10 fevereiro 2012

não queremos cá gente piegas

Um pouco atrasada, mas ainda com a indignação a rubro, queria dizer a propósito do apelo que Passos Coelho fez aos portugueses, para que sejam menos piegas e trabalhem mais e melhor, que:

Não admito que um primeiro-ministro fale como um padre de aldeia no café. Exijo de um primeiro-ministro que saiba escolher as palavras (chamar "piegas" aos portugueses que estão a passar dificuldades impressionantes é inadmissível), e que faça discursos que nos apontem caminhos de futuro em vez de andar a passar a mensagem subliminar de que este povo não presta.

Aquele discurso está cheio de disparates. Por exemplo, as pessoas fazerem uma ponte enquanto a troika trabalhava: as sociedades têm regras, e enquanto essas regras forem válidas, não há que ter vergonha de viver segundo elas. A troika trabalhou durante essa ponte, como os bombeiros, os hospitais e os restaurantes: nesses dias trabalha quem tem de trabalhar nesses dias. Não é por a troika, os médicos e os bombeiros estarem a trabalhar que o resto do pessoal deve deixar de fazer o que sempre fez. Até que as regras mudem, claro. Mas não antes disso, e muito menos movidos por uma espécie de má consciência.
Outro disparate inadmissível: aquela coisa de nos lembrar que temos de exigir qualidade aos produtos portugueses. Ele está a insultar inúmeros portugueses que trabalham com brio e entusiasmo, muitas vezes em condições que outros povos nunca aceitariam, para produzir o melhor possível. Olho para Portugal, e vejo imensos exemplos admiráveis de empresas que produzem inovação e qualidade. Porque é que o primeiro-ministro português precisa de dizer que temos de exigir qualidade, insinuando que os portugueses vivem de vender gato por lebre? Porque é que ele não falou, em vez disso, da qualidade de tanto do que já se faz em Portugal? Porque é que o nosso primeiro-ministro diz "“Temos de incutir em quem produz exigência e qualidade. Sabemos produzir com qualidade e devemos premiar aqueles que o fazem” e vez de dizer “Temos motivos para nos orgulhar de muito do que já é feito em Portugal. Sabemos produzir com qualidade e devemos continuar a premiar aqueles que o fazem.”?
Outro erro gravíssimo: dizer " ter pena dos alunos, coitadinhos, que sofrem tanto para aprender" não é maneira de um primeiro-ministro equacionar o debate sobre a Educação. Simplesmente: não é admissível que tenha um discurso tão pouco articulado sobre esta questão fulcral.  

Perante estas frases que são sintoma de uma catastrófica ausência de sentido de Estado, penso no célebre discurso do Churchill, o "We shall go on to the end. We shall fight in France, we shall fight on the seas and oceans, we shall fight with growing confidence and growing strength in the air, we shall defend our island, whatever the cost may be."
Era um tipo de discurso assim (ou melhor: era uma atitude assim, era uma cultura política assim) que eu queria ouvir ao nosso primeiro-ministro. E não este discurso piegas, medíocre e contraprodutivo que ele fez. Vergonhoso.

13 comentários:

António P. disse...

Bom dia Helena,
Estava a ver que não falava do piegas-mor :)
Já agora, como se diz piegas em alemão?
Um bom fim de semana cheio de filmes e penso que com muita neve e frio :))

sem-se-ver disse...

claro.

beijo

Helena Araújo disse...

António,
eu comecei por rir - até dizia aos amigos portugueses que se queixavam do frio que aqui está: "näo sejam piegas..."
Mas quando li o artigo todo fiquei chocada.
Näo sei como é que se diz piegas em alemäo. É uma palavra que simplesmente näo entra no léxico de um político. De facto, fico a pensar que um político alemäo que se atrevesse a falar assim do seu povo ia parar à rua a uma velocidade superior à da luz.

mdsol disse...

Muito bem, Helena.
Demasiado mau para ser verdade.

Anónimo disse...

você faz uma interpretaçao muito particular de quase tudo o que ele disse.

como escreveu o pedro lomba no publico, se tivesse dito "lamurias" como tantas vezes o sampaio afirmou ai já estava tudo bem. ou não?

"insinuando que os portugueses vivem de vender gato por lebre" - exactamente em que parte ele insinua isto?

"temos de exigir qualidade aos produtos portugueses".ao contrário do sr cavaco, que acha que a solucao passa pelo apelo a um consumo emocional comprando portugues porque é portugues,ele disse, e muito bem, que a solucao passa inevitavelmente por melhorar a qualidade da nossa producao/serviços.

