Comentário de um leitor, a propósito do post "praticamente metade dos 78 mil milhões de euros emprestados é para juros?":
Todos nós falamos imensamente da dívida publica portuguesa e dos respectivos juros. Fala-se de agiotismo e de muitas coisas mais. Todos nós especulamos, mas quase tudo não passa de pura especulação, pois a informação que nos chega é quase nada.
Como é possível, numa altura em que se pedem tantos sacrifícios aos portugueses e que se traduzem numa irracional subida de impostos, numa cascata de falências e num desemprego assustador, que não se publique uma listagem dos empréstimos existentes, a forma como estes estão titulados, identificação dos credores, montantes, prazos e datas de amortizações e taxas e montantes dos respectivos juros?
Da mesma maneira, como é possível que se diga diariamente que a Banca se financia junto do BCE a 1% e depois empreste esses capitais ao Estado Português a 5%, e que ninguém da Banca ou sobretudo do Estado, venha clarificar de uma forma transparente esta questão, já que a sensação que se cria é que existe o conluio entre governantes e banqueiros num processo descarado de agiotagem, em que a vítima são mais uma vez os cidadãos?
E isso faz-me lembrar também o silêncio à altura sobre as dezenas de PPPs constituídas para construir aquelas auto-estradas em que passa um carro a cada dez minutos, e em que a grande maioria dos portugueses imaginava que essas obras eram financiadas pela "riqueza" do Estado, e nunca através de pesadíssimas dívidas que sobrariam para si, para os seus filhos e possivelmente para os seus netos.
No fundo, o que eu estou a querer dizer, é que enquanto a nossa exigência enquanto cidadãos não obrigar Governantes e Imprensa a tratar dos assuntos de todos nós com outro rigor e transparência, tudo se passará como até aqui e nós seremos sempre defrontados com uma política de factos consumados e vitimas das armas de arremesso da partidocracia nacional que as utiliza sem qualquer pudor ou respeito pelos cidadãos.
16 comentários:
A questão do 1% e dos 5% trata-se de cherry picking, suportada por evidências incompletas, um empréstimo não pode ser avaliado apenas pela taxa de juro aplicada, uma que nunca vejo falada nestes casos e também importante são os prazos do empréstimo. Na maior parte os empréstimos do BCE tem prazo de meses, indo no máximo a três anos, enquanto os prazos de empréstimos ao Estado são superiores.
O último parágrafo é lapidar, sem dúvida, mas ainda assim tenho de apontar um pecadilho: a palavra "partidocracia" tem uma conotação negativa e demasiado demagógica, que não se enquadra no tom objectivo e ponderado de todo este construtivo texto.
Não tenho dúvidas de que a ausência de rigor e transparência não provém, nem sequer beneficia os Partidos, sobretudo os que raramente estão no Poder, pelo que a expressão a meu ver é injusta e inadequada.
Defendo antes que o principal beneficiário desta ausência de rigor e transparência na linguagem e na substância do debate político em Portugal é, sim, o poder económico, nomeadamente da banca privada e dos grandes conglomerados apensos (SONAE, Jerónimo Martins, grandes Construtoras e Escritórios de Consultores Jurídicos e Financeiros, etc.), cujas responsabilidades na presente situação, eventualmente ainda maiores do que as dos políticos (que aliás manobram facilmente), estão totalmente branqueadas e encobertas, precisamente por essa falta de rigor e transparência.
E não nos esqueçamos ainda da subtil demagogia subjacente às famosas PPP's e às "auto-estradas sem tráfego", com custos para o erário público a prazo, mas igualmente com notórios benefícios sociais e económicos, que aqui não cabe agora desenvolver, mas que sempre foram reconhecidos, at´we porque ENCORAJADOS E COMPARTICIPADOS PELOS PODERES EUROPEUS, enquanto a falta de rigor e de transparência manteve a narrativa optimista da estratégia de avestruz, que estoirou em Maio de 2010.
Como pode estoirar de um momento para o outro a presente narrativa da "austeridade a qualquer preço", como toda a gente com dois dedos de testa já há muito constatou...
O cálculo dos juros é em tudo semelhante ao do emprestimo de uma casa.
Com uma taxa de 4% a ser paga durante 20 anos é normal que no final metade tenha ido para juros.
Como nós tivemos um periodo de carencia ainda pior porque nao abatemos ao emprestimo durante os primeiros anos.
