O presidente da República Federal Alemã, Joachim Gauck, vive "amancebado" com uma jornalista - a Daniela Schadt. Ele está separado, mas não divorciado (imagino os motivos que terá, mas não vou escrever aqui especulações). Por estes dias, o casal "amancebado" esteve em Londres, e foi recebido pela rainha. Como se fosse perfeitamente normal. A única dificuldade é encontrar uma forma de tratamento digna para a companheira do presidente. Se se trata de casados, o protocolo não tem muito que pensar: "sua excelência, o presidente bla bla bla e a esposa". Neste caso tem sido "sua excelência, o presidente bla bla bla e a Frau Schadt". Talvez arranjem outra forma, talvez nos habituemos a esta. Mas o mais importante está aí: a amante - a amada - já não tem de ficar escondida nas traseiras da casa, longe dos olhares críticos da sociedade. Já ninguém se importa.
Volta, Christiane Vulpius, estás redimida.
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A Christiane Vulpius viveu cerca de vinte anos com o Goethe sem serem casados. A casa onde moravam, no centro de Weimar, tinha duas alas, separadas por um pátio interior. Uma era virada para a rua, a outra para o jardim. A ala da frente era a parte representativa da casa; a de trás, inacessível ao mundo exterior, era reservada à família. Com as invasões francesas os acontecimentos precipitaram-se. Os franceses entraram pela cidade a saquear e violar, e a Christiane Vulpius soube proteger a casa em que viviam (em Weimar há variadas versões sobre este episódio. Eu gosto da minha: a Christiane Vulpius a abrir a porta do casarão, e a correr os franceses à bordoada verbal). Certo é que logo depois se celebrava o casamento dela com o famoso escritor, e Johanna Schopenhauer, a mãe do filósofo, a pedido de Goethe quebrava o cerco de hostilidades da cidade. Com uma frase que ficaria para a história, anunciou que a convidaria para o seu salão: "Se Herr Goethe lhe dá o nome, eu não posso negar-lhe uma chávena de chá".
Um chá como esmola.
Na longa história de humilhações infligidas às mulheres, o que mais choca é o papel tantas vezes desempenhado pelas próprias mulheres.
10 comentários:
Não pude deixar de pensar na história de Snu Abecassis e Sá Carneiro.
Essa lambisgóia?
;-)
(quanto sofrimento, quanto sofrimento para chegarmos aqui)
Triste é que, em Portugal, tenham sido tão atacados por pessoas como Mário Soares e Maria Barroso, que tantos pergaminhos invocam na luta pela liberdade (e, evidentemente, têm um papel muito importante nessa luta).
Ter direito ao seu próprio nome é uma grande coisa.
Ana,
também se pode ver assim, claro.
Por respeito a elas: O papel que cada uma desempenha só a elas diz respeito e ninguém tem o direito de julgar.
Interessada,
Na prática, o Gauck é casado com uma mulher e apareceu no palácio da rainha de Inglaterra com outra. Que não estava lá no papel de jornalista convidada pela rainha, mas no papel de companheira do presidente.
Este apontamento serve para notar que já ninguém (ou poucos) põe em causa que o mais importante é a relação afectiva e não o vínculo jurídico. Um sinal dos nossos tempos - e não estou a julgar.
Mas a sociedade tem encontrar uma nova normalidade, tem de definir novas "normas": como é que o protocolo deve apresentar a companheira (o companheiro) de uma figura pública?
Para mim - e é apenas a minha sensibilidade - dizer "o presidente fulano e a Frau fulana" lembra-me demasiado "o rei Luís XV e a Madame de Pompadour". Ao dizer o nome dela, cria-se uma distância institucional entre os dois.
Preferia que dissessem "o presidente fulano e a sua companheira". Ou algo assim.
Felizmente, há coisas que mudam (e para melhor).
E, apesar de achar que ser referida pelo próprio nome em vez de pela relação que se tem com um determinado homem é também uma grande evolução positiva, acho que também percebo a perspectiva da Helena.
Talvez a alegre saber que, pelo menos alguma imprensa britânica, a recepção no palácio era referida como "The Queen and The Duke of Edinburgh welcome His Excellency Mr. Joachim Gauck, President of Federal Republic of Germany, and his partner, Ms. Daniela Schadt"
Marcia,
gosto dessa solução. :)
O que é um grande avanço, o próprio Ms., já que até há pouco tempo a própria Rainha só admitia o Miss ou Mrs... tenho de facto muita curiosidade em saber como foi tratada oficialmente.
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