06 novembro 2012

porque é que não vou traduzir para alemão a carta do José Maria Castro Caldas

Não vou traduzir a carta à Alemanha porque me parece que o diálogo com os alemães tem de ser feito a partir de um olhar sobre nós próprios e não sobre eles, e muito menos um olhar ignorante e envenenado sobre eles, e também porque esta mensagem, lida pelos alemães, é um grande tiro pela culatra. Ora vejam:


Senhora  Merkel, Chanceler da Alemanha

Venho pedir-lhe, por ocasião da visita que em breve nos fará, para levar consigo na partida uma breve mensagem aos seus concidadãos. Eis o que gostava que lhes transmitisse:

(Pedir à chanceler que leve ao seu povo uma mensagem na qual se afirma que os políticos alemães andam a enganar e a omitir informações ao seu povo é um excelente exemplo de diálogo construtivo. Começa da melhor maneira possível, e garante que a chanceler e os alemães leiam esta mensagem com uma empatia crescente e uma enorme vontade de resolver os problemas num ambiente de mútuo respeito e consideração.) 

Sabemos que na década passada os vossos governos vos disseram que tinham de abrir mão de parte dos salários para preservar o futuro do vosso Estado Social. Disseram-vos, e vocês acreditaram, que se prescindissem de uma pequena parte do rendimento presente vos tornaríeis “mais competitivos” e que, dessa forma, o vosso país poderia obter uma poupança capaz de sustentar as vossas pensões e os direitos sociais dos vossos filhos no futuro.
(Cuidado com as confusões: ninguém disse aos alemães que era preciso abrir mão de parte dos salários para preservar o Estado Social. Foi dito que (a) era preciso abrir mão de parte dos salários para tornar os produtos alemães mais competitivos, e que (b) era preciso reformar o sistema de Segurança Social para, no futuro, conseguir garantir um mínimo digno para todos - são questões muito distintas. A referência à Segurança Social nesta mensagem é particularmente contraproducente porque, se há algo de que os alemães se orgulham, é de terem tido a coragem de fazer as brutais reformas na Segurança Social que os outros países têm vindo a adiar obstinadamente. Hoje, olham para a sua Agenda 2010 (e eu, que nem gosto muito do Schröder, aqui lhe deixo uma menção honrosa: fazer estas reformas, mesmo sabendo que por causa delas vai perder as eleições, é obra!), comparam a situação do seu país com a dos países à sua volta, e concluem que valeu a pena. Lembro que na altura em que na Alemanha a idade da reforma passou dos 65 para os 67 anos, em Portugal a direita agitou o mais que pôde para evitar que se passasse dos 62 para os 65 anos.)
Sabemos que a década passada não foi fácil para vós e que o vosso país se tornou desde então menos bonito 
("menos bonito"?!) 
e mais desigual
(Sim, é verdade que a desigualdade aumentou de forma drástica. Os alemães não têm a menor dúvida quanto a isto, e há regularmente notícias de iniciativas para corrigir a situação.) 
Sabemos também que o objetivo pretendido foi conseguido. Que a Alemanha se tornou «mais competitiva», 
(Porquê as aspas?)
exportou muito, importou menos e mais barato, conseguiu grandes excedentes da balança de pagamentos e acumulou poupança nos vossos bancos.
Nós sabemos, mas vocês talvez não saibam, porque isso não vos é dito pelos vossos dirigentes, 
