14 novembro 2013

eu e o Pedro Mexia

Com alegria venho anunciar que o Pedro Mexia e eu temos algo muito importante em comum.
Ó aqui, do Malparado:

UM PROBLEMA 

Um amigo conta-me que o «Chief Curator» do Ashmolean Museum, em Oxford, lhe confessava há tempos, com secura britânica: «Books are a problem». A minha casa não é, está bem de ver, o Asmolean Museum; mas à entrada devia haver um cartaz a dizer aos incautos: Books are a Problem. 

PEDRO MEXIA AT 00:00


Pois é - eu também não sei como fazer para que não se encham de pó.

(...era este o problema dele, não era?)


***

E para que não se perca um post inteiro com um disparate só, acrescento mais alguns, dedicados ao tema "choques culturais":

"Eu e o Pedro Mexia", "o Pedro Mexia e eu" - na Alemanha, a primeira formulação é do mais mal-educado que se possa imaginar. Nunca se põe a primeira pessoa em primeiro lugar. Lembro-me vagamente de ter aprendido a mesma regra em Portugal mas, tendo em conta o número de vezes que não a vejo ser respeitada, concluo que talvez seja uma regra irrevogável.

Escolhi a formulação "eu e o Pedro Mexia" para o título porque, primeiro, me queria armar um bocadinho e, segundo, porque sendo o Pedro Mexia um moço muito delicado, com certeza me deixa passar à frente dele. Isso de deixar passar as senhoras à frente é um problema para quem, como eu, viaja entre culturas com diferentes graus de feminismo. Bom, talvez não lhe possa chamar feminismo, talvez seja um mero coiso qualquer, porque se é verdade que na Alemanha nenhuma mulher se lembra de esperar que o homem pare para a deixar passar primeiro pela porta, também é verdade que esta sociedade ainda entende que o lugar das mães é em casa a criar os filhos. Em todo o caso: na Alemanha nenhum homem trava para deixar passar a senhora (por acaso há por aí uma blogger portuguesa que afirma o contrário, mas eu cá só falo do que vejo com estes que aterratalicoisa). Em Portugal, travam praticamente todos. Nem queiram saber a quantidade de acidentes e engarrafamentos que provoco em Portugal: eles chegam à porta, param, eu - que não ia a contar com isso - choco contra eles. Ou: eles chegam à porta, param, e eu paro também, à espera que eles passem.

Nos EUA é mais complicado: toda a gente deixa passar toda a gente. Por exemplo, à entrada do supermercado, há uma delicadeza tácita que leva todos a abrandar. Não sei como é que depois se resolve porque eu - vinda de uma Alemanha onde, à porta do supermercado, todos aceleram para entrarem antes dos outros -, à porta do Albertson's, dava-me um portuguesíssimo ataque de chica-esperta e  aproveitava o abrandamento geral para passar à frente. Até parecia Moisés a atravessar o Mar Vermelho, hehehehe. Depois regressei à Alemanha, e na primeira ida ao supermercado fartei-me de atropelar velhinhas. Culpa delas, claro: nem se desviavam para eu passar, nem avisavam "excuse me" quando passavam por trás de mim num dos corredores, nem nada. Muito cheias de si, punham o seu próprio "eu" em primeiro lugar. Não sabem que isso é má educação?!

Pelo que se conclui que na Alemanha a boa educação é só na retórica.

(Escolhi o verbo "travar" em vez de "parar" por causa do treino em curso para um dia destes começar a escrever segundo o Acordo Ortográfico. Numa atitude de respeitosa evasiva, fujo às palavras de cuja nova grafia não gosto. "O homem para para mim": era o que faltava escrever isto, ainda corro o risco de me chamarem ninfomaníaca, já não bastava o português ser uma língua muito traiçoeira, agora está que mais parece um campo minado.)

11 comentários:

Teresa disse...

Essa questão foi abordada num curso de revisão e edição de texto que fiz há seis anos na Católica.
O Português, tão espartilhante em tantas e tantas questões, é absolutamente liberal nessa. Vale tudo, está igualmente correcto e não é má educação.

Cristina Torrão disse...

:D
Gostei muito de mais este post.

Ponto 1: de facto, aqui na Alemanha, acha-se má educação pôr o "eu" em primeiro lugar. No início, eu era bastante criticada por dizer sempre "ich und Fulano". Mas dizia-o sem pensar. Em Portugal, sempre disse "eu e Fulano", nunca ninguém me corrigiu, nem me criticou. Nem me lembro de ter aprendido que devia ser ao contrário.

