03 dezembro 2013

Bach sem peruca


Por estes dias a Janine Jansen tem andado a passear Bach pela Alemanha, e ontem trouxe-o a Berlim.
Um Bach só dela: leve, cheio de energia, jovem - e sem peruca. Quase me apetecia esfregar os ouvidos: é mesmo Bach?! Ouvindo com cuidado encontrei o meticuloso contraponto, a matemática da composição - mas articulados com tal leveza e vitalidade que imaginei um Bach de cara lavada, sem pó nem cabeleira. Johann Sebastian Bach ainda, mas em sapatos de desporto, a fazer jogging pela manhã, a dançar solto pela casa.

O concerto chamava-se "Janine Jansen and Friends" - amigos: na sua mão o Barrere de Stradivarius, no cravo o pai e no violoncelo o irmão (dois músicos com quem ela aprendeu desde muito cedo que o mais importante da música de câmara é ouvir os outros). E dois solistas extraordinários - Fredrik Paulsson no concerto para dois violinos e Ramón Ortega Quero no concerto para violino e oboé em dó menor.

Procurei na internet gravações destes concertos com os músicos que tocaram ontem, mas tem sido difícil. Encontrei apenas o concerto para dois violinos em ré menor, com o Leonid Kavakos, mas ao qual falta o entendimento e o jogo de suspense e tensão que ela teve ontem com Fredrik Paulsson:



Para dar uma ideia do diálogo entre a Janine Jansen e o Ramón Ortega Quero, aqui há pequenos excertos do concerto in c minor (a partir de 3'25''):



O oboé em nada ficava atrás daquele violino. Fresco e optimista, com um fraseado impecável. Desconfio que o Ramón Ortega Quero tem pulmões de golfinho - garanto que ele toca trechos de cinco minutos sem parar para respirar. (Bom, talvez esteja a exagerar ligeiramente...)

Por mim, o espectáculo podia ter terminado logo no Adagio do concerto para violino e oboé, e já ia para casa satisfeita. Mas tocaram também o Allegro e depois, devido ao entusiasmo inabalável do público, deram de encore o "Erbarme Dich, Gott", da Paixão segundo São Mateus, com o oboé a tocar a parte do contralto. Saí da Filarmonia a levitar.

Na rua havia o russo do costume a tocar balalaica. Já me aconteceu outras vezes - por exemplo, quando saía embalada pelo "Lied der Erde" cantado pela Magdalena Kožená, e ele ali, com as suas melodias eslavas no tri-li-li de cordas metálicas. Ele toca muito bem, e precisa com certeza do dinheiro, mas naqueles momentos apetecia-me era pagar-lhe para ele não tocar.


Secção Caras

O Ramón Ortega Quero está desde ontem na minha lista de incontornáveis. Que beleza!
E ainda por cima toca maravilhosamente. E é muito simpático.

Janine Jansen vinha num vestido vermelho perfeito: o decote assimétrico, o corpete tufado horizontalmente, a saia cujo tecido finíssimo quase sugeria transparências. O cabelo solto, por vezes acompanhando a sua música. Apesar de estar na primeira fila do bloco B, arrependi-me muito de não ter levado os binóculos: apetece ver esta mocinha a 250%, e de preferência em slow motion.

A fila para assinar os CDs estava muito comprida, e eu cansada. Mas esta manhã estou a ouvir algumas peças deste Bach inventado pela Janine Jansen e já me arrependi de não ter esperado um pouco mais. Seria possível rodar o tempo umas horinhas para trás?

O vestido vermelho pode-se ver muito bem aqui, a partir de 28'20'' (um solo de Bach):




3 comentários:

Anónimo disse...

Adorável postagem, Helena. E que bom gosto heim?

Lembrou-me uma historinha que li há muito sobre Bach. Depois que morreu algumas de suas partituras foram vendidas a um açougueiro para embrulhar carnes. Fico imaginando um pai de família chegar em casa com o alimento pro filho envolto em um alimento para a alma.

Meu abraço!

Paulo disse...

Não conhecia a JJ, apenas de nome e de fotografias. Gosto muito do que estou a ouver. E das carinhas atentas dos músicos da Orquestra do Festival de Verbier.

Helena Araújo disse...

Que história, Moacir!
Dava um microconto. :)