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Miguel Sousa Tavares no Expresso de ontem.
O que poderemos nós pensar quando, depois de tantos anos a exigir o fim das SCUT, descobrimos que, afinal, o fim das auto-estradas sem portagens ainda iria conseguir sair mais caro ao Estado?
Como caixa de ressonância daqueles que de quem é porta-voz (tendo há muito deixado de ter voz própria), o presidente da Comissão Europeia, o português Durão Barroso, veio alinhar-se com os conselhos da troika sobre Portugal: não há outro caminho que não o de seguir a “solução” da austeridade e acelerar as “reformas estruturais” — descer os custos salariais, liberalizar mais ainda os despedimentos e diminuir o alcance do subsídio de desemprego. Que o trio formado pelo careca, o etíope e o alemão ignorem que em Portugal se está a oferecer 650 euros de ordenado a um engenheiro electrotécnico falando três línguas estrangeiras ou 580 euros a um dentista em horário completo é mais ou menos compreensível para quem os portugueses são uma abstracção matemática. Mas que um português, colocado nos altos círculos europeus e instalado nos seus hábitos, também ache que um dos nossos problemas principais são os ordenados elevados, já não é admissível. Lembremo-nos disto quando ele por aí vier candidatar-se a Presidente da República.
Durão Barroso é uma espécie de cata-vento da impotência e incompetência dos dirigentes europeus. Todas as semanas ele cheira o vento e vira-se para o lado de onde ele sopra: se os srs. Monti, Draghi, Van Rompuy se mostram vagamente preocupados com o crescimento e o emprego, lá, no alto do edifício europeu, o cata-vento aponta a direcção; se, porém, na semana seguinte, os mesmos senhores mais a srª Merkel repetem que não há vida sem austeridade, recessão e desemprego, o cata-vento vira 180 graus e passa a indicar a direcção oposta. Quando um dia se fizer a triste história destes anos de suicídio europeu, haveremos de perguntar como é que a Europa foi governada e destruída por um clube fechado de irresponsáveis, sem uma direcção, uma ideia, um projecto lógico. Como é que se começou por brincar ao directório castigador para com a Grécia para acabar a fazer implodir tudo em volta. Como é que se conseguiu levar a Lei de Murphy até ao absoluto, fazendo com que tudo o que podia correr mal tivesse corrido mal: o contágio do subprime americano na banca europeia, que era afirmadamente inviável e que estoirou com a Islândia e a Irlanda e colocou a Inglaterra de joelhos; a falência final da Grécia, submetida a um castigo tão exemplar e tão inteligente que só lhe restou a alternativa de negociar com as máfias russas e as Three Gorges chinesas; como é que a tão longamente prevista explosão da bolha imobiliária espanhola acabou por rebentar na cara dos que juravam que a Espanha aguentaria isso e muito mais; como é que as agências de notação, os mercados e a Goldman Sachs puderam livremente atacar a dívida soberana de todos os Estados europeus, excepto a Alemanha, numa estratégia concertada de cerco ao euro, que finalmente tornou toda a Europa insolvente. Ou como é que um pequeno país, como Portugal, experimentou uma receita jamais vista — a de tentar salvar as finanças públicas através da ruína da economia — e que, oh, espanto, produziu o resultado mais provável: arruinou uma coisa e outra. E como é que, no final de tudo isto, as periferias implodiram e só o centro — isto é, a Alemanha e seus satélites — se viu coberto de mercadorias que os seus parceiros europeus não tinham como comprar e atulhado em triliões de euros depositados pelos pobres e desesperados e que lhes puderam servir para comprar tudo, desde as ilhas gregas à água que os portugueses bebiam.
Deixemos os grandes senhores da Europa entregues à sua irrecuperável estupidez e detenhamo-nos sobre o nosso pequeno e infeliz exemplo, que nos serve para perceber que nada aconteceu por acaso, mas sim porque umas vezes a incompetência foi demasiada e outras a inocência foi de menos.
O que podemos nós pensar quando o ex-ministro Teixeira dos Santos ainda consegue jurar que havia um risco sistémico de contágio se não se nacionalizasse aquele covil de bandidos do BPN? Será que todo o restante sistema bancário também assentava na fraude, na evasão fiscal, nos negócios inconfessáveis para amigos, nos bancos-fantasmas em Cabo Verde para esconder dinheiro e toda a restante série de traficâncias que de há muito — de há muito! — se sabia existirem no BPN? E como, com que fundamento, com que ciência, pode continuar a sustentar que a alternativa de encerrar, pura e simplesmente, aquele vão de escada “faria recuar a economia 4%”? Ou que era previsível que a conta da nacionalização para os contribuintes não fosse além dos 700 milhões de euros?
