No Lunchkonzert de hoje tocava um trio checo: Jan Fišer (violino), Tomáš Jamnik (violoncelo), Ivo Kahánek (piano) - o Dvořák Trio.
Todos excelentes, mas o Tomáš Jamnik era ainda mais excelente que os outros. Pareceu-me, pelo menos. Infelizmente não encontrei nada deles no youtube. O concerto foi filmado, e perguntei ao cameraman se era para o youtube, mas ele disse que não, que era para a televisão checa. Triste vida. De modo que ficam com este bocadinho, não tão bom como o que ouvi hoje, mas é o que se arranja:
O público aplaudiu freneticamente (bem, o público dos Lunchkonzert aplaude no fim de cada andamento, é um público muito agradecido) e eles voltaram, com uma peça belíssima de um compositor que era genro do Dvořák e eu não conhecia (bem, digo "eu não conhecia" como se os conhecesse a todos...): Elegie, de Josef Suk.
Apontei o nome do violoncelista, "Tomáš Jamnik". Mora em Berlim, está a começar uma carreira de solista, e vai longe. Quer dizer: se me deixassem mandar...
Tinha combinado com uma amiga irmos depois assistir ao ensaio geral da Oratória de Natal de Bach, com o RIAS e a Akademie für alte Musik Berlin. E fomos: ver o trabalho de conquistar a transparência e o brilho, a perfeição. O novo arranjo das cadeiras no palco, para o som sair mais focado e uno; os comentários entre os assistentes; a soprano que procurava em vários pontos da sala o que melhor daria para fazer o eco da solista (e a risota sempre que o eco soava mais forte e seguro que a voz que lhe devia dar origem...); e a minha amiga, sempre a cochichar-me comentários "ainda não está brilhante" e "devia ser mais rápido" (devia, pois! por uns momentos, íamos adormecendo ambas!) ou "adoro esta" e ainda "esta parece Jazz..."
Saí a correr do ensaio para ir a casa resolver duas ou três urgências, saí a correr de casa para um concerto de Jazz na Kammermusiksaal. Foi o primeiro de uma nova série chamada "Jazz at Berlin Philharmonic" (desconfio que o criativo que inventou este nome suou imenso para descobrir algo tão original) e era com três pianistas excepcionais (Leszek Możdżer, Michael Wollny, Iiro Rantala) e o famoso Brendel-Flügel.
Comecemos pelo piano: em 1992, quando começou a trabalhar de forma mais intensa com os Filarmónicos de Berlim, o pianista Alfred Brendel foi à Steinway a Hamburgo escolher um piano de cauda com o qual se havia de entender muito bem em todos os concertos que deu na Filarmonia. Outros pianistas famosos tocaram nele, mas era o piano do Alfred Brendel. Há três anos, quando o pianista se retirou, a Filarmonia decidiu leiloar o seu piano para ajudar a UNICEF, e este foi arrematado por 80.000 euros por Siggi Loch, um produtor musical famoso, dono da firma ACT Musik + Vision. O novo proprietário decidiu que o poria ao serviço do Jazz, e parece que o Alfred Brendel achou bem.
Hoje foi o primeiro dia do resto da vida do Brendel-Flügel. Com três extraordinários pianistas, como disse.
O primeiro a entrar em palco foi o finlandês Iiro Rantala - um brincalhão. E um extraordinário pianista (será que já disse isto?). Começou com Thinking of Misty, depois disse que o primeiro músico de Jazz foi Bach, e improvisou a partir das variações Goldberg. Finalmente, pegou numa folha de papel que pôs sobre as cordas do piano, gracejou que não estragaria o famoso piano ("not completely", acrescentou), disse umas larachas sobre o inverno finlandês ("Na Finlândia, quando faz este tempo que está agora na Alemanha" - vaga de frio, caos de neve - "diz-se com alívio que está a aquecer") e tocou Uplift.
Seguiu-se Michael Wollny, que aos 34 anos já juntou tudo o que é prémio alemão de Jazz, e tocava com o cabelo todo em cima da cara. Comparando com ele, a Hélène Grimaud é uma menina de coro. Lembrava-me o Franjinhas, aquele cão dos livros aos quadradinhos (brasileiros, não eram?) que nunca se sabia onde era a parte da frente e a de trás. Com um pianista é mais fácil: a parte da frente é a virada para o piano - mas quem como eu já viu a Maria João Pires a tocar de costas, fica um bocadinho desconfiada que nem sempre o que parece é. Este parecia muito bom, e é para não dizer excelente. Tinha mais força que o Iiro Rantala, mas menos lirismo.
O finlandês voltou ao palco, para tocar com o alemão "uma balada triste para um dos maiores de nós, que hoje estaria aqui, se ainda estivesse connosco": Tears for Esbjörn.
Os dois saíram, o polaco Leszek Możdżer entrou. Com música também de uma enorme força, e com o cabelo a tapar completamente a cara. Será que precisam de se ocultar assim do público, para ficarem inteiramente dentro da música que tocam?
Na parte final, o show foi extraordinário, e o público foi ao rubro. O polaco e o alemão tocaram Svantetic costas com costas, ambos sobre o mesmo banco comprido entre dois pianos, e brincavam muito um com o outro: metiam notas no teclado alheio, rodavam no banco de modo a tocarem ambos ao mesmo tempo nos dois pianos, trocavam de piano sem parar a música. Um espectáculo!
O alemão saiu, o finlandês entrou, tocou com o polaco Suffering, que este encheu de efeitos especiais pondo uma corrente sobre as cordas, o que fazia certas notas soarem como se fosse um cravo.
O Iiro Rantala avisou que a seguir ao concerto encontraríamos no foyer "three guys who look exactly like us" e começaram a tocar a última peça, os três: Armando's Rhumba, com um ritmo e um bom humor vertiginoso. Corriam entre os pianos como se estivessem a fazer a dança das cadeiras, como se se tivessem enganado sentavam-se dois ao mesmo piano, ou três - ou o terceiro de pé, tentando encontrar uma abertinha por onde deixar as suas notas no teclado. O público ria, trocava olhares com os vizinhos. Uma festa.
Para o encore trouxeram "Santa Claus is coming to town". O tema foi dado pelo Iiro Rantala, quase como se fosse um exercício escolar. Daí partiram para a brincadeira e as correrias.
Talvez me repita, mas foi isso mesmo: um concerto memorável. No dia em que entregaram à União Europeia o prémio Nobel da Paz, gostei de ver estes três - um alemão, um polaco e um finlandês - a entender-se tão bem, cada um com a sua identidade e todos com muito humor.
Saímos da sala a rir, a falar uns com os outros alegremente. Agrupámo-nos em frente à mesa onde eles iriam assinar CDs. Vieram rapidamente, nunca vi artistas saírem tão depressa de um concerto para o banho do público, e começaram a assinar programas como se estivessem numa linha de produção. O Michael Wollny assinava junto à sua fotografia, virava a página para mostrar já a fotografia do Iiro Rantala, passava-lhe o caderno, este assinava e passava ao terceiro pianista. E nós todos ali muito atentos "de quem é esse programa?" "é meu! este é meu!"
Depois queixo-me que não tenho tempo, mas este dia, este, já ninguém mo tira!
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