10 maio 2013

cognome: o grande

(foto - site em inglês)

Frederico, o grande mandou fazer em Potsdam um palácio para encher o olho ao povo. Enfim, não seria propriamente para o povo-povo, mas estava aberto ao público e destinava-se a mostrar que o imperador da Prússia também sabia criar cenários como Versalhes. O caminho para os aposentos do rei passava propositadamente pelos inúmeros salões, fazendo os visitantes atravessar a sala com lustres de cristal de quartzo (a exposição Friederisiko, comemorando os 300 anos do imperador, tinha etiquetas com o preço das coisas, algo como "cada um destes pingentes custava o equivalente a um ano de trabalho de um agricultor"), apreciar os quadros famosos copiados dos museus de Dresden (para que conste que um verdadeiro imperador não espolia os conquistados - antes manda fazer cópia das obras famosas, para exibir no seu palácio a prova de que é magnânimo), admirar os finíssimos móveis franceses lado a lado com outros feitos por artesãos de Potsdam.

Tudo nesse palácio era criação de um personagem. A exposição explicava não apenas o uso do espaço como encenação de um poder e de um modo de estar no poder, mas inclusivamente alguns dos artifícios da criação de um mito, nomeadamente a multiplicação de telas com o retrato idealizado do imperador. Para que conste que os especialistas em criar uma imagem aos políticos já andam a acumular experiência há mais de três séculos. E já nessa altura faziam um excelente trabalho.

Para os mais curiosos: entrem neste site onde há fotografias da exposição. Verão as tais etiquetas junto a alguns objectos, os famosos lustres, alguns dos móveis plagiados, e a biblioteca do imperador - o tal que se correspondia com Voltaire, que pedia ao génio que o visitasse, convencido de que a presença deste faria de Berlim uma nova Atenas, e de si próprio um "roi philosophe". Naqueles tempos, era importante que os poderosos se tornassem filósofos, ou que os filósofos tivessem cátedra no poder. Naqueles tempos.

Na exposição, o que mais me impressionou foi a sala onde se expunham os móveis e relógios franceses, as cópias feitas pelos artesãos prussianos, e as peças resultantes de uma evolução do gosto e do saber destes. Reparei especialmente no júbilo de Frederico, o grande, exclamando que os seus artesãos eram capazes de fazer objectos tão bons ou ainda melhores que os comprados em Paris. Para o imperador, a importação de bens de luxo era apenas uma etapa de um programa mais vasto: formar artesãos capazes de competir em qualidade com os franceses, criar um novo sector de actividade mais moderno e de "alta tecnologia". Daí o imenso orgulho de Frederico, o grande, ao constatar que os móveis e relógios feitos pelos seus artesãos em nada ficavam a dever aos dos franceses.

Não pude deixar de comparar esta atitude à dos reis portugueses: usavam o dinheiro das Índias, das Áfricas e dos Brasis para comprar do melhor que havia em todo o mundo. E mais nada. De cada vez que Portugal se via inundado de dinheiro, as manufacturas nacionais entravam em crise porque o pessoal preferia o luxo ao que era nacional e ainda não tão bom.

Se um merece o cognome "o grande" (hoje seria "o japonês"...), outros que eu cá sei mereceriam ser chamados "o novo-rico", "o deslumbradinho", "o perdulário".

***

Muito agradecia que se multiplicassem os comentários do género "ó Helena, estás muito enganada" e "o nosso rei dom fulano usou o ouro do Brasil para criar oficinas reais para copiar isto e aquilo, e era só lá que se abastecia", etc.

2 comentários:

jj.amarante disse...

Ultimamente tenho pensado que a tendência dos Portugueses para estabelecer relações cordiais com toda a gente é difícil de compatibilizar com o foco na actividade produtiva de alta qualidade. E assim volto ao cliché que temos mais jeito para o comércio do que para a produção.

Por outro lado há muito tempo que penso que os Europeus não podem continuar para sempre a ganhar salários europeus comprando a maior parte das vezes coisas feitas com salários asiáticos.

Parece-me que de cada vez que se fala no assunto ele é rapidamente varrido para debaixo do tapete.

Quando passei por aí esse palácio estava com obras de restauro importantes mas o conjunto do palácio e parque à volta, incluindo o Sans-souci, era muito estiloso.

Helena Araújo disse...

Muito bem visto, isso do tipo de consumos que fazemos.

O palácio foi aberto ao público para esta exposição, e fechado de novo para fazer obras. Parece que vai ser integralmente restaurado. Por um lado acho bem, por outro lado é triste saber que durantes vários anos vai ficar inacessível ao público.
Aquele conjunto de palácios em Potsdam é impressionante.