(O que o leva a pensar que os dirigentes não falam disto? Sugiro a consulta regular do jornal publicado pelo Parlamento alemão, onde os temas debatidos no Parlamento são abertamente tematizados, bem como dos jornais e revistas alemães. E havia mesmo necessidade de insinuar que os políticos alemães escondem informações importantes ao seu povo?) 
que esse dinheiro acumulado nos vossos bancos, foi por eles aplicado, à falta de melhor alternativa, em empréstimos a baixo juro aos bancos do sul da Europa, entre os quais os bancos portugueses, e por eles
(pelos bancos desses países, note-se) 
emprestado de novo com muita publicidade e matreirice a famílias do sul cujos salários também não cresciam por aí além, mas que desejavam ter casa, carro e um modo de vida parecido com o vosso.
(Primeiro: há algum mal em emprestar dinheiro a baixo juro aos bancos do Sul da Europa? Segundo: é mesmo necessário referir a matreirice dos bancos do Sul da Europa, e sugerir que os adultos desses países são vítimas inimputáveis, incapazes de tomar decisões responsáveis sobre a gestão das suas finanças? Isso é entregar as armas ao inimigo - em última análise implica admitir que os bancos do Sul não são sérios e que os povos do Sul não se sabem governar e precisam de uma instituição europeia a controlar a sua gestão e as suas contas.)
As nossas economias sujeitas à concorrência criada pela globalização que tanto convinha às vossas empresas exportadoras cresciam pouco. Mas o crédito que os vossos bancos nos ofereciam, por intermédio dos nossos, lá ia permitindo que as nossas famílias tivessem acesso a bens de consumo, muitos deles com origem nas vossas empresas exportadoras. Durante algum tempo este estado de coisas parecia ser bom para todos.
Quando em 2008 todas as bolhas começaram a estoirar, os vossos bancos descobriram que não podiam continuar a arriscar tanto e cortaram o crédito aos bancos do sul e mesmo aos Estados. Se a União Europeia não tivesse decidido que nenhum banco podia abrir falência, responsabilizando os Estados pelas dívidas bancárias, teríamos assistido a uma razia quer dos bancos endividados, quer dos bancos credores. 
(...e também a uma crise económica global e brutal, talvez até pior que a Grande Recessão - porque a falência dos bancos provocaria a falência de toda a economia e o fim imediato do Estado Social. O que neste momento se passa na Grécia e em Portugal, apenas porque os bancos não têm liquidez e os Estados perderam credibilidade, é uma minúscula amostra do que teria acontecido se a UE tivesse deixado cair os bancos.)
Mas a UE decidiu que os governos iam «resgatar» os bancos e que depois ela própria, com o BCE e o FMI, «resgatariam» os Estados. Foi desta forma que os vossos bancos, que haviam emprestado a juros baixos para lá de todos os critérios de prudência, se salvaram eles próprios da falência. Foi assim que eles conseguiram continuar a cobrar os juros dos empréstimos e a obter a sua amortização. 
(Há aqui qualquer coisa que me escapa. Os Estados resgataram os bancos para evitar a sua falência na sequência da crise iniciada nos EUA, nomeadamente a falência do Lehman Brothers e a venda de títulos sem qualquer valor. Quando a crise da Grécia rebentou, os Estados optaram por penalizar os bancos e os credores - nomeadamente na redução da dívida grega - em vez de os "resgatarem".
Claro que se todo o sistema bancário tivesse falido devido à crise financeira de 2008, não ficava ninguém para cobrar as dívidas do Sul. Mas os bancos não faliram, pelo que continuam a exigir aos bancos e aos Estados do Sul o pagamento das dívidas por eles contraídos. Qual é a dúvida?)

Doutra forma, teriam falido. Talvez vocês não saibam, mas os empréstimos concedidos à Grécia, à Irlanda e a Portugal são na realidade uma dívida imposta aos povos destes países para «resgatar» os vossos bancos. 
(Não, os empréstimos concedidos à Grécia, à Irlanda e a Portugal não são uma dívida imposta, são a resposta aos pedidos desses países. E, de facto, os alemães não sabem que os novos empréstimos a esses países são uma maneira de "resgatar" os bancos alemães. O que lhes é dito é que estes empréstimos são muito arriscados, porque os Estados podem não poder pagar, mas que, se as coisas correrem bem, serão um bom negócio. Contudo, o fim último dos respectivos juros - que, aqui, consta que são de 3,5%, mas em Portugal se diz serem "agiotas" - não é garantir o bom negócio, mas obrigarem os países a fazer um uso responsável desse dinheiro. Mais: provavelmente os alemães até nem se importariam em enviar transferências para os países do Sul, dinheiro a fundo perdido - mas gostavam de ter a certeza que esse dinheiro não vai parar directamente aos bolsos cheios do costume. A corrupção e o mau governo que infelizmente ainda grassam nos países do Sul são os motivos que impedem que as ajudas financeiras sejam realmente generosas.) 
Talvez vocês não saibam também que até agora, os vossos Estados, todos vós como contribuintes, não gastaram um euro que fosse nos «resgates» à Grécia, à Irlanda e Portugal. Até agora o vosso governo concedeu garantias a um fundo europeu que emite dívida a taxas quase nulas para emprestar a 3% ou 4% aos países «resgatados».
(Até agora os governos não gastaram um euro nos resgates, é verdade. Mas se a Grécia, a Irlanda e Portugal não forem capazes de pagar as dívidas que estão a contrair, as garantias dadas pelos Estados tornam-se automaticamente dívida que os contribuintes destes países terão de pagar. Os alemães sabem isto, de tal modo que, num debate parlamentar, até o partido "die Linke" acusou a Angela Merkel de estar a empenhar o dinheiro dos contribuintes alemães de forma muito arriscada e irresponsável. E convém acrescentar - talvez os portugueses não saibam... - que o perdão de metade da dívida da Grécia tem consequências graves nas finanças alemãs: entre redução da dívida para metade e redução dos juros sobre a restante metade, os bancos alemães, muitos deles garantidos pelo Estado e portanto pelos contribuintes alemães, perdem mais de 70% dos seus activos da dívida grega. Também muitos investidores privados, que aplicaram as suas poupanças em títulos da dívida grega, perdem esse dinheiro.) 
Talvez vocês não saibam que em breve este estado de coisas se pode vir a alterar. A austeridade imposta em troca de empréstimos está a arrasar os países «resgatados». Em breve, estes países, chegarão ao ponto em que terão de suspender o serviço da dívida. Nessa hora, haverá perdas, perdas pesadas para todos, contribuintes alemães incluídos. 
(Sabem, pois! Não há a menor dúvida sobre isso. No entanto, o que se diz na Alemanha é que os países do Sul estão a apostar na austeridade com custos insuportáveis para os seus povos, mas não estão a fazer as reformas absolutamente essenciais no combate à corrupção e ao aproveitamento do Estado por parte de certas empresas e lobbies, e no fortalecimento do Estado. Por isso mesmo é que já há quem diga que mais valia mandar borda fora os países que não se sabem governar - isto sou eu a falar à maneira do Bildzeitung, os políticos escolhem as suas palavras com mais cuidado - mas a resposta é sempre a mesma: o Euro é muito mais que uma moeda, é um símbolo fundamental de uma Europa que tem de saber construir-se solidária e forte; e a Alemanha tem uma responsabilidade histórica que lhe exige ser solidária com os seus vizinhos, em vez de os abandonar à sua má sorte.)
(Correcção - em 7.11: "países do Sul" é uma generalização. Cada país é um caso. O debate alemão a que me refiro é sobretudo relativo à Grécia. De Portugal praticamente não se fala. Os relatórios que se vão encontrando na net referem que o problema de corrupção em Portugal é bem menor que o da Grécia (Transparency International) e que Portugal tem muito melhores perspectivas de saída da crise.) 
Talvez vocês não saibam, mas no final, todo o esforço que haveis feito na década passada para tornar a Alemanha «competitiva» e excedentária se pode esfumar num ápice. 
(Sabem, pois!) 
Afinal os vossos excedentes, são os nossos défices, os créditos dos vossos bancos são as nossas dívidas. 
(Sim, lê-se frequentemente nos jornais alemães, em entrevistas a políticos e responsáveis de instituições financeiras alemães e europeus. E até dizem abertamente que "os bancos alemães também têm a sua quota parte de culpa nesta situação", por exemplo, e que o Euro não pode falhar, porque toda a Europa falhará com ele.) 
Os vossos dirigentes deviam saber que uma economia é um sistema e que a economia do euro não é exceção. Quando as partes procuram obter vantagens à custa umas das outras, o resultado para o conjunto e cada uma delas não pode deixar de ser desastroso. 
(Os dirigentes alemães não têm a menor dúvida sobre isto. Por exemplo: antes de em Portugal se falar sobre o problema de haver uma moeda única para economias tão díspares, já o jornal do Parlamento alemão tinha publicado textos sobre esse problema - nomeadamente sobre o modo como o valor do Euro estava a asfixiar as economias do Sul.) 
Talvez vocês não saibam, mas os vossos dirigentes andam a enganar-vos há muito tempo.
(Ah, esta é mesmo engraçada: o país do BPN e das PPP, do Presidente da República envolvido em negócios obscuros de fuga aos impostos e de ganhos de capitais, da promíscua dança entre cargos no Governo e cargos nas empresas que sugam o Estado, o país onde num Ministério desaparecem documentos fundamentais para a investigação de algo que na Alemanha já foi julgado e considerado crime, a avisar os alemães que andam a ser enganados pelos seus políticos. Que tal cuidar de pôr ordem na sua própria casa, antes de inventar roupa suja na casa dos outros?) 


