. Como medida defensiva, os americanos tentaram a toda a brida lançar o seu próprio Sputnik para o cosmos. A esfera americana era tão grande como uma laranja, e fez um voo de curta duração: a Vanguard 1 fez um percurso de exactamente 34 centímetros, caiu e explodiu. Os russos não tomaram conhecimento disso, por aquela altura tinham descoberto um novo passatempo - observar o Sputnik. Noite após noite, os jovens subiam a torres e telhados e punham-se a olhar para o céu. Quem não tivesse visto, ao menos uma vez, a nossa "estrela voadora" era um falhado. Os jornais soviéticos publicavam diariamente a rota do Sputnik para demonstrar quantas vezes a esfera sobrevoara a América em cada noite. Nesse país, havia cada vez mais pessoas em pânico. "Já foi anunciado o próximo passo da invasão soviética", escrevia o New York Times, "no próximo ano os soviéticos vão levar dois oficiais a Marte". Eisenhower, o então Presidente dos Estados Unidos, viu-se obrigado a acalmar o povo: o Sputnik seria um mero boato da propaganda soviética. "As imagens aéreas são falsificações, trata-se apenas de contos russos", disse ele numa entrevista. Enganava-se. Desde que me lembro, sempre houve homens do meu país, e às vezes até mulheres, às voltas no Universo. No anos oitenta, as notícias sobre a partida de um novo foguetão deixaram de ser uma sensação - tornaram-se, por assim dizer, uma banalidade.
Os nossos cosmonautas passavam meses e anos no cosmos, voavam a dois, a três ou a quatro, encontravam-se lá com outros cosmonautas e trocavam souvenirs, e atravessavam os nossos noticiários da noite flutuando levemente com tubos nas mãos. O que fariam lá em cima, isso ninguém sabia. Uns regressavam doentes à terra, outros vinham mortos. Alguns não regressaram nunca.
E quanto pior ia o Socialismo, mais voos se faziam. Até mesmo quando o Socialismo se desmoronou, havia um de nós a dar voltas ao planeta - e já há vários anos. O último cosmonauta soviético deve ter sofrido um grande choque quando regressou à Terra. Desde então, as prioridades da Rússia tornaram-se mais terrenas - e concentram-se, por exemplo, mais na Chechénia que no universo. Contudo, a verdadeira dimensão da investigação dos outros tempos continua a ser uma incógnita. O governo soviético mantém o segredo sobre muitos factos. Hoje em dia há quem suspeite que havia muitos mais cosmonautas, e que eles voaram muito além do que se pensa. Volta e meia fala-se da alunagem secreta dos russos, em 1968, que na altura foi modestamente apresentada ao público como "Sonda espacial 4". Há alguns indícios de que os cosmonautas russos andaram na Lua - mas nenhum regressou.
Terá o governo soviético desenvolvido uma investigação espacial sem respeito pelos direitos humanos e, para conter os custos, enviado os cosmonautas para planetas longínquos sem bilhete de regresso?
Será que morreram todos? Ou há mesmo russos em Marte? Será que encontraram lá água, fizeram fogo e cozinharam uma sopinha com uns microorganismos extraterrestres quaisquer?
Nos filmes americanos de ficção científica, os cosmonautas russos aparecem sempre como bêbedos com barba de vários dias e estranhos gorros de pele, que vagueiam à volta da Terra nas suas cápsulas ferrugentas e se socorrem de um martelo e uma foice para manejar os seus curiosos instrumentos de navegação. E é bom que seja assim, para que os jovens cientistas do espaço não percam a coragem. Os russos sabem muito bem que sem eles ninguém consegue ir longe no Universo.
"Os americanos só querem fazer publicidade para o seu software, os alemães para os fantásticos instrumentos de medição e os chineses querem mostrar que têm combustível em quantidade suficiente. Mas quando for preciso decidir quem vai viver e trabalhar em Marte, aí vão lembrar-se de nós" - estava escrito recentemente num jornal russo. As condições climáticas em Marte são semelhantes às da Sibéria, e além disso os russos têm uma larga experiência de viver com falta de ar.


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