20 junho 2012

o expresso do paraíso (5)


O pequeno-almoço na Pousada de Cascais foi excelente - o melhor que tive nos hotéis do grupo Pestana. Com o mar à minha frente. Só era pena chover tanto, e eu estar atrapalhada por causa de uma entrevista que ainda faltava fazer, mesmo antes de sairmos para o avião.

A entrevista resumiu-se a uma sessão fotográfica, e à promessa de que o Wladimir Kaminer escreveria um pequeno texto sobre Portugal para a revista Wink.
Saímos para o aeroporto, debaixo de chuva torrencial. Não sei como, ainda não tínhamos saído de Cascais e já estávamos embrenhados numa conversa profunda sobre religião. Falámos de Taizé (mais umas frases dessas, e ainda combinamos uma visita à Borgonha...) e da fé. O Wladimir entendia que a fé se vive a título pessoal - ninguém entra no céu num autocarro de excursões. Eu ia falar da diferença entre misticismo e religião, mas chegámos ao aeroporto e fomos atropelados pela vida real.
Despedimo-nos. Voltei para o centro da cidade com os meus trinta pacotes. Entre eles as gadanhas e as empadas de galinha compradas em Estremoz, já um bocado amassadas por terem servido inadvertidamente de almofada num power nap durante uma travessia do Alentejo.

Encontrei-me com amigos.
Melhor dizendo: encontrei-me nos amigos.

Terminei o dia num sofá confortável, debaixo de uma manta partilhada, numa conversa entremeada dos "entãos" que me desatam. Quando algum dia escrever uma definição de lar-doce-lar, não me posso esquecer disto: uma manta partilhada, "entãos", confidências e sorrisos.

Foi o quinto dia.

O sexto continuou tão bom como o anterior. Regressei à Alemanha, e a partir do sétimo dia descansei.
Que bem precisava.

***

Uma semana mais tarde fomos jantar com os Kaminer. Enquanto eu tentava recuperar do cansaço da viagem, o Wladimir já tinha ido a Estrasburgo, a Praga, e a uma conferência de imprensa por causa do Matthias Rust que ele deixara chegar à Praça Vermelha, vinte e cinco anos antes.
Havia que preparar o grande projecto para o Verão de 2013. Ao fim de uma hora, o Joachim já estava a apostar com o Wladimir a sua melhor garrafa de vinho. Tive de intervir: o Chateau Latour do ano do nascimento da Christina?! Apostaram a segunda melhor garrafa de vinho. Já não sei em quê, e eles provavelmente também não.
A meio do serão o Matthias e o Wladimir começaram uma enorme discussão sobre fé. Com quem o Wladimir se foi meter... O Matthias não cede, continua a argumentar, a desmontar os argumentos contrários. Quando é comigo, para não dar o braço inteiramente a torcer, costumo acabar a discussão com um "ah, cala-te cala-te, não me lembro de te ter perguntado a opinião...". Ele ri-se, e eu preservo algum amor-próprio.
O Wladimir Kaminer não conhece este truque, pelo que continuava a discutir com ele. Já estávamos em frente ao táxi, já bocejávamos desesperadamente, mas eles: ora um ora o outro. Até que pedimos que acabassem a discussão por esse dia, e o Wladimir começou a sorrir como quando se lembra de uma história. Era uma história: perguntaram a um filósofo, um russo que foi para Inglaterra, o que mais temia. Ele respondeu: o fim da conversa.

2 comentários:

jj.amarante disse...

"O sexto continuou tão bom como o anterior. Regressei à Alemanha, e a partir do sétimo dia descansei.
Que bem precisava.
": quase divina!

Helena Araújo disse...

Pois é, pois é. Um tudo nada abusado.
Mas como terminar uma série de posts que se chama "o expresso do paraíso", e que termina cada um com "foi o primeiro dia", "foi o segundo dia", etc.?

Ou essa gracinha do descansar, ou então pôr publicidade da Apple.
;-)