Perdoe-me senhora Merkel se entre uma e outra palavra deixei transparecer amargura em excesso. É que não sou capaz de o esconder: o espetáculo de uns povos contra outros é para mim insuportável, 
(para os alemães também, e não percebem porque é que são alvo de tanto ódio, e porque lhes escrevem cartas como esta) 
sobretudo quando afinal todos eles se debatem com um problema que é comum – o da finança que governa com governos ao serviço de 1% da população, como o seu e o nosso. 
(A Alemanha não salva a Finança para ajudar esse 1% da população, mas porque sabe que se não ajudar a Finança é todo o povo que vai pagar um altíssimo preço - simultaneamente, muito tem feito para controlar mais essa Finança, sendo muitas vezes alvo das críticas dos parceiros, que a acusam de ir depressa demais (caso da proibição das vendas a descoberto logo a seguir à crise financeira de 2008, por exemplo); outro problema comum é que a incompetência e a corrupção de alguns governos europeus pode arrastar toda a Europa para o caos.)

À memória ocorrem-me tragédias passadas que deviam ser impensáveis. Concordará comigo pelo menos num ponto: é preciso evitar esses inomináveis regressos ao passado. 
(E que tal falar do futuro que queremos construir juntos, em vez de - talvez eu esteja a interpretar mal, mas é o que me ocorre - vir fazer o jogo da má consciência?)

***

Se me deixassem ser porta-voz do povo português, a carta que eu traduzia para alemão era mais ou menos assim:

Excelentíssima Senhora Doutora Angela Merkel, Chanceler da Alemanha
(ou em Portugal as cartas agora começam-se assim tipo: "Senhora Esteves, Presidente da Assembleia da República"?)

Estamos à rasca. Precisamos da ajuda da Alemanha. Precisamos que as vossas empresas se instalem em Portugal para reduzir o nosso desemprego (não somos baratos como os chineses, mas estamos mais perto, e é do interesse de todos que não haja grandes disparidades no nível de desenvolvimento económico dos países europeus). Precisamos de empréstimos directos às nossas empresas, porque a falta de liquidez dos nossos bancos está a asfixiar a nossa economia. Precisamos que nos protejam dos nossos próprios políticos: enviem uma lista standard de apoios da Segurança Social abaixo da qual não se pode descer; enviem troikas (talvez escandinavas?) para passar a pente-fino e renegociar os contratos das PPP, para fiscalizar os processos das privatizações; enviem uma troika alemã para nos ajudar a reformar o nosso sistema de Justiça; enviem fotocópias dos documentos sobre o caso dos submarinos, porque os nossos desapareceram. Precisamos que nos protejam dos nossos próprios ricos: acabem com as diferenças fiscais europeias, que levam as empresas a criar sedes fiscais noutros países; ajudem-nos a criar um sistema eficaz de fuga aos impostos. E para já, imediatamente, precisamos de ajudas directas às nossas famílias mais pobres - os nossos pobres estão em situação desesperada.
Conhecemos a generosidade e o espírito de Justiça do povo alemão, e contamos com a vossa ajuda. Queremos construir convosco uma Europa mais sólida, mais equilibrada e sobretudo mais democrática.

(Carta escrita mais depressa que o pensamento. Faltam com certeza muitos outros aspectos. Fica aí como contra-proposta, para debate.) 

21 comentários:

Ant.º das Neves Castanho disse...

Muito bem, Helena.

Parece-me que estamos todos a ver a mesma realidade, mas cada qual com lentes diferentes, que a distorcem de modos bastante díspares e até, em muitos casos, grosseiros.

Esta cartinha do Castro Caldas enferma do vício mais comum na "elite" intelectual portuguesa: a Merkel e a Alemanha só têm mesmo é que nos ajudar, senão nós lixamos "isto" tudo, e se não nos ajudarem é porque os alemães são todos uns burros, para além de ignorantes (sobretudo da sua própria História)!

Parece até uma coisa de crianças mimadas, de tão indigente, mas é esta a narrativa que, DA ESQUERDA À DIREITA, nas suas cambiantes de forma e de tom, se "vende" no espaço público em Portugal.

Ant.º das Neves Castanho disse...



Quanto à tua "carta" - e saltando agora sobre a discussão, para aqui lateral, de como deveriam os Estados ter lidado em 2009 com uma crise que era sobretudo privada -, parece-me que o caminho é por aí, mas há que urgentemente "explicar" às autoridades alemãs que existem diferenças de mentalidade ABISSAIS, que de facto podem induzi-las muito em erro.

Ou seja, aquilo que a Alemanha, o BCE e, em geral, a "troika" pensam que é uma terapia adequada pode, no caso do paciente "Portugal", que é de facto muito "sui generis", NÃO O SER!

E onde é que eu acho insuficiente, neste ponto, a tua carta? Por um lado, no foco sobre quem mais sofre com a crise. De facto, tirando os desempregados e os que recebem o RSI, os mais desfavorecidos neste momento não são os empregados mais mal pagos, que afinal continuam A AUFERIR PRÁTICAMENTE O MESMO que auferiam antes da austeridade, mas sim a chamada CLASSE MÉDIA, que perde brutalmente e que, com isso, FAZ AFUNDAR UMA ECONOMIA BASEADA NA PROCURA INTERNA! Este é que é o calcanhar de Aquiles de Portugal e que pode baralhar os "crânios" da Finança europeia!

