24 setembro 2012

Carnaval, futebol... estereótipos de Brasil





Hoje o Dois Dedos de Conversa recebe visitas do Brasil - um texto da Laura Barile:



Carnaval, futebol... estereótipos de Brasil 

Começou com a corrupção. A conversa no banco da frente. Discutiam em uníssono os problemas do Brasil, com os argumentos que ouvimos sempre e algumas distorções históricas. Eram duas senhoras que o destino e a ideologia uniram num ônibus a caminho de Viracopos*. Da corrupção passaram aos sistemas políticos, numa inversão de fatos de dar orgulho ao mais conservador. “No Brasil, meu Deus, iam implantar um sistema comunista que meu Deus...” e a outra completava: “o Brasil não levantava nunca mais”, e um repeteco da primeira ecoava: “nunca mais...” Discutiram a presidenta Dilma na versão “bandida” (ladra de banco). Comentaram que a Europa tem um sistema socialista que não é, assim... comunista! E que só com muitas guerras é que se conseguiu vencer a União Soviética. Amém. Minha leitura não rendia, e mesmo depois de eu própria me render, apelando para os protetores auriculares, ainda ouvia perfeitamente a discussão, a cada comentário mais exaltada. Pensei em falar, mas a verdade é que os absurdos eram tantos, e tão bem colocados em uníssono, que não sabia o que, como, ou por onde começar a contestar. Seguiu-se um desfile de clichês: o problema do Brasil é que o povo não pensa. Não sabe pensar. É a minoria que pensa. Só querem saber de futebol e carnaval. E eu pensando comigo: se o povo só pensasse em futebol e carnaval ao menos seríamos uma nação mais alegre, mais em contato com nossas emoções e mais profundos desgostos – talvez mais democrática. O pensamento unitário é o que nos mata... Com o melhor argumento que poderia dar, interrompeu-me mais uma vez os pensamentos, dirigindo-se à companheira de viagem: “É bom conversar com alguém assim, sabe? Porque a gente pensa igual, tem as mesmas ideias. Sempre tem alguém que vem e discorda, sabe? Então não dá, por aí, para conversar sobre essas coisas com qualquer um”. Pronto. Ponto. Ganhei pontos em ficar quieta – mas não só por ela. A incapacidade crítica que ela aponta é a mesma que, com esse tipo de pensamento, reforça – à noção de uma população que não pode pensar senão o que é certo e que não pode conversar senão concordando. Isso – esse pensamento unitário – é a base de uma ditadura que controlou, perseguiu e cerceou a liberdade de expressão no Brasil por duas décadas, e é também a base do autoritarismo de esquerda que ela (por meio de trôpegos clichês) criticou. Não sabemos discutir senão tentando convencer os outros do que (achamos que) é certo... E o povo que só quer saber de futebol e carnaval... Ao contrário, é uma nação amarga e intolerante, que não sabe defender uma questão sem entrar em méritos passionais e doutrinadores. Que o povo brasileiro só pensasse em carnaval e futebol, antes fosse. Ganharia nossa humanidade.

* O Aeroporto Internacional de Viracopos fica em Campinas, cidade a aproximadamente 1h de São Paulo. As companhias oferecem ônibus para realizar esse trajeto. 


 **

A Laura Barile é uma cineasta brasileira. Escreve aqui apontamentos da vida, coisas deliciosas como esta:

Cronicazinha tragicômica: 
Sempre tenho dúvidas se ele disse “te amo” ou “tchau”. Então fico com medo de ele dizer “te amo” e eu responder “tchau!”, ou de ele dizer “tchau” e eu responder: 
— Eu também…

ou esta:

Hoje um menininho falou: “eu sou baixinho ainda. Amanhã eu vou crescer. Vou crescer até o céu.”
Acho que a gente cresce mesmo, até o céu.

Sem comentários: