06 outubro 2012

Praga (2)

Sábado de manhã: cara de chuva.


Começámos com um vagaroso brunch no hotel, lendo os jornais alemães do dia - ele há luxos!
O nosso hotel era um edifício típico Arte Nova, recentemente recuperado e modernizado. A sala dos pequenos-almoços era muito curiosa, porque foi feita sobre uma caixa de vidro usada como sala de reuniões. Aparentemente a sala inicial teria um pé direito descomunal, e os arquitectos optaram por aproveitar o espaço para dois usos: sala de reuniões em baixo, sala de refeições em cima:



Agarrámos nos impermeáveis, e saímos. Atravessámos a Torre da Pólvora


e entrámos na Casa Municipal, um edifício Arte Nova construído no sítio onde ficava o palácio real medieval. O nosso guia dizia que os bolos daquele café eram deliciosos, mas tínhamos acabado de brunchar e os bolos não pareciam tão excelentes como apregoados. Em compensação, a arquitectura e a decoração do café e do restaurante são realmente especiais.
Não nos lembrámos de a fotografar de dia, de modo que vai assim:



Continuámos pelos lugares com menos turistas, surpreendemo-nos com algumas curvas nas ruas: quem as teria desenhado assim, e porquê?


De esquina em esquina, chegámos a uma igreja com uma impressionante fachada.


Em frente à igreja, outra fachada surpreendente:



E mesmo ao lado, um oásis francês,


paredes meias com um oásis inglês:


O novo livro da J.K. Rowling estava exposto na montra. Mas nós já não somos tão novos como quando, em Paris, comprámos na livraria inglesa o Harry Potter que tinha saído nesse dia, e carregamos o calhamaço a pé por toda a cidade. Ou como quando, em Londres, não resistimos a comprar um pesadíssimo álbum de fotografias no Travel Bookshop de Notting Hill, mais o entretanto batido "1000 places to see before you die", que na altura nos pareceu muito giro (é tão triste fazer figura de turista...).
Portanto: como de dor de costas em dor de costas vamos aprendendo para a vida, não comprámos o livro, e ainda bem, porque no jornal alemão do dia seguinte viríamos a ler uma crítica devastadora, que contava sobre as condições de secretismo em que o livro fora traduzido para alemão (duas tradutoras alemãs a viver um mês em Londres, trabalhando numa sala sem internet e com computadores aparafusados às mesas, com três senhas diferentes, etc.) e tudo isto para quê? Para evitar que a crítica desfizesse o livro no próprio dia do lançamento, mas apenas três dias mais tarde...

Seguimos para a nossa conhecida praça central, pelo que atravessámos a praceta que fica por trás da tal igreja que fica por trás das tais casas. A igreja de Nossa Senhora de Tyn, mais propriamente. Parece que o adro da igreja é afinal esta praceta nas suas traseiras. Ora, não dá jeito nenhum uma pessoa sair da missa, atravessar o pátio, sair para a praça central, virar à direita, virar outra vez à direita, e contornar a igreja para finalmente chegar ao adro. Até chegar lá, uma pessoa até se esquece de todos os cortes na casaca que queria fazer com as comadres - com adros assim, a vida social dos checos ao domingo de manhã não deve ser lá grande coisa...

Era sábado, e um alegre grupo de homens judeus ia a caminho da sinagoga. É a primeira vez que escrevo "judeu" e "alegre" na mesma frase. Isto de viver no país da Holocausto tem efeitos secundários graves.


Da praceta saímos para uma viela com casas desalinhadas (e ainda falam dos portugueses, e das suas cidades construídas sem plano):


e voltamos para trás, para ir visitar a igreja de Nossa Senhora de Tyn. Não foi difícil dar com a entrada,


mas havia um casamento e não nos deixaram passar. Não nos importámos muito - a igreja tem um ar sombrio e confuso, e ostenta na fachada um vestígio de um triste episódio de guerras religiosas: após a derrota dos utraquistas (protestantes que comungavam em pão e vinho), os católicos fundiram o cálice dourado que aqueles tinham posto por cima do pórtico, para o transformar numa auréola de fogo à volta da imagem de Nossa Senhora.


Bem sei que os tempos são outros, e que não podemos cair na tentação da crítica anacrónica, mas custou-me realmente ver em Praga tantos vestígios das lutas pelo poder religioso e dos gestos de humilhação dos adversários - esses que, afinal, crêem no mesmo Deus!

Sentámo-nos junto ao monumento do Jan Hus, e eu desatei a ler avidamente o meu guia, para preparar os passos seguintes. Ao fim de uns minutos, declarei: à nossa frente estão vários palácios.


O Joachim riu-se, profundamente grato por me ter como guia turística. Sem mim, nunca conseguiria chegar a conclusões tão assertivas...
Ficámos ainda um pouco a ler sobre o Jan Hus, que no princípio do séc. XV (um século antes antes de Martinho Lutero, portanto) lutara por uma igreja sem vaidades e vícios mundanos, com celebrações em checo e com verdadeiras comunidades cristãs, sem propriedade privada - o que influenciou não apenas a igreja, mas também os ideais políticos checos.

Junto à Câmara havia barraquinhas com comidas tradicionais: uma massa de pão enrolada em espetos grossos e assada sobre brasas,



o fantástico presunto de Praga, também assado sobre as brasas, que eles cortavam em nacos enormes e serviam com chucrute. Da próxima vez que formos a Praga, já sabemos: nada de brunches no hotel!


Virámos costas à tentação, e saímos da praça pela rua Melantrichova...


...onde nos esperava o Sex Machines Museum! Lembrámo-nos do filme Hysteria e desatámos a rir. À entrada tinha uma máquina para testar a - digamos assim - propensão momentânea das pessoas: um turista sentava-se no cadeirão, a máquina começava a piscar, e às tantas lá vinha o veredicto: "hot" ou "wild" ou "tepid" ou outra coisa qualquer. Uma risota pegada. É giro viver num tempo onde as pessoas não têm problemas em brincar assim no meio de desconhecidos.


Ao que parece, o museu tem sobretudo equipamentos sado-maso, e alguns vibradores históricos.
Na mesma zona há também um museu de instrumentos de tortura - esse, nem sequer olho para o cartaz!

Alguns metros à frente encontrámos uma loja de chapéus. Chapéus de todas as cores e formas, quase todos com design checo e 100% lã. Experimentámos alguns, e quando perguntei em inglês se tinha chapéus tipo anos vinte, assimétricos, responderam-me em português! Não há dúvida: somos mais que as mães!
Comprei um chapéu vermelho óptimo: é bonito e elegante como um chapéu, mas aquece as orelhas como um gorro.



A rua desembocava numa praça com um certo ar de Idade Média, no meio da qual havia um mercado de frutas e legumes. Vontade de comprar tudo!



Não é que tivéssemos fome, mas numa cidade assim é difícil controlar a gula. Junto ao mercado havia um café francês: entrámos "só para ver", e não resistimos. Todos os bolos tinham um aspecto fenomenal. Eu não conseguia tirar os olhos de um que o empregado descreveu como "cream with cream". Very light, comentei eu, e ele riu-se. Serviram-nos o cappuccino mais bem tirado da minha vida, e os bolos divinos.
Daí a pouco o empregado apareceu na rua, junto à nossa mesa, a comer um bolo igual ao meu. Bem me queria parecer que tinha escolhido o melhor de todos!



4 comentários:

Gi disse...

1. A Casa Minicipal é onde eles fazem o Festival da Primavera.

2. Fica-te muito bem esse chapéu. Se gostas de chapéus, e ainda não conheces, há uma lojinha muito simpática no Bairro Alto em Lisboa.

3. Esses espetos de pão devem ser óptimos para hot-dogs.

4. Tenho saudades do tempo em que pensava em bolos (e gelados, e bolachas) sem pensar imediatamente em calorias.

Paulo disse...

1. Estive em Praga há quase vinte anos e estou curioso para ver, mais para o fim do mês, como a cidade está agora. Parece-me que muito diferente. Não as ruas e a arquitectura (o museu continua de pé), mas o resto.

2. A primeira pessoa com quem falámos no aeroporto de Lugano era um português. O taxista que nos levou era português. A Alcinda, que serve à mesa no restaurante onde quase sempre fomos jantar, é portuguesa. Na cantina da Universidade de Lugano trabalham vários portugueses e outros que se despediam de nós com um claríssimo "obrigado". Cheguei a pensar se não me teria enganado no país.

Helena Araújo disse...

Gi,
a pedido de várias famílias, troquei as fotografias - agora tem uma do chapéu que está a cores.
O pão feito assim nos espetos não deve dar para hot dogs porque - parece-me - é servido com açúcar e canela.
No próximo post vou revelar que revolução aconteceu dentro da minha cabeça para comer aqueles bolos sem pensar em calorias. ;-)

Helena Araújo disse...

Paulo,
hehehe, chegaste a pensar que o avião teria dado meia volta e tinha aterrado de novo em Lisboa...

Pois é - não se espera encontrar um português a vender chapéus checos em Praga. Nem tantos portugueses em Lugano.
Será a receita do Passos Coelho a dar resultado? :(