07 novembro 2012

também não vou traduzir este texto, mas em compensação deixo-vos um já traduzido para alemão, que é muito melhor

É fundamental que, no dia em que a Angela Merkel vai a Portugal, os portugueses se manifestem, saiam à rua aos milhares. Mas, infelizmente, o texto e a fotografia que convocam para a manifestação Que se lixe a Troika! A Merkel não manda aqui! são de novo um tiro pela culatra.




Dia 12 de Novembro, Angela Merkel vem a Portugal.

E Angela Merkel representa a Europa da austeridade, a Europa nas mãos do poder financeiro, a Europa dos directórios, do poder político não sufragado, a Europa cada vez mais sujeita a instâncias internacionais que promovem a destruição das nossas economias e sociedades. Angela Merkel é uma das figuras de proa da ideologia que nos impõe a pobreza, o desemprego, a precariedade e a destruição do estado social, tendo a troika e os governos troikistas como armas.


Não admitimos que outros decidam por nós. Não aceitamos que os nossos governos aceitem que nos destruam a todos para favorecer alguns. Recusamos em absoluto que as decisões sejam tomadas por quem não elegemos, mesmo quando quem elegemos se submete de bom grado a decisões que, pura e simplesmente, nos destroem.

Angela Merkel simboliza tudo isto. Por isso, queremos deixar muito claro que não manda aqui. Nunca votámos nela. Recusamos a austeridade que quer impor à Europa, como rejeitamos os governos que a aceitam.

Por tudo isto, vamos dizer-lhe, muito claramente: Fora Daqui!


Saindo do Largo do Calvário às 13h, seguiremos até Belém onde expressaremos claramente que a Merkel Não Manda Aqui!

***

Se este texto fosse traduzido para alemão e chegasse às mãos dos leitores do Bildzeitung (uma simplificação), a reacção podia ser mais ou menos esta:

A Angela Merkel representa a Europa da austeridade. Pois sim - e há outra Europa?! Que países estão dispostos a ajudar Portugal com empréstimos a juros de 1% ou até sem juros, e sem impor condições?
Se ela é a figura de proa das ideologias que impõem a pobreza a Portugal, tentem arranjar na Europa a figura de proa das ideologias que conseguem tirar Portugal da crise preservando ao mesmo tempo o nível de vida que o país tem tido... Boa sorte para a vossa busca! 
Pois, primeiro pedem emprestado e gastam como se não houvesse amanhã nem tivessem assinado tratados onde isso era expressamente proibido (e onde se estabelece que cada país se responsabiliza pela sua dívida, e não há bail-outs para ninguém), depois vêm-nos pedir ajuda, e no fim ainda insultam a nossa Chanceler. 
 Se não gostam do que a Angela Merkel impõe, se a querem fora do país, pois cancelem a viagem, arranjem outra solução, outros aliados, e tratem de resolver os seus problemas da maneira que acharem ser a mais conveniente para eles. 
Era um favor que nos faziam, que também não gostamos nada de ver a nossa Chanceler a meter dinheiro dos contribuintes alemães nesse saco sem fundo que são os programas para tentar salvar o euro. Mais valia saírem de uma vez (ou voltarmos nós ao nosso querido marco), por muito dinheiro que nos custasse. Mais vale um fim com susto que um susto sem fim. 

Isto seria a retórica tipo Bildzeitung. A retórica dos leitores do Die Zeit seria mais do género:

Temos de ter paciência, perceber que eles estão a passar enormes dificuldades e por isso escolhem mal as palavras; mas não podemos desistir de levar a Europa e o Euro a bom porto, tanto mais que, por muitos erros que esses países tenham feito, a Alemanha tem uma responsabilidade histórica que não pode alienar. Contudo, não basta exigir rigor de contas aos nossos parceiros - é também necessário mudar algumas das premissas da política actual. 