Eu, como simples "médico de família", diria aos doutos Especialistas europeus que, se querem mesmo salvar o paciente, têm que EVITAR A TODO O TRANSE A DESTRUIÇÃO DO SEU FRÁGIL "SISTEMA IMUNITÁRIO" POR PARTE DA TERAPIA DE CHOQUE QUE PROPÕEM, que é o que me parece não estar a ser compreendido pela "troika" (e as afirmações de espanto do etíope e do finlandês, com o disparo da taXa de desemprego, mais os recentes alertas atónitos da francesa provAm-no)!

Portugal tem mesmo de mudar estruturalmente, se quiser continuar no Euro - mas nada está a ser feito por enquanto, atenção! -, mas isso é uma tarefa estratégica, não se pode resolver em dois anos!

E tem de continuar ENTRETANTO a poder funcionar, ainda que no seu "metabolismo deficiente", para conseguir preservar a sua capacidade de cumprimento das obrigações - caramba, ninguém quer perdões em Portugal, apenas mais tempo para pagar! -, ou seja, tem de ser concedido um maior prazo e, sobretudo, TEM QUE SE ALTERAR A TERAPIA, forçando o Estado a funcionar noutros moldes mais sãos, sem MASSACRAR CEGAMENTE OS ASSALARIADOS E OS PENSIONISTAS!

E, acima de tudo, é preciso aliviar a tensão, distender os espíritos, se a ideia é mesmo criar bases para um diálogo frutífero!

Ninguém até aos anos 80 discutia o desarmamento nulcear em Quartéis, com as armas aperradas, bolas!

Não haverá por aí um "jardim" tranquilo onde as pessoas DE BEM se possam entender?

Bom, mas aqui entra uma questão prévia e crucial: é o atual "guverno" português uma "pessoa de bem"?

Pois eu estou convencido de que NÃO É. E o primeiro passo a dar, se necessário com o apoio da Dr.ª Merkel, é pôr urgentemente um "Mário Monti" no Governo português!

Ah, mas isso entronca noutro lapso da tua carta: é preciso que a Comunicação Social portuguesa vá toda para umas Termas e seja substituída por uns voluntários bem-intencionados, SEM INGERÊNCIAS DOS PODERES JUDICIAIS E CONLUIOS COM O SEGREDO DE JUSTIÇA!


Pois sem isso, não há nenhuma pessoa DECENTE (como por exemplo o Rui Rio?) que aceite ser o nosso M. Monti! É isto que os alemães deveriam saber. Comecem por lhes contar bem contadinho como é que o "Processo Friporcos" deitou literalmente abaixo o PEC 4, que a Merkel acarinhava, e começou a "lixar" este País e a ameaçar a Europa (isto sem querer aqui fazer juízos de valor sobre o Sócrates, apenas como "case-study" do pior bloqueio que estrangula Portugal)...

Helena Araújo disse...

Vivendo em Berlim, e lendo o que se escreve em Portugal, dá para ver bem essa disparidade de perspectivas. E dá para ver melhor o erro grosseiro dos portugueses, quando pensam que os alemães são assim e assado. É uma pena não haver mais gente a falar alemão, e a poder informar-se directamente nas fontes!

Helena Araújo disse...

A. Castanho, em relação ao teu segundo comentário, uma resposta muito rápida:
Obrigada pela chamada de atenção às lacunas. Esqueci-me disso, e também de dizer que a nossa partidocracia nos deixa desesperados.
Mas não concordo com alguns dos pontos que referes.
Especialmente a questão de um Monti. E o Rui Rio, para mais. Para além da questão da própria democracia, não sei se ficaria muito satisfeita com um Rui Rio feito cavaleiro andante da Merkel. Sem a conhecer, avaliando apenas pelo que ouvi no vídeo que deixei aqui há dias, preferiria de longe uma Maria João Rodrigues. Mas isso era se estivéssemos em situação de "suspender a Democracia"...

mar disse...

Helena, obrigada pela perspectiva diferente.

Referiu juros de 3,5%; recordo-me de em tempos ter lido que o ministro Vítor Gaspar disse no parlamento que as taxas médias eram de 4,3%. Na altura, li apenas num jornal e tomei a indicação por dado adquirido.

Depois de ler o seu post, fiquei curiosa e a questionar-me (na verdade, já não seria a primeira vez que um jornalista do diário em questão fazia confusão com números) e gostaria de ter outras referências. Dado que o meu alemão ainda é um bocado rudimentar e, provavelmente, demorarei semanas a encontrar o que quero se pesquisar, ficar-lhe-ia grata se me pudesse indicar uma qualquer referência sobre o assunto (se a tiver 'à mão', claro).

