17 novembro 2011
sinto uma grande ternura por esta miúda
Quando eu tinha seis, sete anos, levantava-me antes de toda a gente, arranjava-me para a escola, e ia para a cozinha ferver o leite do pequeno-almoço. Quando se tem sete anos, ferver o leite é uma seca monumental - ou uma grande maçada, como se dizia na altura. A casa era velha, e o chão da cozinha, em terrazzo, tinha uma bela série de fendas que me ajudava a passar o tempo. Eram as estradas do meu mapa-múndi, percorria-as à volta da mesa de mármore no centro, Braga-Porto-Lisboa-Espanha-França e avançava, Rússia-China-Japão e acabava-se aquele segmento, num salto ia de avião até à Austrália, outro salto para o Brasil (aos seis anos numa cozinha fria inventam-se mapas prodigiosos), atravessava a mata atlântica, chegava de novo a casa. Primeiro em passos normais, deixa cá ver quantas voltas ao mundo dou até o leite ferver. Depois passos de formiguinha, um pé colado ao outro. Devagar, devagarinho, saborear bem cada curva do país. O leite começava a assobiar, vai subir agora, pensava eu, e estugava os passinhos de formiga, mais depressa, mais depressa, já só me falta a Austrália, salto para o Brasil, afligia-me de pressa pelas suas estradas tão sinuosas. Do Brasil saltava para o fogão, às vezes o leite vinha por fora, "não cheguei a tempo, que pena". Limpava o fogão, bebia o leite, ia esperar o autocarro da escola.
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14 comentários:
Já somos duas.
Não conheci essa miúda. Imagino que já passaram umas dúzias de anos, aí mais que três... Pois a essa miúda, agora bem graúda, além da partilhar a ternura, gostaria de lhe dar um presente que correspondesse um pouco ao modo como ela se nos faz presente neste blogue: juntar num cd, num soalho ou numa nuvem tudo o que algum dos seus textos provocou nos seus leitores. Com alegria, admiração e gratidão.
José Maria
:-)
E mais não digo, porque não sei dizer.
Essa miúda, já em pequena, era prodigiosa. Agora que é grande, não há céu que a possa limitar.
Pensando melhor, por acaso até sei dizer uma coisa. Uma lapalissade, como de costume: eu acredito que se a gente espalhar coisas boas no mundo o mundo fica melhor.
Se o que escrevo provoca coisas boas em quem me lê, isso fica a pairar entre as pessoas. Uma corzinha diferente numa nuvem, talvez. Mas é um trabalho de grupo, e sinto-me muito grata por fazer parte dele.
(alguém vá contar ao Cavaco, por favorzinho, queria tanto ter uma medalhinha de 10 de junho... hihihi)
Hoje vai ser um dia cheio. O sol brindou-nos por aqui e a gente acrescentou ao brinde o sorriso da miúda que nos chegou adulta, um sorriso que atravessou o tempo e que nos ilumina. E, sim, continua a partilhar o melhor de ti. Abraço apertadinho, apertadinho, apertadinho (até fiquei sem fôlego)
Cristina GS
ai, e aí que ele se escondeu? malandro...
;-)
e muitos :-)
Parabéns Helena.
Realmente contribuis para um mundo melhor.
Cravar a medalha do 10 de Junho duvido que consiga, mas posso pedir ao Embaixador para ao menos te passar a convidar para a festa :-)
:-)
Ora aqui está um presente dos bons!
Que aqueles rissóis, ai!, aqueles rissóis! Sabem tão bem como cinco medalhas na lapela.
O meu agradecimento e boa caminhada, com ou sem blogue.
Desconfio que se desiste leva uma boa sova :)*
pois que o retrato da menina bate certo com a mulher em que ela se tornou.
dito isto, toma um beijo.
(dito outra coisa, os jovens universitarios do celebre video seriam incapazes de imaginar sequer o mapa-mundi. não é em crianças, é agora mesmo, com a idade que têm.)
(é verdade, desc a polemica logo no teu dia, mas vou agora ao blog da rita dizer umas coisas :)
beijo
*a palavra de verificação é light. até ela sabe que se trata do teu aniversário :))
Este blog, suspeito que seja traduzido do alemão - em termos de postura na vida, não necessariamente em termos de língua. Por isso me parece ser uma coisa muito doce e muito frágil. Como não leio facilmente alemão, vivo no terror que a autora se canse de o traduzir, pondo assim termo a este Portugal imaginário. Mas que é viciante, lá isso é.
Interessada, Bosc d'Anjou,
não se preocupem, não tenciono desistir tão cedo. Precisava era de abrir mais dois ou três blogues para escrever tudo o que tenho cá dentro...
Bosc d'Anjou: muito curiosa, essa observação sobre traduzir do alemão. No máximo traduzo-me a mim. Mas não sei se sou alemã, ou portuguesa, ou eu, ou até uma Helena imaginada.
sem-se-ver,
eu estava capaz de apostar que os que não sabem o mapa-múndi sabem outras coisas que eu não sei. eles não andam propriamente a dormir na vida, andam é numa vida diferente da minha.
Quando eu tinha dez anos, uma professora abriu um mapa-múndi e perguntou-nos onde era a Índia. Eu sabia perfeitamente onde era a Índia (nem sei porquê, os meus pais não eram nada de nos abrir atlas à frente do nariz) e pus-me a olhar para a América do Sul. A professora viu-me a olhar na direcção errada e chamou-me ao quadro. Claro que fiz um brilharete. Mas lembrei-me desta pequena perversão da professora ao ver o jornalista a escolher, das entrevistas que fez, apenas os que não acertaram.
Como seria a escola, e como seriam os alunos, se os professores estivessem apostados em dar aos alunos apenas feed-back positivo, apostados em mostrar-lhes que eles são capazes? Se me deixassem mandar, professores que chamam alunos ao quadro sabendo de antemão que eles se vão sair mal iam ter problemas graves comigo...
Idem para os jornalistas. Claro.
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