Eu diria que, se a nossa intenção é resolver os problemas e não pormos os outros contra nós, melhor seria não provocar o pessoal tipo Bildzeitung (cujo voto vale tanto como qualquer outro) e tentar apelar ao pessoal tipo Die Zeit.

E por falar em Die Zeit, encontrei nesse jornal um texto, traduzido do francês, que diz tudo o que o povo português podia dizer à Angela Merkel - preto no branco, sem emoções nem insultos. Está aqui em alemão. E traduzo (rapidinho, rapidinho) para português:




A austeridade está a arruinar-nos a todos

A política alemã conduz a Europa à catástrofe
Second-Hand-Läden in Lissabon
Second-Hand em Lisboa
© Rafael Marchante/Reuters

A opinião pública alemã exige uma rigorosa disciplina orçamental dos outros países europeus. O que é muito compreensível. A República Federal Alemã fez ao longo de dez anos reformas muito dolorosas, que puseram em causa conquistas sociais e provocaram perdas de rendimento para uma parte importante da população. E, de facto, depois deste esforço espectacular, a economia alemã voltou a ganhar força. As finanças melhoraram, a taxa de desemprego baixou.

Perante o sucesso para o qual tão arduamente trabalharam, os alemães não compreendem porque é preciso agora subvencionar países que se recusaram a desenvolver esforços semelhantes, e em vez disso optaram pelo caminho mais fácil: o da dívida. Começaram a olhar com muita desconfiança para o Sul e as suas exigências, que, segundo temem, poderiam pôr em risco a estabilidade monetária na Europa. Também se lembram perfeitamente das promessas feitas alegremente por certos dirigentes europeus nas cimeiras da UE: mal os representantes dos países regressaram a casa, tudo ficou esquecido.

No entanto, esta atitude - compreensível, racional e lógica -, conduz-nos em linha recta à catástrofe. 

A política de poupança praticada na Europa tem um efeito destruidor. Executada de modo simultâneo - e muitas vezes brutal - está a asfixiar a procura em todo o continente. A actividade económica está a soçobrar, o número das falências aumenta, os lucros diminuem, e ao mesmo tempo a taxa de desemprego está a aumentar: em alguns países, já atinge mais de 20% da população. Em alguns países do Sul, metade dos jovens em idade de trabalhar não conseguem arranjar emprego. A paralisia económica reduz, por seu lado, as receitas de impostos e contribuições para a Segurança Social. E isto acontece numa dimensão tal que a política de poupança tem como resultado o efeito contrário do que pretendia: em vez de reduzir os défices, aumenta-os.

O exemplo mais óbvio para o efeito perverso da austeridade é dado por Portugal. Depois de ter executado com todo o zelo as sugestões europeias, mesmo as mais dolorosas, o governo em Lisboa viu-se obrigado a ver o seu défice aumentar e o seu endividamento atingir uma dimensão assustadora.

Por outras palavras: a política de austeridade é uma cura que corre o risco de matar os pacientes.

A recessão, que se começou a estender ao continente, vai ter também consequências políticas. Já agora se assiste a um afastamento dos povos das políticas que, na sua opinião, lhes é imposta por Bruxelas ou Berlim. É sabido que o pacto fiscal actualmente em discussão, que exige dos seus subscritores um "travão ao endividamento" e prevê mecanismos europeus de controle para garantir a disciplina orçamental, seria rejeitado em vários países se tivesse de ser aprovado em referendo, em vez de ser aprovado no Parlamento. Nestes tempos de crise, talvez os antieuropeístas estejam em maioria. Partidos extremistas ganham novo alento. Na França, a Frente Nacional chegou aos 20% nas eleições mais recentes, e a extrema-esquerda aos 10%; um terço da população francesa rejeita radicalmente o sistema europeu na sua forma actual. Fenómenos semelhantes acontecem em numerosos países da UE.

