15 janeiro 2012

Gewandhaus

A propósito de um post do Nuno Galopim no sound + vision, onde se fala da ligação importante de Beethoven à Gewandhausorchester, lembrei-me de um estranho incidente de que fui testemunha há alguns anos.

A Maria João Pires tocava na Gewandhaus, e entre o meu grupo de amigos organizou-se uma pequena excursão a Leipzig para a ouvir. Alguns deles, por sinal "Wessis", abandonaram o concerto no intervalo, porque já tinham aquilo que os interessava: Mozart interpretado pela Maria João Pires. Uns dias mais tarde disseram-me que não quiseram ficar para a segunda parte porque, na opinião deles, a Gewandhausorchester tocava de uma forma pesada, arrastada e escura. Soturna.

Curiosamente, a seguir à queda do muro, houve uma época áurea para essas orquestras: o mundo do lado de fora da cortina de ferro (e muito especialmente o Japão) estava muito interessado em ver como é que a música clássica alemã continuara, ou em que direcção evoluíra, fora da influência ocidental nessa segunda metade do século XX. Foram tournées gloriosas, contaram-me depois alguns músicos da Staatskapelle Weimar, com os olhos a brilhar.

Os meus amigos que saíram a meio do concerto eram da Áustria e do Sul da Alemanha, e provavelmente já não achavam graça nenhuma a essa maneira de fazer música clássica “à moda antiga”.

***

Gewandhaus significa "loja das fazendas". A célebre orquestra de Leipzig tem esse nome devido ao edifício onde se instalou em 1781: construído no sec. XV como casa de armas, em algum momento foi-lhe adicionado um segundo piso para alojar os comerciantes de panos, e por isso recebeu o nome de Gewandhaus, loja das fazendas. Quando a orquestra criada em 1743 se mudou para este espaço, passou a chamar-se Gewandhausorchester, orquestra da loja das fazendas. E quando, em séculos seguintes, mudou para outras salas de concerto, deu o antigo nome às casas novas.

No Outono de 1989 Kurt Masur abriu a casa a debates públicos sobre reformas e o futuro da RDA, fazendo da "loja das fazendas" um espaço público de discussão política, e palco para movimentos de oposição.

Interessante sequência lógica: primeiro o exército, depois o comércio, a seguir a cultura, mais tarde o debate democrático. O que nos trará este século?

3 comentários:

Paulo disse...

A Gewandhaus e Kurt Masur estiveram no Coliseu dos Recreios nos inícios da década de '90, creio eu, no ciclo Grandes Orquestras Mundiais da Santa Gulbenkian. Não pude assistir ao concerto, hélas! Estava com outro trabalho. Mas recordo que quem foi saiu da lá fascinado com essa maneira de tocar à antiga.
Pouco tempo depois ouvi a Staatskapelle Dresden (também no Coliseu) e calculo que o modo de tocar devia ser semelhante. Não recordo quem era o maestro.

Helena Araújo disse...

Ou seja, Paulo: se tivesses ido a esse concerto em Leipzig saías na primeira parte, porque a Maria João Pires estava a estragar o trabalho da orquestra...
;-)

Paulo disse...

Ahahah.

Nessa época estava a dar-se o boom da interpretação historicamente informada da música antiga - ia mais ou menos até Beethoven - e das orquestras com instrumentos antigos. Não era nada moderno ouvir Mozart pela Gewandhaus ou mesmo pela Filarmónica de Berlim. Esse movimento tinha passado ao lado das grandes orquestras, não só das da Alemanha Oriental. Talvez os teus amigos quisessem dizer isso, estou eu agora aqui a pensar.

Mais tarde, maestros como Harnoncourt e Gardiner começaram a dirigir grandes orquestras tradicionais, imprimindo-lhes um ritmo mais de acordo com o historicamente informado. Limparam-lhes o pó, vá. Quando Gardiner veio ao Coliseu com a Sinfónica de Londres e Maria João Pires (não foi há muitos anos), ouviu-se nitidamente o espanador.