Helena Araújo disse...

Magoncal,
aqui é muito difícil arranjar informações sobre Portugal.
Uma passagem pela net revela-me que:

- Em 25. Janeiro 2011 o Fundo Europeu de Estabilização Financeira deu à Irlanda um crédito de 5 mil milhões de euros, por 5 anos, com uma taxa de 2,89 %.

- Aqui: http://www.foonds.com/article/22767/ diz que Portugal paga juros ligeiramente acima dos 3%, e que os devia renegociar, para os baixar.

Acho muito estranho ser tão difícil encontrar informação sobre os juros pagos.

Helena Araújo disse...

Afinal andei à procura destes dados em alemão, e o Expresso trazia os números exactos há meia dúzia de dias:

Estado 'poupa' 800 milhões com descida dos juros europeus
Primeiro-ministro revelou que descida das taxas cobradas pela Europa deram almofada nas contas deste ano. Taxa média cobrada pelos fundos europeus está entre 3% e 3,2%, abaixo dos 4,7% do FMI

João Silvestre (www.expresso.pt)
11:04 Terça feira, 30 de outubro de 2012
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19 comentários
Passos Coelho assegurou hoje no Parlamento que o Estado vai 'poupar' 800 milhões em juros a pagar à troika este ano. Na abertura do debate do Orçamento do Estado, o Primeiro-ministro puxou dos galões da revisão da taxa de juro dos empréstimos da União Europeia que aconteceu no verão passado e que, além de Portugal, beneficiou também a Irlanda já depois de ter sido aplicada à Grécia.

Neste momento, os fundos europeus (o fundo europeu de estabilidade financeira - FEEF - e o mecanismo europeu de estabilidade financeira da Comissão - EFSM) cobram a Portugal taxas médias de, respetivamente, 3,2% e 3%, segundo os últimos dados da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP). A União Europeia já emprestou a Portugal quase 39 mil milhões do total de 58,5 mil milhões que já chegaram ao país.

Inicialmente, as margens cobradas a Portugal e aos restantes países resgatados da zona euro eram mais elevados mas, pouco depois de negociado o pacote português, as condições dos empréstimos foram revistas. Já o FMI, que emprestou 19,8 mil milhões até este momento, está a cobrar uma taxa média de 4,7%.

Embora o Fundo tenha um custo de financiamento mais baixo, correspondente à taxa média ponderada de curto prazo nos EUA, Reino Unido, Japão e zona euro, aplica uma margem superior que depende do prazo e do montante do empréstimo e que varia entre um e quatro pontos percentuais. No conjunto, a taxa média suportada até esta altura, quando a maior parte do envelope financeiro já foi disponibilizado, é de 3,6%.

A execução orçamental até setembro revela que os encargos com juros da dívida estão a crescer mais lentamente do que o previsto no Orçamento do Estado. Mesmo assim, o Estado vai gastar 7039 milhões em juros este ano, mais 158 milhões que em 2011. Sem esta folga da Europa, a fatura teria rondado 7840 milhões. Para 2013, o Orçamento prevê que as administrações públicas gastem 7164 milhões com juros.



Ler mais: http://expresso.sapo.pt/estado-poupa-800-milhoes-com-descida-dos-juros-europeus=f763300#ixzz2BTaVl6TF

mar disse...

Helena, muito obrigada.

Acabei de encontrar também o artigo do Expresso que refere e vinha cá colocar o link.

E consegui também localizar o tal artigo que me fizera crer que a taxa era de 4,3% (se tiver curiosidade, pode ver aqui: http://www.jn.pt/PaginaInicial/Politica/Interior.aspx?content_id=2158966).

Helena Araújo disse...

Obrigada, já li. Parece-me que faz sentido: os juros cobrados pela Europa são mais baixos, os do FMI mais altos, a média andará por aí.

Gi disse...

Gostei muito de ler este post e respectivos comentários.
A desinformação e a corrupção podem ser os nossos maiores problemas.
Eu estou a aprender alemão, mas ainda falta muito para conseguir ler jornais alemães...

Ant.º das Neves Castanho disse...

Helena, só para não restarem quaisquer mal-entendidos quanto às nossas (aparentes?) discordâncias:

1º) Não me parece nada que o Mário Monti seja um lacaio ("cavaleiro andante") da Merkel, nem seria de todo esse o papel que eu desejaria ver desempenhado pelo próximo 1º-Ministro português (para isso já nos basta o atual!...);

2º) Falei em Rui Rio à falta de melhor exemplo, mas claro que haverá outros bons candidatos, como a M.ª João Rodrigues, sendo que, contudo, o Rui Rio está não só ainda no "activo" em Portugal, como sobretudo integra o Partido que ganhou as últimas Eleições - nota que eu não quero de modo nenhum que a solução governativa implique uma suspensão da Dmeocracia (para isso já o tivémos o Salazar - chegou e bastou!)!