Por isso, os alemães vêem-se perante uma ameaça dupla. Em primeiro lugar, a sua economia, que depende das exportações para o espaço europeu, está directamente ameaçada pela recessão europeia. Por conseguinte, ao impor uma política de austeridade a países europeus gastadores, a RFA está a castigar-se a si própria. Uma Alemanha de sucesso no meio de uma Europa arruinada? Impossível. Em segundo lugar, também há uma ameaça política. A existência do Euro seria posta em causa se se tornasse, para os povos do Sul, um símbolo de dor e sacrifícios sociais; o crescimento de partidos nacionalistas iria então pôr em risco a união política que com tanto esforço tem vindo a ser construída por várias gerações de europeus, nomeadamente franceses e alemães. 

Mas há uma saída para este labirinto complicado. A Europa pode e tem de reagir à recessão:  a política de crescimento é a nossa maior urgência, mais que a política de poupança. Não que se possa prescindir de uma política orçamental séria, nada disso: é preciso restabelecer a confiança dos mercados nos governos europeus. Mas é necessária uma poderosa política conjuntural, e está nas mãos de Bruxelas tomar essa iniciativa. Só uma actuação imediata e conjunta, a nível continental, pode evitar uma recessão drástica que arruinará a Europa.

Como é que isso pode ser pago? Com créditos do Banco Central para a UE, e não apenas para os bancos. Afinal de contas, numa economia em recessão não há o risco da inflação. Chegou a hora de o Banco Central Europeu assumir a sua responsabilidade na promoção do crescimento, tal como todos os outros Bancos Centrais fazem - e também como o Mario Draghi começou a fazer, ao comprar no mercado secundário títulos da dívida pública dos Estados afectados. Uma tal política de expansão monetária, naturalmente dirigida e controlada, é a bóia de salvação para o continente ameaçado por uma crise semelhante à de 1929. Teremos de abrir mão de certos dogmas para isso? Necessariamente. Problemas extraordinários não podem ser resolvidos com os meios habituais. 
LAURENT JOFFRIN,
nascido em 1952, é Chefe de Redacção da revista semanal Le Nouvel Observateur e autor de vários romances e ensaios.


2 comentários:

filamentosmovimentos disse...

Muito Obrigado, Helena.

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...



Muito bom, este texto. Obrigado pelo trabalho de tradução.


Para quem não se atreve a iniciar a leitura, eu resumi-lo-ia do seguinte modo (metafóricamente): os alemães fizeram um ótimo trabalho a remendar o barco do seu lado, que ficou como novo. Usaram, porém, partes do casco do outro lado, que estavam mais à mão. Tiveram mérito nisso? Duvidoso. Mas as maiores culpas foi de quem não só não reparou o casco do seu lado, como ainda foi deixando levar os rebites que os alemães iam pedindo.


Resultado: o basco está como novo a bombordo, mas arrisca-se a meter água por estibordo e afundar! Lá se vai o esforço dos diligentes e desenrascados alemães por água abaixo...

Será que isto é assim tão diicil de explicar às "criancinhas" (espectadores das tv's) europeias?

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Bom, um pouco mais a sério, começo agora a perceber melhor a "teimosia da Dr.ª Merkel". Segundo o insuspeito Laurent Joffrin, a terapia aplicada na Alemanha deu certo. Por que não reoplicá-la nos outros "pacientes"?


Ora, que pena a Dr.ª Merkel (e sobretudo os que a seguem de forma canina, como o nosso salazarinho) não ser Médica. Perceberia muito bem que uma terapia bem sucedida num paciente não é necessáriamente a mais adequada em todos os restantes.


Ou seja, a coisa é mais complicada e não há "fórmulas" como as que os Engenheiros aplicam no cálculo das suas estruturas.


Isto não vai lá com "Engenheiros", é mais trabalho de "Médicos", que saibam adaptar a terapia às características e, sobretudo, ao metabolismo de cada doente.


A tragédia europeia é apenas esta: não distinguir entre estes dois métodos (e não os saber ensinar devidamente a quem manda e, sobretudo, a quem elege quem manda).


ZU HILFE! ZU HILFE! ZU HILFE!

(brademos nós, como Tamino)