O que poderemos nós pensar quando descobrimos que à despesa declarada e à dívida ocultada pelo dr. Jardim ainda há a somar as facturas escondidas debaixo do tapete, emitidas pelos empreiteiros amigos da “autonomia” e a quem ele prometia conseguir pagar, assim que os ventos de Lisboa lhe soprassem mais favoravelmente?
O que poderemos nós pensar quando, depois de tantos anos a exigir o fim das SCUT, descobrimos que, afinal, o fim das auto-estradas sem portagens ainda iria conseguir sair mais caro ao Estado? Como poderíamos adivinhar que havia uns contratos secretos, escondidos do Tribunal de Contas, em que o Estado garantia aos concessionários das PPP que ganhariam sempre X sem portagens e X+Y com portagens? Mas como poderíamos adivinhá-lo se nos dizem sempre que o Estado tem de recorrer aos serviços de escritórios privados de advocacia (sempre os mesmos), porque, entre os milhares de juristas dos quadros públicos, não há uma meia dúzia que consiga redigir um contrato em que o Estado não seja sempre comido por parvo?
A troika quer reformas estruturais? Ora, imponha ao Governo que faça uma lei retroactiva — sim, retroactiva — que declare a nulidade e renegociação de todos os contratos celebrados pelo Estado com privados em que seja manifesto e reconhecido pelo Tribunal de Contas que só o Estado assumiu riscos, encaixou prejuízos sem correspondência com o negócio e fez figura de anjinho. A Constituição não deixa? Ok, estabeleça-se um imposto extraordinário de 99,9% sobre os lucros excessivos dos contratos de PPP ou outros celebrados com o Estado. Eu conheço vários.
Quer outra reforma, não sei se estrutural ou conjuntural, mas, pelo menos, moral? Obrigue os bancos a aplicarem todo o dinheiro que vão buscar ao BCE a 1% de juros no financiamento da economia e das empresas viáveis e não em autocapitalização, para taparem os buracos dos negócios de favor e de influência que andaram a financiar aos grupos amigos.
Mais uma? Escrevam uma lei que estabeleça que todas as empresas de construção civil, que estão paradas por falta de obras e a despedir às dezenas de milhares, se possam dedicar à recuperação e remodelação do património urbano, público ou privado, pagando 0% de IRC nessas obras. Bruxelas não deixa? Deixa a Holanda ter um IRC que atrai para lá a sede das nossas empresas do PSI-20, mas não nos deixa baixar parte dos impostos às nossas empresas, numa situação de emergência? OK, Bruxelas que mande então fechar as empresas e despedir os trabalhadores. Cumpra-se a lei!
Outra? Proíbam as privatizações feitas segundo o modelo em moda, que consiste em privatizar a parte das empresas que dá lucro e deixar as “imparidades” a cargo do Estado: quem quiser comprar leva tudo ou não leva nada. E, já agora, que a operação financeira seja obrigatoriamente conduzida pela Caixa Geral de Depósitos (não é para isso que temos um banco público, por enquanto?). O quê, a Caixa não tem vocação ou aptidão para isso? Não me digam! Então, os administradores são pagos como privados, fazem negócios com os grandes grupos privados, até compram acções dos bancos privados e não são capazes de fazer o que os privados fazem? E, quanto à engenharia jurídica, atenta a reiterada falta de vocação e de aptidão dos serviços contratados em outsourcing para defenderem os interesses do cliente Estado, a troika que nos mande uma equipa de juristas para ensinar como se faz.
Tenho muitas mais ideias, algumas tão ingénuas como estas, mas nenhumas tão prejudiciais como aquelas com que nos têm governado. A próxima vez que o careca, o etíope e o alemão cá vierem, estou disponível para tomar um cafezinho com eles no Ritz. Pago eu, porque não tenho dinheiro para os juros que eles cobram se lhes ficar a dever.
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Gosto das propostas. Se são exequíveis, estava capaz de propor manifs sugestão a sugestão: em vez de ir para a rua protestar contra o estado da situação, a manif do próximo sábado era apenas para mostrar quantos portugueses estão a favor de proibir as privatizações à nossa moda, e que de futuro se obrigue o comprador a levar tudo, e não apenas a parte que dá lucro; a do sábado seguinte seria a favor da renegociação dos contratos da PPP, etc.
É verdade que não faríamos outra coisa. Mas foi assim que o muro de Berlim caiu: porque as pessoas começaram a não fazer outra coisa. Às segundas-feiras, ao fim da tarde: manif.
