08 outubro 2013

to Russia with love - um concerto para a defesa dos direitos humanos na Rússia



Concerto na Kammermusiksaal em Berlim, a 7 de Outubro de 2013 (link em inglês): sete anos após a morte da Anna Politkowskaja - assassinada no dia dos anos do Putin, como lembrou a Herta Müller -, no mês em que Chodorkowski cumpre dez anos de prisão política.
Músicos e actores excelentes, numa sessão em que a beleza interpelou o horror. As peças musicais eram lindíssimas, e foram interpretadas como se espera de alguns dos melhores músicos do mundo. Melhor ainda, contudo, foram as palavras: um texto de Anna Politkowskaja, encontrado no computador dela após o seu assassinato, e as alegações finais de Chodorkowski no julgamento, em 2 de Novembro de 2010. (E, de novo, um pequeno detalhe: os actores que leram os seus textos foram Martina Gedeck e Sebastian Koch - que representaram duas vítimas de um sistema totalitarista no filme "a Vida dos Outros")

A sessão começou com Herta Müller: o corpo de uma extraordinária fragilidade, a prosa directa e simples contra o totalitarismo. Por quem sabe do que fala. 
Na primeira parte do concerto, a música ecoou a tristeza e o sobressalto: 

- Mieczylaw Weinberg: Sinfonieta nº 2, op. 74, para orquestra de cordas e tímpanos, 3º andamento.
Passagem sem pausa, muito bem conseguida, para:

- Johann Sebastian Bach, suite para violoncelo solo nº 2, 2º andamento: Allemande, interpretada por Nicolas Altstaedt (este homem não toca música: medita-a.)


- Sofia Gubaidulina, "Últimas sete palavras", 3º andamento: "Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso", com Elsbeth Moser no acordeão. Gubaidulina não é a minha compositora favorita, mas trouxe para esta cerimónia uma inquietação muito apropriada. 



- Arvo Pärt, canção de embalar estónia, pelo coro infantil Shchedryk. As miúdas cantavam num pianissimo sublime, e encantaram de tal modo que o público até se esqueceu de tossir.
(a canção começa a 1:55, mas vale a pena ver este filme todo: Sounds and Silence)



- Gyha Kancheli, "The angels of sorrow", dedicado a Michail Chodorkowski no seu 50º aniversário, première. Nas vozes etéreas do coro infantil Shchedryk: inesquecível.
Nas suas palavras: "As diversas e repetidas formas de crueldade e violência não me podem deixar indiferente. São elas talvez o motivo pelo qual a minha música está tão cheia de tristeza e dor.
As vítimas inocentes são as crianças que foram assassinadas em Utoya, os que morrem em incontáveis ataques de fanáticos religiosos, os jornalistas que foram mortos por terem exprimido a sua opinião, os refugiados que guerras imperialistas expulsam do seu país, e os condenados por tribunais com base em falsas acusações. 

A minha tomada de posição sobre a prisão de Michail Chodokowski começou por ter origem numa simples simpatia, e cresceu para se transformar em profunda admiração por esta extraordinária personalidade, e pela força do seu espírito. Por esse motivo dediquei a minha composição a um homem que celebrou o seu 50º aniversário atrás das grades. 
No contexto dos meios a meu dispor para me exprimir, foi minha intenção ligar as vozes de crianças inocentes a uma estrutura melódica simples, para mostrar a minha admiração pela força do espírito humano - esta força indomável, que levanta o espírito acima de qualquer regime imoral."  

"The angels of sorrow" - recomendo vivamente. Como ontem foi a apresentação mundial, demorará algum tempo a aparecer por aí. Neste link há um vídeo onde, logo no princípio, se ouve um bocadinho da peça. E também do Nicolas Altstaedt, e da Elsbeth Moser.

Depois da pausa foi lido um poema de Herta Müller - "Artistas", dedicado a Michail Chodorkowski - e as alegações finais deste no julgamento em Novembro de 2010, que explicam bem a admiração de Gyha Kancheli.

- Sergei Rachmaninov, Fritz Kreisler, "Prayer" para violino e piano, com Daniel Barenboim e Gidon Kremer. Trata-se de um arranjo para violino da famosa melodia do concerto nº 2 para piano, de Rachmaninov, e tocado por aqueles dois músicos revelava uma essência nova nas frases que conheço de cor. Infelizmente não encontrei nenhum vídeo que chegue perto do que ontem ouvi - os que ouço são demasiado dramáticos, pesados, exagerados. Chega a ser doloroso ouvir, depois da leveza tão intensamente rica de Barenboim e Kremer!

Depois disso, o tom na sala mudou. Peças mais rítmicas, quase diria alegres. Excepto a ária de Lensky de Eugénio Onegin, de Tschaikowski, tocada por Emmanuel Pahud e Khatia Buniatishvili: mais uma história de desdobramento da essência.

Com a entrada de Martha Argerich, a sala foi ao rubro.
Começou por tocar o 4º andamento do concerto nº 1 para piano, orquestra de cordas e trompete, de Shostakowitsch (no vídeo, com Shostakowitsch ao piano, estão o 3º e o 4º movimentos).



Com certeza que ninguém está à espera que eu escreva uma crítica sobre a Martha Argerich, de modo que complemento o que todos sabem com um detalhe sem importância: ela sentada ao piano, abanando a cabeça ao som da música que o trompetista fazia, como se fosse professora e ele o aluno dilecto.

Continuou com música de Leonid Desyatnikov para o filme "Target", de Zeldovich. E terminou com um encore de Argerich e Barenboim, lado a lado, a quatro mãos.

Momentos inesquecíveis de música. Mas esse foi apenas o meio encontrado por Gidon Kremer e os seus amigos para nos alertar: o que não podemos realmente esquecer é que na Rússia há gente a ser assassinada ou posta na prisão por estorvar os interesses do regime.





2 comentários:

Paulo disse...

Martha Leoa Argerich, pois claro.

(Dessa parte do Sebastian Koch tenho uma pontinha de inveja. Da Martha também. E dos outros também, pronto.)

Helena Araújo disse...

O Sebastian Koch é um pão (será que esta frase atira comigo para o grupo dos irremediavelmente cotas?).
O Sebastian Koch, tinhas de o ver, o seu fato impecável, com uma t-shirt preta fina - um luxo. Os óculos (fica tão bem de óculos). E que bem leu, primeiro em inglês, depois em alemão.
Melhor que ele, só mesmo o outro ainda mais pão que ele - o Chodorkowksi. (Não sei porquê, descubro um enorme fascínio pelas vítimas do totalitarismo...)

Tenho a certeza que ias adorar o coro das miúdas ucranianas. A beleza daquelas vozes, um coro muito coeso e quase etéreo, de tão leve. E uma delas, a mais novinha, virava-se toda a cantar, como se fosse embalada pela música que saía dela. Amorosa.
Cantaram de cor uns bons 15 minutos a cantar de cor. Nem muitos coros profissionais de adultos!