Ponto 2: é verdade, os alemães são muito rudes, em locais públicos. E têm a mania irritante de escolher o caminho mais curto para uma entrada, ou saída, mesmo que esse "curto" se limite a um ou dois passos!!! Acho piada a canteiros de plantas, à entrada de alguns supermercados, ou estabelecimentos, em que há uma parte em que os arbustos não têm hipótese de crescer porque toda a gente abre ali uma espécie de corredor. E porquê? Porque, para entrarem pela parte que está calcetada, têm de dar mais dois ou três passos!!!
Uma vez, uma senhora barafustou comigo por eu, a passear com a minha cadela, não me ter desviado, para ela entrar em casa. Ora, convém dizer que ela vinha de um carro estacionado e eu não fazia ideia de que ela morava ali, nem em que porta queria entrar (havia várias). E, afinal, ela barafustou por, literalmente, ter de dar um passo a mais!
A propósito disto, o meu marido admirou a educação dos ingleses, em Londres, que estão sempre com "excuse me" e "sorry", mesmo que nos tenham tocado ao de leve num estabelecimento cheio de gente. São ainda mais educados do que os portugueses, nesse sentido ;)

Carla R. disse...

Olha viste, ja aqui em França, o outro vem sempre primeiro, na retorica e na porta. E nem sempre ha a questão homem, mulher, por norma param as duas pessoas (independentemente do sexo). Ainda vou convencer o mundo que os franceses são os mais fofinhos.

Helena Araújo disse...

Teresa,
até na Católica?! É o que te digo: este mundo está roto, chove nele como na rua...
;-)

Cristina,
1. Concordas com a Teresa. Às tantas eu fui a única de nós três que nasceu lá para fins do séc. XIX? ;-)
2. Os alemães e o seu stress...
SAbes o que uma amiga minha inglesa, que mora no Minho, descobriu? Em Portugal, as pessoas tocam-se. No supermercado, para passarem por ela não dizem "excuse me", simplesmente - dizem "com licença" (claro...) e põem-lhe as mãos em cima, para passar para o outro lado.
Se calhar é só no Minho, não sei.

Carla,
eu em Portugal também arranjo de pararem as duas pessoas, independentemente do sexo. Achas que sou francesa?!
(olha, outra coisa: arranjo o mojito, ou vais-me dizer que infelizmente este fim-de-semana tens camisas do teu marido para passar?)

Cristina Torrão disse...

Sim, também já me aconteceu, em Portugal, as pessoas tocarem-me (porem a mão sobre o ombro, ou assim) a pedir licença. Talvez seja mais no Norte ;)
Mas quando falei em tocar ao de leve, em Londres, queria dizer outra coisa. Era mais acontecer qualquer raspãozito involuntário, num sítio "overcrowded". Os ingleses vêm logo com o "sorry", apesar de não terem provocado nada.

Os alemães e o seu stress... É assim: quando um alemão (ou uma alemã) estaciona o carro, a fim de se deslocar a um estabelecimento, ou ir para casa, faz logo, mentalmente, uma linha imaginária, do carro ao seu destino, escolhendo a opção mais curta, claro. Eficiência e poupança de tempo acima de tudo! O pior é quando alguém se lhes atravessa no caminho... (alguém que não faz ideia para onde querem ir ;)

snowgaze disse...

Eu devo dar-me com gente muito especial, ainda hoje fui a primeira a entrar e a sair do elevador, e nem conhecia o educado senhor.

Já para entrar no metro às vezes há uns apressadinhos que nem têm tempo para esperar por quem quer sair, mas acho que isto não conta.

Quando aos ingleses - não são só os ingleses, os britânicos em geral pedem desculpa se lhes deres uma cotovelada. Acho que dava para um daqueles apanhados parvos, dar cotoveladas em britânicos no supermercado a ver se eles pedem desculpa. :)

Aqui na Alemanha não me parece que haja feminismo nenhum. E tenho pena, porque me parece bem necessário.

Helena Araújo disse...

Cristina Torrão, eu tinha percebido isso dos ingleses - o meu comentário era daqueles tipo "a propósito".
Os alemães são mesmo engraçados com essa mania da eficiência. Quando não lhes dá para serem malcriados, são mesmo engraçados... ;-)

Snowgaze,
posso dizer uma piadinha parva? Às tantas tinhas um buraco nas calças, atrás... ;-)
É, a Alemanha é extraordinariamente conservadora em certas coisas. E não me puxes pela língua... ;-)

Sandra disse...

Bem, eu devo ser mesmo distraida porque acho que nunca pensei no tema ou me apercebi disso. Não me lembro de ter aprendido em Portugal que o "eu" vem depois mas aprendi aqui (Alemanha) na escola. Quanto à parte das sociedade alemã entender que o lugar das mães é em casa a tomar conta dos filhos, isso é algo que neste momento me está a deixar doida :o).

Helena Araújo disse...

Sandra, não me digas que também te acusam, de dedinho em riste e tudo, com: "carreirista! se o trabalho é tão importante para ti, porque é que queres ter filhos?"
hihihihi

Sandra disse...

É mais ou menos isso! Ando doida.
http://backtogermany.blogspot.de/2013/09/good-feeling-ou-um-bem-que-veio-por-bem.html
e ainda não tenho onde deixar os meus filhos, tadinhos com uma mãe que quer ir trabalhar! Amanha vou conhecer uma Tagesmutter, vamos lá ver. Beijinhos

Helena Araújo disse...

Boa sorte!
Na Alemanha é mesmo complicado combinar trabalho e filhos.