Guilherme,
mais uma vez era importante haver aqui transparência: quanto está emprestado, porque quantos anos, a que taxa de juro? E como é se considerarmos a inflação?
Cada vez mais me parece que Portugal andou a manter um nível de bem estar e de funcionamento da economia com base em empréstimos, sem ninguém se dar conta que os empréstimos pagam juros, que estes somados dão um belo total, e que no fim também é preciso reembolsar o capital emprestado. Tal e qual como na compra de uma casa.
Pela primeira vez parece que alguém fez as contas, e apanhou um susto. Claro que a culpa é dos mercados...
Mas os mercados não mudaram. As pessoas é que de repente se deram conta do sarilho em que estavam metidas, porque provavelmente até agora achavam que o dinheiro vinha de um saco sem fundo.
Helena: por causa desta dicussão andei à procura do relatório onde estariam estas contas. O "Relatório Anual de Gestão da Tesouraria do
Estado e da Dívida Pública
Ano de 2011" encontra-se aqui:
http://www.igcp.pt/fotos/editor2/2012/Relatorio_Anual/RELATORIO_ANUAL_2011_FINAL.pdf
Apesar de ter lá a dívida, os custos da dívida (em milhões de euros) e a sua evolução, falta-lhe o breakdown, ou seja, quanto vai, e em que percentagens de juros, para onde. Não compreendo tudo, mas parece-me fácil de ver que o custo da dívida tem vindo a aumentar desde pelo menos 2004 (em termos absolutos, e não sei se os valores estão corrigidos a preços correntes, suponho que sim), e que isso não se deve apenas ao aumento das taxas de juros. Note-se que Portugal continua a receber mais da UE do que contribui (Quadro 15, fluxos entre a UE e Portugal), embora não estejam contados os valores históricos de antes de 2009, que penso que seriam interessantes.
Segundo os jornais, ainda em Janeiro a taxa de juro da dívida nos mercados a 10 anos (DEZ anos!!!) era de quase 15%.
"O juro exigido pelos investidores para comprar títulos de dívida soberana portuguesa a 10 anos bateu um novo máximo histórico - desde a criação do euro - por volta das 15h44 atingindo os 14,496 por cento, mas às 17h13 já chegava aos 14,898 por cento."
http://sol.sapo.pt/inicio/Economia/Interior.aspx?content_id=39199
Ora se eu pusesse no banco 100 euros a uma taxa anual de 14.5%, ao fim de 10 anos o banco dar-me-ia 245 euros (se os juros não capitalizarem anualmente) ou 387,31 euros (se os juros capitalizarem anualmente). De qualquer forma, em 10 anos, acabo por receber entre 2,5 a quase 4 vezes aquilo que emprestei.
Supondo que quando são os investidores a emprestar ao estado isto funciona da mesma maneira, estão a ver o quanto Portugal terá que pagar por esses títulos que emitiu.
(contas feitas com http://www.calcudora.com/deposit-interest-calculator.php para ser mais rápido...)
Helena, cuidado com os simplismos.
Tudo o que apontas é verdade, mas não se aplica apenas a Portugal: a Espanha, a Itália, a França, os próprios Estado Unidos, etc., vivem de empréstimos e têm défices externos colossais! É preciso parar com esta enganadora narrativa da "originalidade" de Portugal e dos portugueses. Tudo isto era normal até 2008 e continuaria a sê-lo sempre, não fora a "crise" das dívidas nacionais.
Então vamos lá mas é analisar, "com rigor e transparencia", este fenómeno e perceber por que razão o que era comum e normal para todos os Estados desenvolvidos passou a constituir um grave problema.
Pistas? A especulação financeira, que bastante engordou com a agora apontada "irresponsabilidade" dos Estados e que, com a sua ganância descontrolada (QUEM É QUE A DESREGULOU E QUANDO? Consenso de Washington...)), fez crescer até estoirar a "bolha" consumista, deixou de poder contar com estes lucros fabulosos e passou a exigir dos Estados juros usurários.
Sim, porque nos gloriosos tempos em que "as pessoas pensavam que o dinheiro vinha de um saco sem fundo" a verdade é que quem apresentava lucros astronómicos - pornográficos... - em Portugal eram o BCP, o BES, o SANTANDER, o BPN, etc., certo?
Mas quando a irresponsabilidade dos seus gestores pôs o Mundo à beira da catástrofe quem evitou o "colapso sistémico" foram os Estados com dinheiro dos Contribuintes, certo?
Mas agora que estão "salvos" e com as "reservas recompostas", viram-se para a mão que os salvou e exigem-lhe a carne e o tutano.