A nivel business to business, que acaba por ser, de longe, o mais importante, simplesmente nao faz sentido como certamente sabe. Por isso o apelo do PM vai no sentido certo e coloca o enfase na idea correcta

a analogia com um gestor de uma empresa não é perfeita, mas o que o discurso que ele teve é o que qualquer gestor faz todos os dias. temos que produzir continuamente melhor e com uma qualidade que justifique o preço.

conversa mole, passar a mão no pêlo, qualquer um faz, e acho que muita boa gente já esta mais que farta disso.

ricardo

Anónimo disse...

"pensar que um político alemäo que se atrevesse a falar assim do seu povo ia parar à rua a uma velocidade superior à da luz."

tem toda a razao. so é pena que nao aconteca o mesmo quando esse politico alemao insulte os outros povos europeus de preguicosos. assim é mais facil e da seguramente mais votos

ricardo

Helena Araújo disse...

Ricardo, infelizmente de momento não tenho tempo para falar do seu primeiro comentário. Quanto ao segundo: faz alguma ideia da onda de críticas que se abateu sobre a Angela Merkel quando mandou aquele disparate sobre a produtividade dos outros povos? Todos: os outros partidos, o seu próprio partido, os jornalistas. Não me lembro que depois disso ela tenha ousado repetir a gracinha.

Carlos disse...

É isso mesmo, Helena.

Abraço.

Helena Araújo disse...

Ricardo,

Começando pelo comentário do Pedro Lomba: eu não estava a falar do que o Jorge Sampaio disse, estava a falar do que o Passos Coelho disse. Nem aos meus filhos admito esse tipo de argumentação, quando tentam escapar à sua própria responsabilidade dizendo que o outro também fez isto e aquilo.

"Vender gato por lebre" - cito o artigo: não se deve consumir “o que é português só porque é português”: “Temos de incutir em quem produz exigência e qualidade". Porque é que o primeiro-ministro dos portugueses diz que "temos de incutir"? É verdade que a seguir diz que já há muito quem trabalhe com qualidade, mas, ao referir-se ao panorama empresarial português, escolheu deliberadamente chamar a atenção para o "copo meio vazio". Do que eu conheço das empresas portuguesas, e do que posso comparar com empresas alemãs que conheço, afirmo sem a menor dúvida que em termos de exigência e qualidade os portugueses em nada ficam atrás dos alemães.

Talvez o mundo português que o Ricardo conhece seja muito diferente do que eu conheço. É que nunca me passaria pela cabeça dizer, a partir daquilo que vejo, que os portugueses têm comportamentos muito preguiçosos, que estão presos a velhas estruturas, que lhes falta atitude ambiciosa e exigente e que estão agarrados ao passado.
Para além de ser inadmissível que um governante fale assim do povo que serve, parece-me que essa não é a realidade portuguesa. Em Portugal, só vejo gente que trabalha demasiadas horas, com um extraordinário empenho e muita competência.
Mais grave ainda: ele estava a falar num contexto de ensino. Não sei que professores ele conhece, e sobre quem estava a falar, mas eu não conheço um único professor em Portugal que tenha em relação aos alunos uma atitude piegas, complacente e preguiçosa.

Este discurso é uma bofetada aos portugueses. É um discurso de "senso comum", de alguém que olha para os assuntos pela rama e ao mesmo tempo ignora a responsabilidade da sua missão. O contrário de insultar os portugueses não é passar-lhes a mão pelo pêlo, mas fazer o que um primeiro-ministro tem de fazer: informar-se muito, pensar muito, ter uma visão para o futuro do país, e apontar esse caminho de forma positiva.

O seu exemplo do gestor é fraquinho, mas aproveito-o para acrescentar uma frase admirável que ouvi a um chefe americano: não há maus funcionários, só há maus chefes. Um bom chefe tem a capacidade de descobrir em cada pessoa o melhor que ela tem para oferecer.
E isso, obviamente, não se consegue à bofetada.

beijo de mulata disse...

Uma reflexão... Tenho visto muita gente falar sobre este tema em blogues e vem sempre um "anónimo" só com um primeiro nome argumentar e contra-argumentar em defesa do primeiro ministro. Só faço uma pergunta: gratuitamente?

Não nos tomem por ingénuos...

(um) beijo de mulata

sem-se-ver disse...

claro (outra vez, pela esta tua resposta ao ricardo)

Helena Araújo disse...

Mulata,
se está a falar do Ricardo, parece-me que não é o caso.
"Gratuitamente"? - penso que sim, com certeza. Temo que o anonimato tenha mais a ver com um certo temor de aparecer com uma opinião diferente. E penso que é lamentável que esse temor exista nas pessoas. Espero que isso nunca aconteça nestas caixas de comentários.

beijo de mulata disse...

Fico mais descansada! Genuinamente ;)

Boa semana!