3º) Não sei por que carga de água se associa o Monti a uma suspensão da Democracia! Pelo contrário, qualquer solução governativa para Portugal tem que ser, cumulativamente, uma solução de Competência, de Força política de Legitimidade social mas, acima de tudo, de absoluta Democraticidade constitucional - OU NÃO SERÁ SOLUÇÃO DE COISA NENHUMA!


E dentro da atual Assembleia da República - nem sequer precisamos de Eleições antecipadas! - creio que seria possível uma solução governativa de Unidade e Salvação Nacional, a perdurar até ao final da presente Legislatura. Com humildade e muito bom senso por parte de todos os Partidos que subscreveram o Memorando (e muita auto-crítica por parte dos responsáveis, à Esquerda, pelo derrube do Governo anterior!).


Assim tivéssemos um verdadeiro Presidente à altura da situação excepcional que vivemos, mas não temos.


Daí que tudo passe por Belém: forçar Cavaco a renunciar e a admitir que, até pelo seu estado de saúde (já para não abrir mais feridas...), já nada mais pode fazer pelo seu País, ou melhor, o que de mais positivo pode ainda fazer por um Povo que absurdamente confiou nas suas parcas capacidades é admitir que não as possui e deixar o nosso Futuro (interrompido em Janeiro de 2011) recomeçar!

jj.amarante disse...

Helena, sinto-me com pouca energia para discutir estes temas, inclino-me mais para a sua missiva do que para a outra mas não resisto a uma observação formal: depois de iniciar uma carta tão bem com todos os rrs e ffs, mantendo a tradição da complexa teia de regras portuguesas para o tratamento de outras pessoas, não se inicia o texto duma carta desta responsabilidade nesse tom coloquial do "Estamos à rasca". Uma alternativa, sim porque só para o governo português é que não existem alternativas aos rumos que vão traçando (ou executando conforme outros lhes dizem), uma alternativa melhor seria "Como sabe, o nosso país está a travessar uma fase menos boa, no que diz respeito a vários indicadores económicos e financeiros".

Helena Araújo disse...

Pois, há ali um desnível monumental.
Comecei por endereçá-la correctamente, porque aquele "senhora Merkel" me irrita muito: acho que há aqui um machismo encapotado.

Depois, escrevi a correr, pensando apenas no conteúdo e não na forma. Claro que podemos pensar noutra maneira de exprimir o "estamos à rasca", mas esse "como sabe, o país está a atravessar uma fase menos boa" é um eufemismo. Ou então, ando a ser enganada pelos portugueses com quem falo... O que me dizem é que isto é uma terrível crise para a qual não se vê saída.


Helena Araújo disse...

A. Castanho,

desconfio que raramente estivemos tão concordantes! ;-)
(mas a discordância não é um mal, claro)

1. O Monti: não tenho nada contra ele, e até gostei daquela iniciativa (finalmente! já não era sem tempo!) de reunir os países em dificuldades para tentarem desenhar uma contra-proposta comum. Mas não foi eleito democraticamente, foi nomeado, o que é sempre um calcanhar de Aquiles.

2. Gostas do Rui Rio? Eu tenho ouvido dizer muito mal dele - mas a verdade é que estou longe do país, não posso ajuizar convenientemente. Será que, se houvesse eleições, os portugueses o escolhiam? (Bem, neste momento provavelmente o PSD perdia as eleições, nem que o seu cabeça de lista fosse o D. Sebastião...)

3. Pois, o tal calcanhar de Aquiles. Mas compreendo-te inteiramente: um governo de salvação nacional, empenhado realmente em salvar o país e enviá-lo por bom rumo, e não em ganhar as próximas eleições, era aquilo de que o país precisava. Mas as ideologias são tão diferentes... Se vês por exemplo o que o Crato anda a fazer ao ensino - como seria possível que os socialistas aceitassem uma coligação onde se cometem esses crimes contra o futuro do país?

jj.amarante disse...

Claro que a frase que usei é um eufemismo, mas julgo ser o que se usa tradicionalmente nestas cartas a uma chanceler de um estado estrangeiro, a chancelaria sabe descodificar os maneirismos do texto. Estamos numa grande crise e não parece existir uma saída dentro do universo das medidas normais. O que quer dizer que é inevitável que, mais cedo ou mais tarde, sejam tomadas medidas excepcionais. Algumas das medidas já tomadas já gozam dessa propriedade de "excepção".