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Não gosto daquele "o careca, o etíope e o alemão". Mas que raio de retórica é essa?
Também tem uma pequena imprecisão: a Alemanha não está soterrada por produtos que não vende aos parceiros europeus. A Alemanha já começou há muito a perceber que precisa de diversificar os mercados, e já exporta para fora da Europa 2/3 do que produz. E agora poupem-me os comentários tipo "ah, os espertalhões..."
Já a referência ao centro, que se viu "atulhado em triliões de euros depositados pelos pobres e desesperados e que lhes puderam servir para comprar tudo, desde as ilhas gregas à água que os portugueses bebiam" é algo que me enerva cada vez mais. Quem anda a depositar triliões de euros no centro da Europa não são pobres e desesperados, são ricos cínicos, que depois de se terem enchido de dinheiro à conta da corrupção - muitas vezes legal - do seu país, o foram pôr ao fresco quando viram o barco a afundar.
Sempre que me falam nos "juros agiotas" que o país está obrigado a pagar, tenho vontade de perguntar: "e tu, a que taxa de juro estarias disposto a emprestar as tuas poupanças ao governo do teu país?"
Também não percebo porque é que os governos não congelaram as contas para evitar essa sangria. Parece que agora já pensaram nisso: disseram-me que se um país sair do euro, em menos de 24 horas as contas europeias serão congeladas para evitar uma corrida aos bancos. Casa arrombada...
(Por mim, e sem pensar muito, não me repugnaria nada que esses empréstimos a taxa zero à Alemanha fossem devolvidos - quer dizer: fossem emprestados ao mesmo juro - ao país do proprietário desse dinheiro. Mas isto agora é a minha costela robespierrana a falar.)
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Não estou a tentar desculpar os mercados, a Goldman Sachs, a inaptidão da Angela Merkel. Estou a chamar a atenção para a nossa parte da responsabilidade. Já vimos que eleger um governo de quatro em quatro anos não chega, já vimos que a abstenção ou o voto em branco não nos levam longe. Este é o tempo de assumirmos que a nossa vida tem de voltar a estar nas nossas mãos, e que o país que temos é o país que fazemos. Nós todos, cada um de nós.
6 comentários:
Como?
Cada um dê a resposta que entender que deve dar. Cada um agarre a ponta do fio que estiver mais perto de si.
Pessoalmente, estou cada vez mais apologista dos movimentos sociais.
Mas estás como, se o melhor que eles conseguem para fazer as pessoas reagir é o célebre "fuck troika" - que tanto te desagradou?!!
Penso que as pessoas teriam saído para a rua mesmo com outro slogan qualquer. A TSU foi a gota de água.
Mas muita coisa está a acontecer, a germinar. Acredito que vem por aí algo novo.
Não tenho nada essa certeza.
Tal como da "Primavera árabe" já não resta nada. As "redes sociais" movimentam as pessoas pela raiva cega e muda, como último recurso contra a impotência.
Não há nestes momentos de explosão nada de novo, muito menos de criativo.
E a única coisa positiva é permitir que as pessoas aliviem por momentos a sua cólera, para regressarem na manhã seguinte ao seu tormentoso calvário, com tudinho exactamente na mesma...
Não, da raiva e da fúria, só por si, é que nunca nascerá nada de bom e com Futuro.
Um pequeno apontamento relativo ao teu "e tu?". Quando os juros pagos pelo estado portugues comecaram a disparar, nao era possivel ao cidadao comum emprestar dinheiro ao estado sem ser comido por parvo (i.e. certificados de aforro estavam a cerca de 1%). A situacao piorou, e a certa altura chegou ao cumulo de o Estado pagar aos bancos 14%, que por sua vez iam buscar o dinheiro ao BCE a 1%. Os mesmos bancos que tinham sido salvos a custo zero pelo Estado agora, mais uma vez, riam-se 'a custa do povo e enchiam-se de mais dinheiro pago, directa ou indirectamente, pelo povo. E os certificados de aforro, que o estado tratou como se de migalhas se tratasse, ficaram com cada vez menos dinheiro, porque o estado preferiu pagar juros enormes 'a banca do que pagar ao povo (que 1% nesta altura e' nada). Tudo bem, que ha' obrigacoes que pagam mais juros e duram mais tempo (ainda que bem menos do que o estado paga aos bancos). Mas a maioria dos portugueses toda a vida teve certificados e sabia como funcionavam, eram acessiveis e flexiveis. As obrigacoes (que tambem pagam menos do que o estado paga aos bancos) nao sao algo acessivel a qualquer portugues.
O estado portugues tem vocacao para pagar sempre a opcao mais cara.
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