Por outras palavras, roubam o Futuro à próxima geração!
Como irá ela vingar-se deste esbulho?
É a grande incógnita que constitui o embrião de toda a História das grandes convulsões do Séc. XXI, que estão a germinar.
E que, desenganem-se os sabichões e os gurus, não vai ser nada do que eles prefiguram. Porque, como os Historiadores bem sabem, a História só se repete sempre no aspecto em que... jamais se repete da mesma maneira.
"E afora este mudar-se cada dia, outra mudança faz de mor espanto: que não se muda já como soía" (sabem todos de cor...).
"Os mercados não mudaram", se pensarmos em termos do antes e depois de 2009, é uma frase no mínimo muito questionável...
Júlio de Matos,
Sobre os mercados:
Os EUA imprimem o dinheiro de que precisam. Os países da Europa não o podem fazer. São casos diferentes.
O tratado de Maastricht prevê que sejam os mercados a funcionar como travão para o endividamento dos países, subindo a taxa de juro para tornar o crédito mais caro. Foi isto que foi combinado e subscrito por todos.
Os bancos andaram a emprestar a taxas baratas muito mais do que deviam. Quando a Grécia refez as contas e viu que não tinha como pagar, todos acordaram para o risco.
Claro que se pode dizer que os mercados andam aí a tentar pôr o Euro de joelhos. Pode ser que andem. Mas aumentar a taxa de juro a um país que se está a endividar demasiado é algo previsto e desejado no tratado de Maastricht.
(Por acaso, agora que olho com cuidado para essa cláusula: que grande parvoíce! Mais valia terem decidido logo à partida que um país que se endivida demasiado tem de aceitar ingerência externa para investigar o que se está a passar, porquê, e como pode ser resolvido - ou outra solução qualquer, claro - esta de fazer o controle depender dos mercados é de um enorme diletantismo)
Sobre o desregulamento dos países, ainda bem que falas disso: como é que estava a dívida portuguesa em 2008 / 2009, e quanto é que aumentou a dívida (pública) para safar esses bancos de que falas (BCP, o BES, o SANTANDER, o BPN)?
Os Bancos que receberam dinheiro do Estado não têm de o devolver, e com juros?
snowgaze,
Já vou ver esses relatórios, e já cá volto. Mas antes tenho um trabalho super-urgente para acabar.
(Já começaste a preparar o rally de Natal? Eu é numa trapalhada desse género que estou agora metida)
Portugal nunca pagou taxas de 15%. Isso são taxas praticadas no mercado secundário onde os titulos da divida sao transmitidos entre agentes economicos (incluindo particulares).
A noticia que linkou é de 2012 quando já estavamos intervencionados e a pagar taxas à volta dos 4%.
A divida Grega atingiu quase os 50% no mercado secundário mas a Grécia, obviamente, nao estava a pagar juros de 50%.
(bem lembrado, ainda tenho isso para preparar. este ano vai ser mais facil, descobri o maravilhoso mundo da sub contratacao ;). delegar, delegar, e' o que eu faco agora.)
Obrigado ao Guilherme. Prova (lá mais acima) que a "ajuda" aos Países europeus em dificudades não passa, afinal, de um mero negócio, comparável ao do crédito à habitação, por exemplo (bem visto). Acordemos então para a hipocrisia.
Certo, Helena, como dizes e bem, o acordado em Maastricht foi ingénuo, imprevidente, irrealista e, nas presentes condições (muito diferentes das que então prevaleciam - não podemos ignorá-lo), corre o risco de se tornar irresponsável, danoso (para todos!) e, porventura, até criminoso.
Eu também já fumei dentro do meu carro e em casa, sim, mas acordei para o disparate, mal "tive" os meus filhos.
Só que a Europa continua teimosamente a querer viver no antes da crise, com as mesmas regras do antes da crise, ignorando que as boas soluções, como tudo na vida, têm prazo de validade.
E não, Helena, de todo, o BPP, a SLN e o BPN NÃO VÃO devolver um cêntimo ao Estado daquilo que os Contribuintes lá tiveram que investir, porque o Estado assumiu todos os desfalques e rombos quando os nacionalizou, certo?
Por isso é que a Espanha luta, diáriamente, para manter o seu Estado livre de resgates e "ajudas", delimitando sanitáriamente o seu problema ao âmbito das suas reais causas, isto é, o seu sistema bancário e financeiro.
