A primeira peça era de Kodály: Serenade für zwei Violinen und Viola.
Não vou dizer nada, porque há aqui gente que percebe de música e eu não me quero envergonhar. Mas valeu a pena, porque a segunda peça era de Brahms, o quinteto para clarinete, op.115, e foi uma delícia.
Ao clarinete, Ib Hausmann. Li no programa que está a trabalhar neste momento numa nova versão dos Kindertotenlieder, com o pianista de jazz Michael Wollny. Já estou curiosa.
Também participou no CD da Anne Sofie von Otter, Terezin, com música do campo de concentração de Theresienstadt. Um CD que me confunde: como é que músicos que nunca passaram fome nem frio, que nunca foram despojados de toda a sua dignidade de seres humanos, poderão interpretar aquela música em toda a sua terrível verdade? Já o disse aqui várias vezes: depois de ter ouvido um sobrevivente de Buchenwald cantar "Oh Buchenwald wie kann ich dich vergessen", nenhuma interpretação de canções destas me será suficiente. Pensei nisso por uns momentos, mas o clarinete de Ib Hausmann chamou-me para Brahms, e lá fiquei.
7 comentários:
«Um CD que me confunde: como é que músicos que nunca passaram fome nem frio, que nunca foram despojados de toda a sua dignidade de seres humanos, poderão interpretar aquela música em toda a sua terrível verdade?»
É uma excelente questão. Arrisco outra, do ponto de vista do ouvinte (o meu, afinal): como é que nós, que nunca passamos pelo mesmo, podemos escutá-la em toda a sua terrível verdade? Talvez a sensibilidade humana possua mistérios que a razão desconhece.
Se a conseguimos escutar em toda a sua terrível verdade, não sei. Mas garanto que há uma diferença brutal entre ouvir o hino de Buchenwald cantado por um sobrevivente ou por um bom cantor lírico. Essa diferença eu conheço.
Foi pena que nas comemorações de 60 anos da libertação de Buchenwald não se tivessem lembrado de sugerir aos sobreviventes que formassem uma última vez na parada, em memória do que fizeram após a libertação do campo, e cantado o seu hino. Se o quisessem, evidentemente.
Mas isso devia ter sido tentado, e devia ter sido filmado.
Em vez de os porem sentados a ouvir os discursos intermináveis dos políticos. Importantes, também, sem dúvida. Mas sem o peso do choque simbólico daquelas pessoas de pé a lembrar a sua história.
Esta sugestão foi feita por esse sobrevivente. Infelizmente, depois das cerimónias. E é daquelas coisas que já não se podem repetir. Quando os vi de novo, nos 65 anos, já eram poucos e muito muito velhinhos.
Eu tive oportunidade de escutar o concerto referente ao disco da Von Otter que menciona, há dois anos, na Gulbenkian -- gostei muito. Não me custa imaginar que aquela música terá outro peso emocional se for interpretada por um sobrevivente de um campo de concentração (daquele ou doutro).
Concordo com o que diz, mas é tudo tão terrível que me custa imaginar qual teria sido a reacção das pessoas a tal proposta. Em todo o caso, o que menciona teria sido, sem dúvida, mais importante do que qualquer discurso de qualquer político.
A minha primeira reacção foi de choque. Pedir às pessoas que repitam aquilo que viveram no momento da libertação do campo?
Mas, por outro lado, a proposta veio de um sobrevivente. Ele sabe melhor que eu o que se pode sugerir às pessoas.
Acabo de ler uma citação que se enquadra lindamente aqui: «If you haven’t been through it, it won’t come out of your horn.» Charlie Parker
Deve ser, sim.
(engraçado como as coisas vêm ter connosco quando começamos a pensar nelas, não é?)
(É algo que me sucede não poucas vezes, as coisas virem ter comigo -- chega a ser assustador!)
Enviar um comentário