Ant.º das Neves Castanho disse...



Helena, o Monti não foi eleito, é um facto, mas isso não significa que seja menos democrático (pois a sua nomeação não desrespeitou nenhuma regra constitucional italiana)! O Santana Lopes também não foi eleito e ninguém contestou a sua nomeação... Aliás, o contrário também é infelizmente frequente (o Hitler - como o José Eduardo dos Santos... - foi eleito!).

A democraticidade não se esgota na legitimidade eleitoral, antes funda-se também na legalidade constitucional, que em Itális não foi mínimamente beliscada. É bom que não haja quaisquer dúvidas quanto a isso.


Em Portugal quem escolhe o 1º-Ministro é o Presidente, ouvidos os Partidos parlamentares, e quem aprova o Governo é a Assembleia. Não há nada de estranho em o Presidente demitir um Governo, sobretudo quando este ignora Acórdãos do Tribunal Constitucional (caramba!), e propor outro 1º-Ministro à Assembleia.


E se falei no Rui Rio foi sobretudo por ausência de melhores hipóteses dentro da área PSD/CDS. No entanto, é tido em Portugal por um político sério, competente, determinado e sensato. Não dou demasiada importância à sua prestação na CMP, mas antes estou a considerar as suas intervenções em termos nacionais, enquanto figura relevante do PSD. Vês alguém mais credível nesta área política? Com mais aceitação por parte do PS? Eu não. Se ganharia as Legislativas seguintes ou não, é-me indiferente. Se fizesse um bom trabalho eu ficaria eternamente agradecido, mas logo veria em quem deveria votar para lhe suceder, isso agora não está em causa.


Não me parece que um Governo liderado por Rui Rio tivesse algum dos atuais Ministros, excepto provávelmente o da Saúde (que é o único que, pelo menos, não se porta como um cretino). Tudo o resto iria à vida, penso eu...


E o PS poderia ou não ter Ministros nesse Governo. O importante é que houvesse diálogo, concertação e comprometimento com as grandes opções do País, as reformas realmente estruturais e a postura perante o exterior. No final, o debate político poderia então regressar, mas certamente mais elevado, honesto e construtivo.

Ant.º das Neves Castanho disse...



Resumindo: mais do que uma solução política, Portugal precisa urgentemente de uma solução ÉTICA. E de exemplo moral. Nas Instituições e na Sociedade.

sem-se-ver disse...

(penso que o senhora merkel é traduçao exacta de frau merkel que, como já explicaste aqui, é o tratamento que se lhe dá, e às senhoras em geral, na alemanha, sem descortesia de qualquer tipo)

Helena Araújo disse...

A. Castanho,
gosto! :)
(Mas não estou a ver nenhum político do PSD que pudesse fazer isso bem. O que não quer dizer nada: moro a 3000 km de Portugal!)

Helena Araújo disse...

sem-se-ver, a tradução exacta de um tratamento cortês para as senhoras em alemão, é um tratamento cortês para as senhoras em português.
Ninguém chama à presidente da Assembleia da República "senhora Esteves", nem à ministra da Justiça "senhora Teixeira da Cruz".
Quando lhes endereçam uma carta provavelmente escrevem "Excelentíssima Senhora Doutora Fulana" (ou engenheira, ou o que forem), e se falam delas dizem "a Paula Teixeira da Cruz" e a "Assunção Esteves". OK, e "a Cristas".
Também se diz Herr Kohl e Herr Joschka Fischer, mas nunca ouvi em Portugal dizerem o senhor Kohl e o senhor Joschka Fischer.

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...



Eu ainda acredito que haja uma parte sã no PSD (Rui Rio e alguns outros, como Pedro Marques Lopes e certamente outros que ainda não apareceram na ribalta - se calhar por pudor...), no CDS (Bagão Félix, Ribeiro e Castro) e no PS (Ferro Rodrigues, Francisco Assis, Rui Pereira, João Galamba, Isabel Moreira, etc.).


O grave problema é as pessoas honestas, em todos os Partidos, não se arriscarem a expor-se na vida pública por causa do complexo mediático-judicial, que tritura qualquer um que se atravesse no caminho dos arqui-poderosos.


É este tipo de idiossincrasias portuguesas que os alemães desconhecem e que, se lhes contarem, talvez nem acreditem. Vão pensar que estão a falar-lhes da Sicília...

Mas este é que é o maior problema português da atualidade. Enquanto não enfrentarmos esta BESTA, todos os esforços serão inúteis. Atentem bem nisto que vos digo, pessoas de bem de Portugal (e de "além-mar").