Tal como em Portugal, se tivesse havido cabeça em 2009/2011, teríamos entregue os Bancos "infectados" ao açougue da agiotagem internacional, mas teríamos salvo o País, o Povo, o Estado Social e, acima de tudo, o Futuro da Nação e dos nossos descendentes desta calamidade inqualificável, imprevisível e cujas consequências mais profundas e duradouras ninguém sériamente pode fazer uma ideia aproximada de como serão, nem sequer perspectivar.
(Entretanto, a pressão aumenta na panela e a válvula não parece ir funcionar nunca - ou só demasiado tarde! A "cozinheira" bem pode arranjar um bom capacete, com viseira, ou procurar um lugar bem seguro, para quando o metal e o vapor forem pulverizados pela casa toda...)
Olá Helena,
Chamo-se Eva Gaspar. Cheguei a si por uma outra Helena (Ferro de Gouveia) que conheci fugazmente há uns 15 anos (era ela correspondente do Público em Berlim e eu correspondente do Diário Económico em Bruxelas - hoje trabalho no Jornal de Negócios em Lisboa) a quem recorri há coisa de duas/três semanas quando me propus fazer um trabalho sobre erros de tradução (quiçá preconceitos e muito simplismo) que estarão a comprometer uma compreensão e consciência mais amplas em Portugal dos interesses e limites de actuação da Alemanha.
O trabalho chama-se "Lost in translation". Pode ser lido no site dos Negócios, mas está fechado para assinantes...
Aberto está, porém, um texto sobre os juros associados ao empréstimo de 78 mil milhões (valores até agora concedidos, juros e maturidades médias para cada uma das três fontes de financiamento):
http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=588211
Há informação complementar no boletim mensal do IGCP (entrar em publicações e clicar no boletim de Setembro).
E gosto muito deste texto de Cristina Casalinho porque ajuda a perceber que, mesmo com juros baixos, a sustentabilidade de uma dívida tão pesada pode facilmente ficar comprometida por outros factores (desde logo, capacidade de crescer): http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=589177
Sobre as ajudas de Estado disponibilizadas à recapitalização da banca portuguesa (a partir do envelope de 12 mil milhões destinado a esse fim do empréstimo global de 78 mil milhões) há lugar à cobrança de juros que rondam os 8%. Se tudo correr bem e os bancos reembolsarem ao custo estabelecido, será um bom negócio para o Estado Português que recebe o empréstimo da troika mais barato (aliás, o mesmo paralelo pode fazer-se com a ajuda externa a Portugal por parte dos parceiros europeus). Se correr para o torto ...
Aqui está a portaria: http://dre.pt/pdf1sdip/2012/05/09601/0000200006.pdf.
Espero ser útil à discussão neste blogue que acho tão pertinente quanto simpático. Obrigada Helena
Eva,
desculpe só agora responder.
Muito obrigada pela sua contribuição, e pelos links para artigos tão claros.
Já agora (eu sou assim: dão-me a mão, e quero logo o pé...): será que tem dados sobre a Islândia? É que corre por aí uma urban legend que lhes bastou dizerem que não pagavam a dívida dos bancos, e ficaram logo no melhor dos mundos, mas o que vou ouvindo aqui e ali é que também passaram e estão a passar por dificuldades graves, com aumento do desemprego, cortes salariais grandes, etc.
Obrigada!
Tomara dar um, os dois pés! Helena, mas não estou muito por dentro. Ainda assim o suficiente para saber que as comparações com a Islândia têm de ser feitas com pinças: são (acho que nem) meio milhão, com moeda própria (podem desvalorizar, ajustar juros, controlar saída de capitais), que ficaram endividados até ao pescoço por conta de manobras especulativas dos bancos - bancos que o Governo (entretanto julgado) decidiu garantir com património público e impostos dos contribuintes (não só dos seus accionistas). Renunciar a esta dívida (um enorme BPN) parece-me legítimo, mas não consigo transportar para Portugal. É facto que há dívida que nasce da dívida (se fizermos as contas a um empréstimo para comprar casa facilmente realizamos que se paga em juros a tal metade do valor pedido...).Mas temos activos (estradas, hospitais) e salários públicos e prestações sociais pagas, e que são a contrapartida (inexistente no caso islandês) dessa dívida. Dito isso, acho que não é mito urbano que recuperaram depressa e bem.
http://www.businessweek.com/news/2012-08-12/imf-says-bailouts-iceland-style-hold-lessons-for-crisis-natioh
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